Ciência tônica

“Uma de minhas falhas” [de Roughing It (1872), livro de viagens, peripécias e memórias de um tal de Samuel Clemens].

Senhoras e senhores, vocês não deveriam… sobrestimar os métodos científicos, como devem aprender com a história de um homem que começou a investigar para descobrir porque as pessoas ficam bêbadas. Me parece que este conto pode lhes interessar aqui na Suécia. Numa noite, este homem ofereceu a alguns de seus amigos um drinque consistindo de certa quantia de uísque e certa quantia de água tônica, e observou os resultados. Na noite seguinte, ele ofereceu aos mesmos amigos outro drinque, de brandy e água tônica nas mesmas proporções de antes. E assim foi por mais duas noites, mas com rum e água tônica e gim e água tônica. Os resultados eram sempre os mesmos.

Usando seu senso de lógica e aplicando os métodos científicos, ele chegou à única conclusão possível — que a causa da intoxicação deve ter sido a única substância em comum, a saber, a água tônica!

Há uma piada muito parecida rolando na internet. A única diferença é que tem gelo em vez de água tônica (o que faz mais sentido num país tropical). Mas a piada acima não é comum. Na verdade, é parte do discurso de Sir Edward Victor Appleton (1892-1965) durante o Banquete do Prêmio Nobel de 1947. Appleton não era o bobo da corte: ele acabara de receber o Nobel de Física por suas pesquisas sobre a ionosfera terrestre. Embora tenha sido uma piada bem simples do ponto de vista técnico-humorístico, Appleton arrancou muitos risos do público presente ao banquete. Mais tarde, ele descobriria o motivo: Gustavo Adolfo (1882-1973), então Príncipe Sueco (que reinaria a partir de 1950 como Gustavo VI), bebia apenas água tônica.

Piadas e coincidências felizes à parte, a história do pesquisador dos efeitos do alcoolismo que não reconhece o álcool é uma pequena fábula de Ciência capenga. A moral da história é que, por mais corretos e adequados que pareçam os métodos, eles ainda podem ser inadequados, levando a conclusões visivelmente equivocadas. Isso é especialmente comum quando o pesquisador tem uma visão de mundo enviesada o bastante — por status acadêmico, dinheiro, crenças pessoais e/ou religiosas — para se recusar a reconhecer seus erros ou admitir as verdadeiras causas daquilo que investiga.

Ou talvez o causo todo seja uma paródia apócrifa. Appleton realmente discursou sobre a ambiguidade da ciência e do papel do cientista na descoberta ou na criação de novas tecnologias. Seu discurso foi mais sério mas não menos verdadeiro:

Parece-me que devemos reconhecer que o uso apropriado da ciência é um dos mais importantes desafios do presente. E aqui eu penso que o cientista tem uma missão dupla: não apenas ampliar as fronteiras do conhecimento mas também interpretar seus resultados para seus companheiros. Pois o uso que pode ser feito do mesmo conhecimento científico pode ser bom ou mau. […] Hoje o físico, tendo aberto a caixa da energia do átomo, tem que exigir que a humanidade escolha de qual maneira seu conhecimento será usado — se para o bem ou para a ruína da humanidade.

A íntegra do discurso do banquete de Appleton pode ser lida aqui.

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