“Do smart ao scrap”, a rede de telecomunicação do futuro carrega um paradoxo ambiental
Por Thais Lassali
Quando se fala no impacto ambiental dos smartphones, comumente o debate se concentra na materialidade dos aparelhos que cabem na palma da nossa mão: quais são os recursos necessários para eles serem produzidos, de onde vem os componentes eletrônicos que os constituem e para eles onde vão após serem descartados. Pouco se discute, porém, sobre as infraestruturas (menos palpáveis para nós) que sustentam as redes de telecomunicação que permitem com que eles funcionem. Tais infraestruturas vão muito além dos aparelhos. Elas incluem torres, antenas, serviços de resfriamento, sistemas de energia, dentre outros. São justamente tais infraestruturas que normalizaram com termos como 3G, 4G e 5G no nosso cotidiano. Cada uma dessas siglas diz respeito a diferentes tecnologias de acesso à rede celular, correspondendo, respectivamente, a diferentes gerações de padrões de tecnologias de rede móvel. Mas você já se perguntou o que acontece com a infraestrutura necessária para nutrir cada uma dessas gerações de redes quando uma nova geração ganha espaço na maioria dos celulares que utilizamos e outra passa a ser obsoleta?

Essa pergunta foi respondida por Ion Fernández de las Heras, cientista social que o GEICT recebeu no dia 26 de maio. Ele apresentou ao grupo a conferência “Do smart ao scrap, ou como rematerializar as infraestruturas de comunicação celular”, resultado da pesquisa que ele atualmente realiza, como pesquisador de pós-doutorado, no Internet Interdisciplinary Institute (IN3) da Universitat Oberta de Catalunya (UOC) sobre a implementação (e desativação) de infraestruturas de telefonia móvel. Seu projeto tem como foco especificamente os projetos de transição para o 6G, a sexta geração de tecnologias de comunicação sem fio que substituirá o 5G utilizado pela maioria dos celulares atualmente.
Bom, mas o que é uma geração tecnológica no contexto das telecomunicações? Do ponto de vista técnico, “geração” diz respeito aos padrões e protocolos de rede que permitem com que nossos smartphones acessem a internet móvel. Entretanto, em sua comunicação oral, Heras apontou para a importância de compreendermos esse fenômeno também do ponto de vista sócio-técnico: como um evento concomitantemente institucional, político e econômico que organiza o setor de telecomunicações e suas tecnologias. É a partir de cada geração que se configuram “onde investimentos são mobilizados, licitações são abertas, fabricantes lançam novos produtos, operadoras licenciam seus serviços e políticas e estratégias públicas são reformuladas”, afirma o pesquisador.
Toda nova geração de telecomunicações precisa se instalar sobre uma paisagem já existente de infraestruturas e tecnologias. Ao mesmo tempo, uma nova geração precisa se diferenciar da anterior para justificar os investimentos necessários para implementá-la. A geração 6G tem sido colocada pelas organizações que a pesquisam como uma solução mais sustentável e preocupada com o meio ambiente. “Esse discurso, entretanto, é paradoxal”, afirma Heras. Isso porque para que o processo de transição entre gerações se realize, muito da infraestrutura necessária para a manutenção das redes celulares acabam se tornando lixo. Heras chama esse processo de “residualização” e é categórico ao afirmar que ele não apenas é um efeito colateral do processo de criação de novas gerações, como uma visão linear poderia julgar que fosse. Pelo contrário, para Heras, a transformação de infraestruturas em resíduos por conta de sua obsolescência é um elemento estruturante do processo produtivo, porque o lixo eletrônico acaba também se tornado uma mercadoria para o próprio mercado que o está descartando.
“O que se gerou foi uma demanda material por parte de uma miríade de empresas e organizações que atuam dentro da economia circular. Os locais de residualização não são destinos finais que simplesmente recebem os equipamentos descartados. Eles atuam como vetores ativos que moldam uma tendência sistemática ao descarte de dispositivos ainda operacionais. Talvez seja mais apropriado pensar o resíduo não como uma negação da produção, mas como seu excesso inevitável”.

Assim, uma geração supostamente pensada como uma alternativa sustentável poderá ser, ao mesmo tempo, a responsável pela criação de um volume descomunal de lixo. Seu processo de adoção significará o descarte de toda uma infraestrutura dedicada à manutenção das gerações anteriores. Desse modo, como conclui Heras,
“a promessa de um futuro sustentável não pode ser dissociada dos processos materiais que sustentam sua implementação. E olhar para o que é descartado, o que é substituído, enterrado ou reciclado pode ser uma chave importante para pensar politicamente a própria ideia de transição tecnológica”.
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