O que andei vendo no Netflix em janeiro

Não vi tantos documentários quanto esperava neste mês de férias. Em parte foi por ter considerado poucas as estreias do gênero no Netflix, em parte por ter precisado estudar para um processo seletivo. Em compensação, escrevi bastante sobre o que vi, dos meninos do subcontinente indiano às meninas da programação, começando com o que fiquei devendo no mês passado:

hip hop evo

Hip Hop Evolution (2016) – Já tratei dessa série de documentários em dezembro, mas só fui ver os episódios finais no comecinho de janeiro. No terceiro episódio vemos os anos 80, que trouxe novas tecnologias de remixagem como as drum machines, os samplers e as fitas cassetes. Com a ajuda de uma gravadora criada por um roqueiro branco, o hip-hop entra na moda com Run-DMC, os Beatles desse gênero. A década que começou com um rap natalino termina com o som politizado e explosivo do Public Enemy. O episódio final trata da cena em Los Angeles, berço do gangsta rap. Lá, o rap começou secundário e o hip-hop continuava sendo mais festivo no começo dos anos 80. Ao longo da década, com o crescimento da criminalidade, do tráfico de drogas e da violência policial, o rap angelino foi de algo do “departamento de entretenimento das gangues” para o mainstream, com nomes como Ice-T, Ice Cube, Dr. Dre e a “banda mais perigosa do mundo”, N.W.A. É um bom complemento à série The Get Down, também da Netflix, mas que deixa a sensação de que faltaram algumas coisas. O foco ficou quase que exclusivamente voltado para a parte musical do hip-hop, deixando de lado o break-dance, o grafitti e o impacto desse gênero fora dos EUA. Bem que poderia haver novos episódios ou uma segunda temporada.


amdavad

Famous in Ahmedabad (29 min., 2015) — Dois garotos correndo atrás de uma pipa caída. Quem pegar primeiro leva. Não seria uma cena incomum no Brasil, não fossem dois garotos correndo atrás de uma pipa em meio aos riquixás e o trânsito caótico de uma cidade indiana. É assim que começa esse pequeno porém divertido documentário sobre um menino de 11 anos, Zaid, seus amigos, seus vizinhos e sua cidade durante o festival de pipas que ocorre anualmente na semana de 14 de janeiro. Em menos de meia hora acompanhamos Zaid comprando linhas (que depois são coloridas com cerol), empinando pipas, subindo nos terraços e telhados da vizinhança. Enquanto o pai tenta controlar a paixão que passou para o filho, o mal-humorado segurança do banco e o velho clérigo da mesquita reclamam do menino. Mas nem o segurança ou um policial resistem: também eles contribuem para encher o céu da capital indiana das pipas. O único defeito desse documentário é ser tão efêmero quanto o festival que retrata.


happiness

Felicidade (Happiness, 80 min., 2013) — Centenas de quilômetros ao norte de Zaid, numa vila isolada do Butão vive outro menino, Peyangki, de oito anos. Filho inquieto e brincalhão de uma agricultora viúva, ele se vê forçado pela pobreza a ir para um monastério e tornar-se monge. Enquanto isso, o jovem rei do país está determinado a levar eletricidade e internet a todos os butaneses e sua família tenta arranjar uma TV. O documentário acompanha Peyangki em sua jornada entre o isolamento de sua aldeia e a abertura da capital do país, Timphu. Depois de algum tempo no mosteiro, Peyangki vai pela primeira vez à cidade grande com o tio. Quando volta à aldeia, o pequeno monge encontra um ambiente em rápida transformação: o asfalto está chegando e, com ele, a eletricidade e a televisão. Como os aldeões e os familiares de Peyangki vão reagir? A resposta está no fim desse documentário, uma co-produção da BBC, NHK e de uma TV francesa. Boa história, que apresenta o budismo real, pobre e bem diferente dos filmes e da televisão. Ruim é a dublagem, única opção de áudio e que não parece bem-feita — quase todo mundo soa de modo um tanto afetado e as vozes não combinam.


aspergers-are-us-tease

Asperger′s are us (82 min., 2016) — Noah Britton, Ethan Finlan, Jack Hanke, New Michael Ingemi (sim, ele se chama New Michael) são quatro jovens comediantes que se preparam para o último show de sua trupe. Neste documentário, nós acompanhamos os quatro enquanto buscam um local para a apresentação, criam e discutem as esquetes que vão representar, ensaiam onde conseguem e falam sobre a família, os amigos e o que pretendem fazer após o fim do grupo. Noah é o líder que gosta de balanços e camisetas engraçadas, Ethan adora trens e tenta ser sério nos depoimentos mas não consegue, Jack se prepara para um intercâmbio em Oxford e New Michel surta com os ensaios em casa. No fim, vemos trechos do show de despedida e um epílogo gravado 18 meses mais tarde. Seria um documentário (com ar de making of) bastante comum sobre jovens comediantes, não fosse o fato de que os quatro rapazes de Boston só foram reunidos por uma coisa que têm em comum: a síndrome de Asperger.


enquirer

Enquiring Minds (98 min., 2014) — Ele derrubou o império de imprensa criado pelo pai em Nova York e criou algo ainda maior nos anos seguintes. Rejeitado pela mãe e os irmãos mais velhos, idolatrado pelo pai e apadrinhado por Frank Costello, Generoso Pope Jr. não mediu esforços — nem escrúpulos — para construir o jornal de maior circulação dos EUA. Não hesitou em encher as páginas de seu jornal com sangue, mulheres, fofocas e sensacionalismo barato. Seu objetivo era alcançar 20 milhões de exemplares, mas o mais próximo que chegou disso foi com uma histórica (e controversa) edição com a foto de Elvis morto no caixão. Workaholic, Gene teve três casamentos infelizes e terminou a vida com uma obsessão pelo gramado de sua empresa e buscando a árvore de Natal mais alta do mundo. Seu jornal já não é mais o mesmo sem ele, mas é o modelo que deu origem a todas as revistas de fofoca que se encontram em supermercados. Para o bem e para o mal.


extremis

Extremis (24 min., 2016) — Se você sofresse um ataque cardíaco quase fulminante e tivesse que passar o pouco tempo que lhe resta preso a uma máquina, como reagiria? E se, contra a sua vontade, os seus familiares insistissem em prolongar sua vida (e seu sofrimento) contra a sua vontade, cada vez mais difícil de comunicar? Neste documentário exclusivo do Netflix, acompanhamos a rotina de dilemas éticos do lugar onde a vida fica num limbo, uma UTI. Em poucos minutos e sem rodeios somos apresentados a dois casos onde pacientes em estado grave e seus familiares precisam decidir o que fazer quando os recursos da medicina estão prestes a se esgotar.


codegirl

Codegirl (107 min., 2015) — No século XIX, Ada Lovelace foi a primeira pessoa a escrever um programa de computador. No século XX, uma programadora chamada Grace Hopper desenvolveu as bases da linguagem COBOL e o primeiro compilador; Margaret Hamilton escreveu os softwares do programa Apollo, que levou o homem à Lua. Com esse histórico, era de se esperar que a programação fosse uma atividade feminina ou, pelo menos, igualitária. Só que não. Hoje, apenas 7% das start-ups são fundadas por mulheres e apenas 4 em cada 100 aplicativos móveis são feitos por elas. Esse cenário está começando a mudar por meio de iniciativas como o Techovation Challenge, um concurso mundial de inovação tecnológica voltado exclusivamente para meninas do ensino médio. Neste documentário, acompanhamos times de lugares tão distintos quanto Moldávia, México, Brasil, Nigéria, Índia e Estados Unidos. As equipes de meninas têm três meses para identificar um problema de sua comunidade e criar um aplicativo para resolvê-lo. Nesse processo, elas aprendem não apenas a programar mas a fazer pesquisas, modelos de negócios, apresentações e, em alguns casos, a se comunicar em inglês. Interessante não apenas pela questão de gênero ou tecnológica, este documentário também tem um elemento dramático causado, ironicamente, por um problema técnico na emissão dos vistos que quase deixou as competidoras estrangeiras de fora das finais, realizadas em San Francisco.


Food-Chains (1)

Food Chains (82 min., 2014) — Acomodações precárias, salários miseráveis, longas jornadas de trabalho, falta de moradia, abusos físicos e até escravidão não são as características associadas à agricultura norte-americana, uma das mais ricas e produtivas do mundo. E, no entanto, esta é a realidade que se esconde por trás de propagandas e páginas de livros didáticos. Nos EUA, a ampla maioria dos trabalhadores rurais é, historicamente, formada por migrantes que sempre foram escravizados ou aceitaram condições próximas à escravidão. A situação começou a mudar nos anos 60 com o sindicalista Cesar Chavez, mas regrediu com a concentração monopsônica criada pelos acordos de livre-comércio aplicados a partir dos anos 1980 e a constante exigência de supermercados e redes de fast-food por preços baixos a qualquer custo. Neste documentário, narrado por Forest Whitaker e produzido por Eva Longoria, acompanhamos o cotidiano dos colhedores de tomate de Immokalee (Flórida) e a luta de seu sindicato de trabalhadores rurais por melhores salários e melhores condições de trabalho. Além de advogados, sindicalistas, jornalistas, trabalhadores e líderes religiosos, o documentário também conta com a participação de políticos como Robert F. Kennedy Jr. e Bernie Sanders, que chefiou uma audiência pública sobre a escravidão na Flórida em 2008.

chevron_left
chevron_right

Join the conversation

comment 0 comments

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comment
Name
Email
Website