As Belas Adormecidas da Ciência

AURORA

Quando um paper é publicado, espera-se que ele mantenha relevância por alguns anos e depois de ser superado acabe caindo no sono dos justos. Mas nem sempre é assim. Pode acontecer algo como o artigo do Teorema de Pick, publicado em 1900 e que passou quase setenta anos dormente antes de começar a atrair interesse, ser citado e replicado. Um paper que que dorme por anos e anos nos arquivos científicos é o equivalente acadêmico da Bela Adormecida.

O autor deste conceito é o estatístico holandês Anthony F. J. van Raan, que em 2004 publicou um estudo sobre o fenômeno dos papers revolucionários que acabam sendo deixados de lado por décadas. Para van Raan o fenômeno era raro e restrito principalmente às disciplinas físicas e matemáticas, mas não faltam exemplos.

Um caso bastante conhecido é o paper publicado por Albert Einstein, Boris Podolski e Nathan Rosen que apresentou o chamado “Paradoxo EPR”, com sua intrigante teoria do entrelaçamento de partículas subatômicas. Publicado em 1935, o Paradoxo EPR só passou a ser estudado (e citado) em 1994.

Agora, uma análise recém-publicada pelo professor de informática Alessandro Flammini (da Bloomington School of Informatics da Universidade de Indiana) indica que muita coisa boa pode estar dormindo nos arquivos de revistas especializadas. Ao contrário de van Raan, Flammini et. al. argumentam que o fenômeno é relativamente comum e ocorre em várias disciplinas.

Antes de chegar a essa conclusão, Flammini e seus colaboradores reviraram um conjunto de dados gigantesco, com dezenas de milhões de artigos de múltiplas disciplinas publicados ao longo de mais de 100 anos. Os dados estudados vieram dos arquivos da American Physical Society (380 mil artigos nas disciplinas físicas, que saíram entre 1893 e 2009) e da Web of Science (que inclui mais de 22 milhões de publicações de exatas e humanas, datados de 1900 a 2011).

A partir dessa imensa base de dados, os cientistas  calcularam o “coeficiente de beleza” (o que poderíamos chamar de “índice de beladormecência”) ao comparar o histórico de citação de um paper com uma linha de referência baseada no ano da publicação, o número máximo de citações em um dado ano (dentro de um intervalo plurianual) e o ano em que o máximo de citações foi alcançado. Também foi identificado o “tempo de despertar”, que é o ano no qual ocorre uma mudança brusca no ritmo de citações.

No top 15 de Belas Adormecidas, quatro têm 100 anos ou mais de dormência. O estudo mais dorminhoco foi publicado pelo estatístico Karl Peason na Philosophical Magazine em 1901 e só acordou em 2002.

Aparentemente, quanto mais genérico é um campo, mais sonolenta pode ser sua pesquisa: as disciplinas com maior frequência de Belas Adormecidas são a Física Geral, a Química Geral, a Matemática, a Medicina Geral e as Ciências Multidisciplinares. Tais áreas contam com um período de hibernação de até 70 anos (exemplo típico é um paper de estatística de Edwin Bidwell Wilson, dormente por sete décadas). No entanto, disciplinas mais especializadas como a Probabilidade, Estatística, Cirurgia, Física Atômica, Química Atômica, Neurociência e Bioquímica também têm suas Belas Adormecidas. As Ciências Sociais, cujos estudos foram considerados pela primeira vez, também não estão imunes à Doença do Sono acadêmica.

Diferente do Teorema de Pick, publicado num título obscuro, as Belas Adormecidas geralmente repousam em berços esplêndidos, como a Science, a Nature e a Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Curiosamente, a análise de Flammini foi publicada na PNAS. Para os autores do estudo, a maior proporção de reconhecimento atrasado ocorre em artigos cujas citações espalham-se para novas disciplinas, onde a descoberta esquecida tem mais chance de ser reencontrada.

No entanto, isso ainda não é certo. As Belas Adormecidas da Ciência costumam ser bastante temperamentais: cada uma dorme de um jeito e é acordada por um Príncipe Encantado diferente. Flammini et. al. não encontraram diferenças significativas entre os artigos dormentes e os normais, o que não explica porque uns acabam esquecidos enquanto outros bombam logo após a publicação. Também não há um método para prever exatamente quando ou como um Príncipe Encantado vai acordar uma Bela Adormecida.

Como cientista da computação, Flammini e sua equipe fizeram uma análise puramente estatística das Belas Adormecidas. Explicar porque elas adormecem — às vezes por cem anos — talvez envolva investigações adicionais a partir das disciplinas sociais.

Referência

rb2_large_gray25FLAMMINI, A. et. al. Defining and identifying Sleeping Beauties in science. PNAS. Published online before print May 26, 2015, doi: 10.1073/pnas.1424329112

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comment 0 comments
  • Anderson

    Seria irônico se esse estudo ficasse adormecido =D

  • 120 anos de cucas fundidas | hypercubic

    […] da APH só viria a ser retomada a partir de 2008 por Terry Threlfall — um bom exemplo de uma pesquisa bela-adormecida. Após se aposentar da indústria farmacêutica, Threlfall passou a atuar como […]

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