Estou atônito diante das músicas tolas escritas hoje em dia. São falsas e erradas e ninguém mais dá atenção ao que nossos velhos e amados mestres escreveram sobre composição. Certamente, deve ser uma arte bastante elevada essa de jogar de qualquer jeito uma pilha de consoantes.
Eu permaneço fiel à velha composição pura, com suas regras puras. Tem sido comum eu sair pra fora da igreja por não suportar ouvir aquela cantoria montanhesa. Eu espero que essa cunhagem moderna e sem valor caia logo em desuso e que novas moedas sejam forjadas de acordo com o padrão da boa e velha estampa.
— De uma carta de Samuel Scheidt a Henricus Baryphonus, datada de 26 de janeiro de 1651.
Pouco se sabe sobre Baryphonus, exceto que seu verdadeiro nome era Heinrich Pipegrop e que viveu entre 1581 e 1655 e que foi compositor da escola barroca alemã.
O ranzinza Samuel Scheidt, porém, é bem menos obscuro que seu correspondente. Scheidt, que nasceu em 1587, em Halle, estudou em Amsterdam e foi professor e compositor barroco. Ao contrário de muitos músicos alemães, Scheidt continuou na Alemanha durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Seu patriotismo valeu a pena e ele foi nomeado Kapellmeister [mestre da capela] do Margrave de Brandemburgo após a guerra. Além das aulas, durante a guerra ele sobreviveu como diretor musical das três igrejas de Halle.
Scheidt foi o primeiro músico alemão internacionalmente conhecido. Seu forte são as composições para órgão, embora ele também tenha escrito peças para corais. Muito de sua fama, aliás, deve-se ao contexto de divisão religiosa da Europa seiscentista. Enquanto o mundo católico prendia-se aos modelos italianos, Scheidt foi adotado como o modelo a ser seguido nos países protestantes.
Quando escreveu a crítica da carta acima, Scheidt já estava velho — tinha 64 anos. Ele faleceu três anos mais tarde, em 1654. Suas obras completas somam 16 volumes.
Ainda que estivesse longe de acabar, a música barroca estava em transição na velhice de Scheidt. Diferente dos primeiros barrocos, como o próprio Scheidt, as composições eram mais simples e, de certo modo, mais laicas. Os corais religiosos passavam a dar lugar à musica de câmara típica do período absolutista.
Entre os compositores daquele estilo “impuro” estava Jean Baptiste Lully (1632-1687). Eventualmente, aquela “decadência” musical acabaria em nomes como Pachelbel (1653-1706), Vivaldi (1678-1741), Bach (1685-1750) e Handel (1685-1759).
Roberto
E pensar que eu achava Schoenberg o máximo por ter feito a mesma reclamação em 1911...