Instruções encontradas no ‘lixo’

diferenciação celular
Células-tronco do embrião de um rato se diferenciam nesta imagem. Em verde, as células precursoras da mesoderme; em vermelho, as precursoras da endoderme. Antes considerado parte do “genoma lixo”, os microRNAs são os orientadores desse delicado processo de diferenciação. [imagem: Sanford-Burnham Medical Research Institute]

A transformação de um punhado de células — o embrião — em um ser vivo completo e saudável sempre foi um dos maiores mistérios do mundo biológico. Como esse delicado processo de desenvolvimento é controlado? De que forma algumas proteínas se manifestam no momento certo? O que faz as células se desenvolverem em diferentes camadas que resultarão em órgãos e tecidos?

Talvez tenhamos jogado as respostas na lixeira. Lembra do DNA lixo? Durante anos pensamos que o código genético que não codificava proteínas era inútil. Já sabemos que o lixo genômico não é tão lixo assim. Agora uma pesquisa mostra uma das funções mais importantes do já foi visto como lixo: manter o desenvolvimento celular no rumo certo.

Um tesouro no lixo

Se você já teve noções de genética no colegial, deve se lembrar do RNA mensageiro (RNAm). Basicamente, esse tipo de RNA age como uma espécie de carteiro: saindo do núcleo, ele carrega as receitas de como montar proteínas para os ribossomos. Os microRNAs são parecidos com o RNAm. A diferença é que eles não codificam proteínas. Por isso mesmo, os microRNAs são gerados pela parte do código genético que era considerada “lixo” por não estar ligada à formação proteica.

Só que, mesmo que não tenham relação direta com a síntese de proteínas, os microRNAs estão longe de ser inúteis. Se o RNAm é o carteiro da célula, o microRNA funciona mais ou menos como um guarda de trânsito. É o microRNA que orienta o mensageiro, indicando-lhe onde deve ir e principalmente quando deve ir. Desse modo o microRNA tem um importante papel, pois determina quais proteínas são produzidas em um determinado período. Essa importância já era conhecida em células adultas. Mas e no embrião?

Em um estudo recém-publicado em Genes & Development, Mark Mercola e seus colegas relatam a descoberta de que o microRNA tem um papel importantíssimo no processo de formação de camadas celulares durante o desenvolvimento embrionário. Mercola é professor e diretor do Programa de Desenvolvimento Muscular e Regeneração do Sanford Children’s Health Research Center, situado em La Jolla, Califórnia.

Investigando os guardas de trânsito

Assim como não há apenas um tipo de guarda de trânsito, não há apenas um tipo de microRNA. Cerca de 900 “espécies” de microRNA são conhecidas. O que Mercola e seus colaboradores queriam saber é: há microRNAs que influenciam a formação de camadas nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário? Para encontrar a resposta, a equipe estudou a maioria dos microRNAs encontrados no genoma humano. Eles verificaram o papel de cada tipo de microRNA na formação da mesoderme e da endoderme em células-tronco embrionárias.

Pra quem não se lembra das aulas de embriologia, a mesoderme dá origem dá origem aos sistemas nervoso central, muscular, ósseo, circulatório e reprodutor. A endoderme forma o aparelho digestivo e a parte interna do sistema respiratório.

Voltando aos microRNAs, os pesquisadores descobriram duas “famílias” (ou, se preferir, batalhões de guardas de trânsito) que bloqueiam a formação da endoderme ao mesmo tempo em que intensificam a formação da meso- e da ectoderme. Essas duas famílias foram chamadas de let-7 e miR-18.

Para confirmar a descoberta, a equipe americana bloqueou artificialmente as funções do let-7 para ver o que aconteceria. Foi mais ou menos como desligar alguns semáforos: esse bloqueio alterou dramaticamente o rumo do desenvolvimento embrionário, desviando células que formariam a mesoderme e a ectoderme para a endoderme.

Agora que sabemos quem dirige o trânsito no desenvolvimento embrionário, surge a pergunta: como let-7 e miR-18 trabalham? Mercola et al. observaram que esses microRNAs direcionam a formação de meso- e ectoderme na sinalização do processo TGFβ. TGFβ é uma molécula que controla muitos comportamentos celulares, entre os quais a proliferação e a diferenciação — é mais ou menos como um mestre de obras. Ao mudar o rumo da atividade TGFβ, os microRNAs mudam o rumo da célula inteira, que pode se tornar uma célula óssea ou muscular, por exemplo.

Referência

Colas AR, McKeithan WL, Cunningham TJ, Bushway PJ, Garmire LX, Duester G, Subramaniam S, & Mercola M (2012). “Whole-genome microRNA screening identifies let-7 and mir-18 as regulators of germ layer formation during early embryogenesis.” Genes & development PMID: 23152446

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