Casamentos Clandestinos

Hogarth, William, Marriage a-la-Mode, plate I, 1745 Engraving, 14 4/25″ x 17 4/5″

Eram muito comuns na Inglaterra setecentista. Tanto que, durante algum tempo, o governo de Londres multava em 100 libras o falso oficiante e em 100 libras cada pseudo-cônjuge. Mesmo assim, havia tabernas e até casas de moral duvidosa que chegavam a contratar seus próprios ministros religiosos, muitas vezes formados em teologia em universidades respeitáveis. Ou não. Por uma pequena taxa pagas a algumas casas de moral duvidosa, informavam anúncios em classificados, era possível se casar nesses lugares. Pouco importava que você estivesse bêbado feito um gambá, ou só com tesão demais por alguém: o casamento era feito e, de alguma forma, registrado.

Mesmo que fossem ilegais, esses registros nem sempre eram destruídos quando descobertos pelas autoridades. Algumas das notas depositadas no Registrar of the Consistory Courts [algo como Cartórios das Cortes Eclesiásticas] de Londres são bastante divertidas:

10 de junho, 1729. John Nelson, da paróquia de St. George, Hanover, jardineiro e solteiro, e Mary Barnes, da mesma [paróquia] foram casados. Cer[tidão]. datada de 5 de novembro de 1727 para agradar seus pais.

Talvez os pombinhos de St. George já estivessem juntados há tempos quando passaram o papel em 1729. Ou isso ou se casaram por alguma razão fraudulenta. Pelo menos o registro acima parece profissional perto dos próximos:

Um cocheiro veio, e foi meio casado, e não deu nada além de 3s. [xelins] e 6d. [pence] e foi embora.

Duas perguntas: 1. como alguém pode ser “meio casado”? 2. como um casório podia ser tão barato? Tudo bem que fosse um casamento clandestino, mas mesmo pra época era um preço muito baixo.

Edward ————— e Elizabeth ————— foram casados, mas não me informaram seus nomes.

Que tipo de “ministro” casaria alguém sem lhes perguntar o sobrenome? Ele parece até ter perguntado, mas entre perder um negócio — mais um casamento — ao insistir com os clientes — ou melhor, os noivos — e matar a curiosidade, o sujeito ficou com a primeira opção. Já o caso a seguir parece ter sido bastante comum:

Harrowson xingava amargamente e estava feliz em dizer que estava inteiramente determinado a matar o ministro que o casou. Ele veio de Gravesend e estava sóbrio.

Bêbado ou não, quase todo homem casado já deve ter passado por isso.

Eventualmente, a questão dos casamentos piratas chegava aos jornais. Apócrifas ou não, havia notícias de moças raptadas para se casar com sujeitos que nunca haviam visto na vida. Outras vezes, repórteres escreviam sobre a facilidade e a cara de pau com que se oferecia um casório. Coisa do tipo ser abordado na rua por um cara que te pergunta: “Não quer entrar aí e se casar?”

Mas isso tudo nem é o mais bizarro. Bizarro mesmo foi este longo anúncio, publicado no Edinburgh Courant em 28 de outubro de 1758:

Glasgow, 23 de Out. de 1758
Nós, Robert M’Nair e Jean Holmes, tendo tomado em consideração o modo e a maneira pela qual nossa filha Jean agiu em seu Matrimônio, que ela contraiu sem conselho nosso e sem nos avisar antes de se casar, razão pela qual nós a expulsamos de nossa Família por mais de Doze Meses; e por temermos que um ou outro de nossa Família também possa contrair casamento sem sequer nos informar de tal, Nós, tomando o assunto em séria consideração, vetamos a todos e a qualquer de nossos Filhos oferecer-se em Matrimônio sem nosso conselho especial e sem antes ter e obter nosso consentimento. Se qualquer de nossos Filhos propor ou presumir a oferta de Matrimônio a qualquer um, sem os nossos supramencionados conselho e consentimento, em tal caso eles serão banidos de nossa Família por Doze Meses; e se chegarem a ponto de se casar sem nosso conselho e consentimento, nesse caso serão banidos de nossa Família por Sete Anos. Mas quem quer que nos avise de sua intenção de se casar e obter nosso consentimento, não apenas permanecerá como Filho da Família mas também terá sua devida proporção de nossos Bens, Móveis e Propriedades, como considerarmos conveniente, e como a barganha requerer. Além disso, se qualquer um de nossos Filhos se casar clandestinamente ele, ao agir assim, perderá todos os direitos aos nossos Bens, Móveis e Propriedades. Nós intimamos isto a quem interessar possa, para que ninguém possa alegar ignorância.

Só faltou um “publique-se e cumpra-se” no fim do anúncio-decreto desses pais tão burocráticos. Aliás, para anunciar tal coisa num jornal, Robert e Jean devem ter tido muitos filhos. Bastante mesmo. Talvez esse casal tão avarento — a ponto de abandonar uma filha que se casa contra sua vontade (possivelmente com alguém pobre) — seja contra o próprio casamento em si. Deve ser por isso que Jean Holmes não adotou o sobrenome do marido numa época em que isso era hábito generalizado.

Ou nada disso. É mais provável que o Sr. Robert e a D. Jean estivessem apenas cumprindo rigorosamente a lei. Já em 1753, havia sido aprovada pelo Parlamento inglês uma “Lei para Melhor Prevenção do Casamento Clandestino”, ou “An Act for the Better Preventing of Clandestine Marriage“. Essa lei passou a exigir a existência de um contrato de casamento e de uma cerimônia realizada numa Igreja. Também foi criada a figura do bann, uma espécie de permissão para o casamento ou contrato pré-nupcial. No caso de menores de idade, o bann era de responsabilidade dos pais, que podiam vetar o casamento — este pode ser o caso do anúncio supra.

Mas o resultado não foi muito efetivo: pelo Marriage Act de 1753 só eram reconhecidos os matrimônios celebrados por clérigos anglicanos em templos anglicanos numa cerimônia anglicana. Judeus, católicos, quakers, muçulmanos e ateus ingleses tinham que se submeter a isso — de outra forma seus casamentos continuariam legalmente clandestinos. E a existência de impedimento parental nem sempre impedia ou anulava um casamento realizado contra a vontade dos pais dos noivos. Assim, embora de maneira mais restrita, os casamentos clandestinos continuaram a ser um problema durante quase um século. A solução definitiva só veio em 1836, com um novo Marriage Act e a criação do casamento civil.

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