No enigma publicado no começo da semana, nos vimos diante de um modelo em escala do sistema solar no qual a Unidade Astronômica equivale a um metro. Uma criança pergunta qual seria a duração de um ano para a Terra do modelo. E então: um ano pode ser reduzido em escala?
Soluções dos leitores
Nove Onze comentários (dois dos quais via Facebook) discutiram o problema. O franco abriu os trabalhos e considerou que bastaria calcular a circunferência da órbita do modelo:
“duração” do ano em metros = 1. pi = 3,14 metros.
divide-se isso por 365,25 e temos o valor do dia em “metros”.
Mais tarde o KK cometeria praticamente o mesmo erro, talvez por confudirem ano com translação. Ambos consideraram, de forma parecida, que um ano em escala seria apenas a trajetória, devidamente reduzida, do planeta ao redor do sol. no modelo em questão. Pensaram espacialmente. Mas o que queremos saber é se dá pra reduzir a duração temporal de uma translação.
O Sergio Murilo considera que não haveria diferença alguma na duração do ano:
Eu diria que um ano nessa escala duraria um ano… O que mudaria, por causa da escala, seria a velocidade aparente do movimento da Terra em torno do Sol.
O sempre prolixo rafinha.bianchin atuou como um moderador não-autorizado ao apresentar réplicas a alguns comentários. Depois, fez suas considerações, que podem ser vistas como um desenvolvimento da teoria do Sergio:
Ok, vamos aproximar a translação para um círculo, já que apenas a distância média é de 1 m. O comprimento total é de aproximadamente 6,28 m. A velocidade linear da Terra é, em média, 108,88 km/h.
Rodando 360° em 365 dias, temos 0,9863°/dia de velocidade angular. Se esta velocidade fosse a mesma na maquete, um ano duraria… um ano!
Na mosca! Não faz diferença. Sendo tudo o mais proporcionalmente reduzido (inclusive a velocidade de translação), a duração do ano seria a mesma tanto na maquete quanto no sistema solar real. O problema é realmente simples, porém contraintuitivo. Tendemos a achar, um tanto infantilmente, que uma menor distância a percorrer significa menos tempo de viagem. Isso nem sempre é verdade.
Solução “oficial”
Mais uma vez, retiramos nosso enigma da obra 200 Puzzling Physics Problems (Peter Gnädig et. al., Londres, 2000). Eis a solução apresentada no livro:
Iguale a força de atração entre a Terra e o Sol à força centrípeta que [no modelo em escala] mantém a Terra em sua órbita aproximadamente circular e expresse a velocidade angular ω em termos de T, o período da revolução. Isso dá
onde M e m são, respectivamente, as massas do Sol e da Terra e r a distância média entre eles. Divida por m e expresse M em termos da densidade média ρ e raio R do Sol. Assim:
Isso leva a
para o período da revolução.
Podemos ver que o período de rotação da Terra depende apenas da constante gravitacional G, da densidade média do Sol e da razão r/R. Portanto, se a densidade da matéria mantém-se constante, qualquer escalonamento do sistema solar deixa inalterada a duração de um ano. Pode-se ver também que apenas o tamanho e a densidade do Sol são relevantes. Os dados da Terra não são. Qualquer corpo que seja pequeno em tamanho relativo ao Sol teria o mesmo período e seguiria a mesma órbita [da Terra].
Nota: esse resultado também pode ser obtido com o uso da Terceira Lei de Kepler: T²/a³ = 4π²/GM, onde a é o semi-eixo maior da órbita elíptica da Terra. Se a massa solar é expressa em termos de sua densidade média, então fica claro que uma redução proporcional não altera o período dos planetas em órbitas elípticas.
A não ser que estejamos diante de uma criança-prodígio, essa não é, evidentemente, a melhor maneira de responder à curiosidade infantil. Quem melhor conseguiu uma resposta simultaneamente simples e correta foi o Igor, com sua analogia do distanciamento:
Reduzir em escala é o mesmo que aumentar a distância entre o observador e o objeto.
Imaginando que a maquete é o sistema solar e o observador está a uma distância suficiente para que a Terra pareça estar a um metro do Sol, um ano vai continuar durando um ano mas a velocidade (que é uma função do espaço percorrido sobre o tempo decorrido) de translação será consideravelmente menor.
No entanto, há um porém, segundo o nosso vizinho de cerca bloguístico:
Considerando a dica: se as massas forem as mesmas e a distância real for um metro, esse sistema rapidamente se tornará um corpo só e algum tipo de explosão atômica se dará. Algo como uma mini-supernova que, ao se deslocar com pouco menos que a velocidade da luz, fará com que o tempo dentro de sua esfera de observação pareça praticamente infinito.
Desta forma, o que conhecemos como “um ano”, demoraria uma eternidade ao invés das oito mil e tantas horas tradicionais.
Igor, parabéns pela atenção à dica, mas não precisava tomá-la ao pé da letra. 😉
Menções honrosas ao franco (já citado) e ao Daniel, que sugeriram o uso da Terceira Lei de Kepler. Pena que não desenvolveram seus argumentos nesse sentido…
rafinha.bianchin
Eu sou prolixo porque transformo cálculos crus em texto digerível/digestível?
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Meu professor de algoritmo e programação sugeriu um problema referente ao somatório dos termos de uma P.A. Ele queria que usássemos laços de repetição, enquanto eu sugeri o uso da equação propícia para o caso. Ele aceitou a sugestão, mas ressaltou que o uso de laços era preferível porque uma criança, por exemplo, poderia compreender o emaranhado de for's, while's e if's, mas não entenderia o desenvolvimento da fórmula. Meus colegas riram atrás de mim.
Renato Pincelli
Não necessariamente. Aliás, se acha que se expressa melhor com números, do it!
Igor Santos
Não tem como não levar ao pé da letra. São muitos anos prestando atenção aos enunciados - onde a maioria das respostas de enigmas se encontram.