O elemento J

Um clássico tabu da tabela periódica está prestes a ser derrubado por uma equipe de pesquisadores japoneses. Após oito anos de tentativas, o Japão acaba de se tornar o primeiro país da Ásia a sintetizar um elemento — provisoriamente chamado de 113 ou ununtrium (Uut) —, o que lhe dará o direito de nomeá-lo. Apesar da esperança de finalmente termos um J na tabela periódica, a descoberta deve causar polêmica.

Paternidade russa ou japonesa?

O problema é que a síntese desse elemento não é inédita: ele foi sintetizado pela primeira vez pelos russos do Instituto de Pesquisa Nuclear de Dubna em 2003 (em colaboração com americanos do Lawrence Livermore National Laboratory). Essa síntese do 113 foi, porém, meio sem querer querendo, já que foi resultado do decaimento do elemento 115 (ou Ununpentium). Em novos experimentos em 2004, 2005 e 2007, os russos tentaram isolar e identificar o 113, mas a IUPAC considerou os resultados insatisfatórios.

Enquanto os russos quebravam a cabeça com um resultado indireto da busca pelo 115, os japoneses partiram desde o começo para o 113. Em 23 de julho de 2004, os pesquisadores do RIKEN bombardearam um alvo de bismuto-209 com zinco-70. O resultado foi um único átomo de ununtrium-278 e teve um decaimento bastante próximo do que havia sido previsto por uma equipe americana no ano 2000. Ainda assim, esse decaimento não estava muito claro. No ano seguinte, o RIKEN repetiu a experiência, mas o decaimento foi diferente — possivelmente pela liberação ligeiramente adiantada de uma partícula alfa.

Por tudo isso, a IUPAC ainda não reconheceu oficialmente a descoberta do 113. No entanto, a confirmação definitiva pode ter ocorrido no RIKEN no último dia 12 de agosto. Nessa experiência mais recente, os cientistas japoneses liderados Kosuke Morita observaram um decaimento com a liberação de seis partículas-alfa:

Figure 1

O que torna essa observação mais importante que as anteriores? É o decaimento do dúbnio-262 para laurêncio-258, que já é bastante compreendido pela comunidade científica. Além disso, há apenas 1 chance em 10-28 de que o resultado observado tenha sido acidental ou uma coincidência, segundo cálculos dos japoneses. Portanto, é uma “margem de erro” desprezível para os padrões científicos. Os resultados foram publicados no Journal of the Physical Society of Japan. Além de um press-release, o RIKEN divulgou um vídeo sobre a descoberta:

[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=giuZaoxeKtY” autohide=”1″ fs=”1″ egm=”1″]

A descoberta também já foi comentada pelo professor Martyn Poliakoff, da série Periodic Videos:

[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=VqKF1RSnuvo” autohide=”1″ fs=”1″ egm=”1″]

Se você sabe falar a língua da terra do sol nascente, confira uma versão do vídeo acima dublada em japonês.

RIKEN ri por último

A IUPAC ainda deve se reunir para decidir quem é, de fato, o descobridor do 113 e decidir o nome do elemento. Embora os russos possam chiar, o mais provável é que a descoberta japonesa seja reconhecida. No ano passado a mesma IUPAC já considerou os experimentos russos realizados entre 2004 e 2007 como impróprios para uma descoberta. Os primeiros experimentos do RIKEN, de 2004, também foram desconsiderados.

Desde 2004, os japoneses propõem Japonium (ou Japônio) como nome do elemento 113. Como não há nenhum outro elemento que comece com essa letra, o símbolo seria, provavelmente, apenas J — o primeiro J da tabela periódica. O RIKEN ainda propõe outros dois nomes [os símbolos entre colchetes são extra-oficiais]: Rikenium (Rikênio [Rk]) e Nishinanium (Nishinânio [Ni]). A última proposta seria uma homenagem ao físico Yoshio Nishima (1890-1951), considerado o pai da Física moderna no Japão.

Ah, sim: RIKEN é abreviação de Rikagaku Kenkyūjo (理化学研究所), oficialmente traduzido para inglês como The Institute of Physical and Chemical Research (“O” Instituto de Pesquisas Físicas e Químicas). Falar em Instituto Riken é, portanto, um pleonasmo. O RIKEN foi fundado em 1917 e pouca gente sabe que ali se desenvolveu o obscuro programa nuclear japonês durante a II Guerra Mundial. Um dos líderes do programa foi ninguém menos que o honorável Nishima-san.

Após o batismo do 113, vão restar apenas três elementos sem nome: 115/ununpentium, 117/ununseptium e 118/ununoctium. E eu continuo sonhando com elementos como [As] Asimovium (em homenagem a Asimov) e [Sa] Saganium (em memória de Sagan).

Referências

Kosuke Morita et al. New Result in the Production and Decay of an Isotope, {278}113, of the 113th Element. Journal of Physical Society of Japan, 2012. DOI: 10.1143/JPSJ.81.1032 http://jpsj.ipap.jp/link?JPSJ/81/103201/

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comment 0 comments
  • rafinha.bianchin

    J na tabela!? Não vamos mais ter como fazer pegadinhas oara o irmão mais novo/sobrinho. Mas aguardamos pelo asimovium e saganium. Mas os nomes ununalgumoutronumeroemlatim não são oficiais?

    • Renato Pincelli

      Rafinha, os nomes com prefixos e sufixos latino-numéricos são oficiais, mas são apenas provisórios. A IUPAC criou esses nomes-lego em 1979, na tentativa - desnecessária, a meu ver - de evitar confusões entre os números atômico, de massa e de ordem. (Se fosse pra evitar confusão numérica, porque não usar um sistema numérico diferente para os elementos 'desconhecidos', como CXIII em lugar de 113?) Na prática, porém, todo mundo (até os cientistas) prefere a nomenclatura provisória com números arábicos: 113, 115, 118.

  • rafinha.bianchin

    Eu preferia ver cento-e-treze do que aquele emaranhado de palavras estranhas. Mas foi muito bom ver um artigo tratando de química de maneira suficientemente superficial e aprofundada bem na antevéspera de voltar as aulas. Deixamos química mas agora temos Engenharia dos Materiais, que é 'quase' a mesma coisa.

  • Igor Santos

    Para os estudantes de latim, é bom ver um lugar onde números ainda importam.
    Tirando, claro, o sufixo "ium".

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