As “escravisauras” das minas britânicas

Colliery Reports Futility Closet 2012-09-17 23-17-55

Muito se fala de que a industrialização inglesa fez-se sem qualquer consideração pelas duríssimas condições de trabalho que criou para seus operários. Isso não é inteiramente correto. Em 1842, uma comissão parlamentar de inquérito (ou seja, uma CPI) debruçou-se sobre as condições de trabalhos das moças e rapazes empregados em minas de carvão. Algo semelhante hoje em dia seria veiculado pela imprensa como a CPI dos Meninos-Carvoeiros ou das Escravas Isauras. Não foi sob nenhum título vistoso que a Facts and Figures reproduziu, em sua edição de 2 de maio de 1842, o relatório final da comissão, do qual destacamos os seguintes trechos:

A reduzida estatura das crianças ‘collier’ [carvoeiras] resulta, nos distritos carboníferos, da limitadas passagem que elas têm de atravessar, sendo frequentemente não superior a 30 polegadas em altura [76 cm]. E, além disso, crianças de ambos os sexos puxam ou arrastam pequenos vagões ou carrinhos-de-mão amarrados aos pulsos ou acorrentados às pernas e carregados com carvão, pesando de dois a três cwt. [hundredweight ou centena de libra; 1 cwt equivale a aprox. 45 kg.] e que usualmente são apoiados sobre o solo ou sobre trilhos irregulares, embora às vezes sejam puxados como trenós. Nos poços mais limitados, eles são presos aos carrinhos-de-mão por uma pulseira ligada a uma corrente que passa por entre as pernas e assim têm de movimentar-se de quatro, como animais. Esse trabalho é feito tanto por meninos quanto por meninas, vestidos apenas com calças, nos distritos carboníferos de Yorkshire, Lancashire e do leste da Escócia.

Seguem-se então alguns depoimentos de menores empregados na extração do carvão que impulsionava a industrialização britânica:

Patience Kershaw, 17 anos, empregada do Joseph Stock’s Booth Town Pit, em Halifax: “Eu empurro nas roupas que tenho agora, calças e jaquetas esfarrapadas. A parte calva sobre minha cabeça foi feita de tanto empurrar carriolas. Minhas pernas nunca se incharam, mas as de minha irmãs já, quando foram para a usina. Eu empurro as carriolas por uma milha e mais sob o solo e de volta; elas pesam três cwt. [300 libras ou uns 135kg]; empurro onze por dia. Eu uso um cinto e correntes no trabalho para puxá-las para fora. Os coletores que trabalham comigo ficam pelados, exceto por seus gorros; eles tiram toda as suas roupas. Eu vejo alguns deles quando vou para cima. Às vezes me batem, se não sou rápido o bastante; espancam-me as costas. Os garotos tomam liberdades comigo às vezes, puxando-me. Sou a única menina do poço. Há cerca de doze meninos e quinze homens; todos os homens ficam pelados. Preferia trabalhar na usina em vez de no poço.”

Margaret Hipps, 17 anos, coletora, Stoney Rigg Colliery, Stirlingshire: “Minha tarefa, após alcaçar a parede, é encher uma bolsa, ou fronha, com 2,5 a 3 cwt. [250 a 300 libras; 112,5 a 135kg.] de carvão. Então engancho-a em minha corrente e arrasto-a através da mina, que tem de 26 a 28 polegadas de altura, até chegar ao corredor principal — é uma boa distância, provavelmente dá 200 a 400 jardas [~182 a 365 m]. O pavimento sobre o qual me arrasto é úmido e sou obrigada a ficar o tempo todo apoiada sobre as mãos e os pés com minha bolsa presa à cordas ou correntes. É um suador triste e um trabalho fatigante e penoso, que frequentemente aleija as mulheres.”

As coisas não eram mais fáceis para as mulheres adultas, que não raro envelheciam precocemente:

Betty Harris, 37 anos, sacadora em uma mina de Little Bolton, Lancashire: “Tenho uma cinta em redor do pulso e uma corrente que me passa entre as pernas e ando sobre as mãos e os pés. O caminho é bastante íngreme e temos que nos segurar por uma corda e, quando não há corda, a qualquer coisa que se possa agarrar. Há umas seis mulheres e seis moças e rapazes no poço em que trabalho: é um ofício muito duro para uma mulher. O poço é muito molhado onde trabalho e a água sempre cobre nossos calcanhares e já vi subir até as coxas. Não sou mais tão forte quanto era e não posso mais suportar tão bem o trabalho quanto costumava. Eu sacava até perder a pele. a cinta e a corrente são piores quando há familiares por perto. Meu marido bateu-me muitas vezes por não estar pronta. Conheci muitos homens que batem em suas sacadoras.”

Comentário de um subcomissário sobre o testemunho de Hipps: “É quase inacreditável que seres humanos possam se submeter a tais empregos, arrastando-se sobre as mãos e os joelhos, amarrados feitos cavalos, sobre pisos lamacentos, puxando pesos com mais dificuldades do que teriam em nossos mais baixos esgotos e com as dificuldades ainda maiores da inclinação, a qual é frequentemente de 1 em 3 para 1 em 6.”

Essa Comissão de Inquérito não foi uma iniciativa inteiramente parlamentar. A investigação começou por pressão popular e, principalmente, da Rainha Vitória. Tanto o povo quanto a soberana ficaram chocados com o Huskar Colliery Disaster, um grave acidente subterrâneo no qual foram mortas 26 crianças (11 meninas e 15 meninos, todos entre 9 e 16 anos de idade).  O relatório da CPI resultou na aprovação do Mines and Collieries Act of 1842. A nova lei proibiu o emprego de meninos menores de dez anos em minas. Todas as meninas e moças, independente da idade, também foram proibidas de trabalhar em ambientes subterrâneos.

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  • “Campo de carvão aéreo” | hypercubic

    […] ilusão! Ele provém do ranger estridente das correntes de carvão sinuosas, que foram colocados em pequenos túneis por baixo da estrada ilimitada. Sentei-me numa parte elevada das ruínas e olhando para baixo, vi o […]

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