Patentes Patéticas (nº. 103)

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“Como o Chuck Norris amacia carnes?” “Com explosivos!”. A piada não tem a menor graça — especialmente após uma semana bem explosiva para os americanos — porque o Chuck não precisa amaciar nada. Mas para John B. Long, não é uma simples piada sem-graça; é um método de Tenderizing Meat [Amaciar Carne] devidamente patenteado:

Carne amaciada de boa qualidade e uniformidade é obtida pela colocação da carne num tanque com uma parede hemisférica equidistante de uma carga explosiva e sua detonação. A onda de choque produzida propaga-se através da água no interior do tanque, encontra a carne, comprime-a enquanto as ondas atravessam a carne e são então refletidas pela parede do tanque , com o substancial fim de dobrar o efeito da onda de choque.

Esse é apenas o resumo da patente nº. 5.273.766 [pdf], emitida em 28 de dezembro de 1993. Ao contrário do que pode parecer, porém, John B. Long, de Sarasota, na Flórida, não é um lunático que quer sair por aí plantando bananas de dinamite em frigoríficos para amaciar seu barbecue. Isso fica bem claro logo no começo da argumentação de Long, numa detalhada patente que se estende por 9 páginas, das quais 4 são de texto:

Há necessidade para um sistema de amaciamento de carnes aperfeiçoado. Existe uma dicotomia no fato de que o público demanda carne tenra, mas quanto menor o conteúdo de gordura da carne, maior é sua dureza. E o público está se tornando cada vez mais consciente de que o consumo de gordura não é saudável. Além das vantagens para a saúde com o amaciamento de carnes pobres em gordura também há vantagem econômica, pois a carne com menos gordura é geralmente mais barata que a carne gordurosa.

Em seguida, Long critica os outros métodos usados para amaciar a carne. O método mecânico, o mais comum, tem o inconveniente de “quebrar as fibras da carne e mudar tanto a textura quanto a aparência.” A chamada maturação é considerada pelo inventor como uma ”putrefação controlada” que, além de cara, “altera levemente o sabor da carne”. Os tratamentos com banhos químicos ou enzimas também não escapam: “este tipo de tratamento age principalmente sobre a superfície da carne e tende a degradar sua textura, tornando-a ‘murcha’”. Long ainda considera ineficaz uma alternativa mais próxima à sua proposta, que é o uso de ondas ultrassônicas em ambiente aquoso.

Aliás, a ideia de usar cargas explosivas não é original. No fim dos anos 1960, Charles S. Godfrey, inventou um sistema basicamente idêntico ao de Long. No entanto, o sistema Godfrey — cuja patente foi aprovada em 3 de fevereiro de 1970 sob nº. 3.492.688 — não deve ter dado muito certo.

Segundo Long, “Embora o princípio por trás da patente Godfrey seja bom”, ele apresenta “sérias dificuldades” pois a carne, sustentada por cabos no centro de um tanque, “seria lançada contra as paredes ou a tampa do tanque”, o que poderia causar danos ao alimento. Além disso, os cálculos de Godfrey não devem ter sido muito precisos, pois, ainda segundo Long, “quando a carga mínima explosiva é utilizada”, “a força é suficientemente grande para explodir a tampa do contêiner do aparato de Godfrey”.

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Para resolver isso, Long propõe o uso de um recipiente de aço inox com fundo hemisférico. Esse vaso de aço é apoiado numa camada de areia dentro de um poço de concreto. Tudo dentro de uma sala isolada, monitorada por câmeras. A tampa, cônica, é bem grande, instalada sobre trilhos num sistema que se parece com o de uma panela de pressão. Na câmara de Long, a carga explosiva é colocada no centro do vaso e os pedaços de carne — embalados a vácuo com plástico e ainda colocados dentro de uma bolsa de couro da qual é extraído o ar — são dispostos na parte hemisférica, no fundo da câmara aquática.

Segundo o inventor, seu processo “pode ser aplicado sobre carne congelada, bem como fresca, e também de aves (frango e peru), bifes e carnes de porco, carneiro, cordeiro e vitela.” O único pré-requisito é que as carnes sejam desossadas. O motivo é simples: carnes sem ossos são basicamente pacotes de células e têm praticamente a mesma densidade da água, o que permite que as ondas de choque passem através da carne quebrando as fibras conjuntivas mas sem danificar as células musculares. Caso haja ossos pelo caminho, as ondas são refletidas de modos erráticos e os ossos ainda podem desmanchar as células, liquefazendo o pedaço de carne. As embalagens a vácuo também são indispensáveis. Sem elas, o ar da embalagem seria comprimido tão intensamente que esquentaria e acabaria cozinhando a carne.

Recomendamos fortemente que a patente de Long seja lida na íntegra. Ele descreve em minúcias o funcionamento do seu sistema, indicando inclusive as cargas explosivas necessárias. Obviamente, ele não usa TNT. Prefere uma espécie de explosivo de duas fases, uma sólida e outra líquida que, juntas, explodem. Tais substâncias seriam misturadas apenas no momento da explosão, de modo a evitar riscos de armazenamento (e frigoríficos explodindo com pedaços de carne e aço voando para todos os lados).

Mas então qual é a parte patética desta patente? A ideia em si. Embora seja fascinante — parece uma ideia digna de Mythbusters — e talvez até prática, não deixa de ser risível. Guardadas as devidas proporções, é uma solução tão extrema quanto matar formigas com bombas atômicas. Entre outras coisas, Long argumenta que seu sistema seria seguro e barato, além de mais eficaz. Não duvidamos que um chacoalhão explosivo seja capaz de amolecer carnes no ponto certo. Mas os argumentos de economia e segurança parecem uma piada tão sem-graça quanto a que abre este texto.

Quem garante que os frigoríficos vão usar os explosivos certos se eles forem mais caros? A construção correta dos recipientes em larga escala (Long testou uma câmara com apenas 50pol³, cerca de 1,27m³) também deve ser bem cara, com potencial inviabilização econômica. Nos mercados em que o uso de explosivo for rigidamente controlado (o que não parece ser o caso dos EUA, onde nem precedente criminal é exigido do comprador de armas ou explosivos), o método talvez se tornasse completamente inviável pelo (devido) excesso de burocracia necessária. Sem contar o óbvio risco de acidentes. Ou mesmo terrorismo: não é difícil imaginar extremistas vegetarianos sabotando o sistema com cargas explosivas demais…

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