Emissoras de TV podem contar com institutos de pesquisa, “clínicas” e aparelhos eletrônicos para medir sua audiência junto ao público (e corrigi-la, se necessário). Mesmo que tivessem dinheiro, professores não poderiam pagar o IBOPE para saber a quantas anda a audiência das aulas entre os alunos. Mas e se houvesse um aparelho para medir o feedback de uma aula em tempo real? Esse aparelho existe e é o Treadmill foot-control for electronic gauging of classroom satisfaction [Esteira controlada pelo pé para medição eletrônica da satisfação em sala-de-aula]:
Uma esteira corrente pode ser modificada para servir como potenciômetro cuja variável potencial pode ser controlada pelo movimento da esteira corrente (10) para frente e para trás pelo pé de alguém. As superfícies expostas da esteira seriam ajustadas com a superfície exposta de um piso de uma sala-de-aula (190). Um conjunto de tais esteiras poderia ser conectado ao hardware de um computador para aquisição, em tempo real, de dados para que o instrutor possa medir a satisfação de seus estudantes com sua instrução em tempo real.
Formidável! Finalmente vamos poder dar voz aos alunos, mas sem fazer algazarras ou interrupções bruscas. Basta uma pisadela do pupilo pra mostrar que o mestre está derrapando.
Não sabemos se Daniel D. Silbelus foi um professor ou teve alguma experiência profissional no ramo da educação. Para perceber essa demanda, é provável que tenha dado alguma aula ou conhecido algum pedagogo (se foi casado, talvez tenha sido sua esposa). Ou talvez ele fosse um aluno impaciente, doido pra colaborar. Tanto para nós quanto para o pessoal do US Patent Office, isso pouco importa. O que importa é que seu medidor de audiência letiva movido a pé foi patenteado sob № 5.225.804 [pdf], em 6 de julho de 1993.
Embora seja uma patente longa — 11 páginas —, Mr. Silbelus descreve suas ideias de maneira bem clara e sucinta. De texto, são pouco mais de duas páginas e os objetivos estão sintetizados em quatro itens:
(a) permitir que um instrutor possa discernir se seus estudantes compreendem sua instrução enquanto ele a dá, não somente depois que ele expressa uma ou mais ideias;
(b) permitir que um instrutor perceba se todos os seus estudantes compreendem sua instrução enquanto ele a dá, não apenas se um ou dois entendem;
(c) permitir que um instrutor perceba se todos os seus estudantes compreendem sua instrução enquanto ele a dá ao longo da aula inteira, não apenas em intervalos discretos de um par de segundos ou mais e
(d) permitir que um instrutor meça a satisfação de seus estudantes com sua instrução da maneira descrita de (a) a (c) com a mínima inconveniência para todos — estudante, instrutor ou inspetor.
Sintetizando ainda mais, Silbelus — de New Haven, Connecticut — resume esses objetivos em “(a) instantaneidade, (b) simultaneidade, (c) continuidade […] (d) conveniência”. É justamente com base na conveniência que Silbelus propõe que esse tipo de medida de audiência seja feita a pé. Como o único jeito de andar a pé sem sair do lugar é numa esteira, Silbelus propõe o uso de esteiras com sensores de movimento ligadas a um computador (que possivelmente fica na mesa do professor). Para o inventor, as vantagens do IBOPE a pé são as seguintes:
– ao usar o pé para registro da satisfação com a instrução, as mãos do estudante poderiam ficar livres para anotações e/ou virar páginas e/ou chamar a atenção para uma pergunta ou observação;
– com prática o sistema poderia ser usado silenciosamente, sem perturbar a classe;
– o sistema seria um aborrecimento mínimo para o pessoal da manutenção, que varre ou limpa o chão da sala e
– nem instrutor nem estudante precisariam de treinamento especial para usar o sistema.
Silbelus explica que a medição é feita por um programa chamado Labtech Notebook que deve
ser carregado num computador IBM-compatível [i.e., um PC] com seis slots de expansão vazios para instalar uma placa PCL-718 em cada slot e usar o supramencionado display de gráfico de barras para monitorar um conjunto de até 96 réplicas da esteira (cada cartão poderia ser usado para monitorar até 16 réplicas).
Como se vê, eram exigências bastante simples para professores e alunos dos anos 90 (mais ainda se considerarmos que o tal programa “não exige programação por ser baseado em ícones e menus”). Talvez não fosse muito caro. A operação seria bastante simples, quase intuitiva:
um estudante sentado numa cadeira, com um pé na esteira 10 a empurraria para a frente ao longo da placa pedal 158 com seu pé sempre que ele estivesse insatisfeito com uma porção da instrução. Quanto maior a insatisfação, mais ele arrastaria a esteira 10.
Note-se que empurrar a esteira pra frente equivale a dar um passo para trás, afastando-se da aula.
Só que a montagem e a manutenção do sistema não seriam nada simples. Não daria pra ser portátil, por exemplo. Imagine aquele(a) professor(a) que mal sabe ligar um datashow tendo que instalar meia centena de esteiras sensoras debaixo das carteiras de cada sala que entra… Como acontece com o datashow, o notebook ou o DVD, ele(a) levaria mais tempo com a instalação do que com a aula propriamente dita… Evidentemente, o inventor tinha em mente que o conjunto de esteiras fosse instalado em pequenos nichos no chão, próximo ao pé das carteiras.
Dispostas em posições fixas, as esteiras limitariam muito a utilização criativa do espaço da sala de aula (i.e., a disposição das carteiras em círculo ou mesmo aulas sem carteiras), o que, por sua vez, levaria a aulas menos estimulantes. Tudo indica que a medição de audiência seria feita coletivamente. Mas quem garante que trocar um aluno de lugar não poderia alterar os resultados? E se uma das esteiras enguiçasse? Seria obrigatório se manifestar com os pés?
E ainda há a questão do “pessoal da manutenção”. Embora Silbelus diga que o equipamento é à prova d’água e reforçado contra vibrações, ele não propõe nenhum tipo de tampa para cobrir o equipamento quando fora de uso. Nada impede que uma simples passada de pano no chão da sala vire um pequeno desastre capaz de levar um moderno dispositivo pedagógico por água abaixo. Mesmo que as correias não sejam motorizadas, não é difícil imaginar panos de chão ou vassouras presas às esteiras. Sem falar nos tropeções para todos — alunos, professores e funcionários.
Ao depender da participação ativa (ainda que aparentemente discreta) dos alunos, o sistema pode deixar de funcionar por uma razão simples: apatia. Você daria passos em falso com apenas um dos pés só para indicar que não está a fim de aula? Não seria melhor dormir? Ou, se possível, sair da sala? Embora o sistema seja uma ferramenta para tentar evitar a indiferença dos alunos, se eles não quiserem colaborar, a coisa não vai funcionar. A não ser que fossem obrigados a mexer os pés, pra frente ou pra trás, o que seria bastante questionável do ponto de vista pedagógico (será que mexer os pés constantemente para indicar a qualidade da aula não seria um ruído a mais em sala-de-aula?) e mesmo ético (obviamente, se a movimentação for obrigatória, a medição não seria espontânea).
Por outro lado, se você realmente não está entendendo uma explicação, mas quer entender, levantar a mão e fazer uma pergunta é mais simples e geralmente funciona. Também funciona se você estiver à frente da sala.