O Primeiro “Mundo Perdido”

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RAWR!

Não, não vamos fazer mais uma resenha de Jurassic World ou mesmo de seu antecessor, Jurassic Park. Em vez disso, vamos nos aprofundar mais nessa história de dinossauros no cinema. O que têm a ver Arthur Conan Doyle, dinossauros e stop motion? O elo perdido entre esses três elementos é um filme mudo lançado há 80 anos: O Mundo Perdido. Verdadeiro fóssil cinematográfico, o filme é uma adaptação de um romance homônimo do criador de Sherlock Holmes. O próprio Conan Doyle contribuiu para a adaptação de sua obra à telona.

[Antes de começar, quem não quiser spoilers pode pular os dois parágrafos seguintes. Se é que é possível haver spoiler prum filme de 80 anos baseado num livro mais que centenário…]

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Prof. Challenger

Em 68 minutos (um longa-metragem para a época), O Mundo Perdido (The Lost World; dir. Harry O. Hoyt) conta a história do jovem jornalista Edward Malone (Lloyd Hughes), que busca uma aventura para impressionar sua noiva, Gladys Hungerford (Alma Bennett). Já seria o bastante conseguir uma entrevista com o temperamental Professor Challenger (Wallace Beery), que alega que dinossauros ainda vivem nos sertões amazônicos, onde ele esteve em uma expedição anterior com Maple White. Ridicularizado por todos, especialmente pelos jornais, Challenger propõe uma expedição para comprovar sua alegação e resgatar Maple White, que ficou perdido no planalto onde vivem as feras pré-históricas. Após se intrometer numa palestra e até invadir a casa de Challenger, Malone ganha a confiança do professor por meio de Paula White (Bessie Love), filha do explorador perdido. O repórter propõe uma expedição de resgate financiada por seu jornal em troca da exclusividade da publicação.

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Edward Malone

Tomam parte na expedição, além de Paula, Malone e o Professor Challenger: o famoso caçador Sir John Roxton (Lewis Stone); um cético Professor Summerlee (Arthur Hoyt); o mordomo de Challenger, Austin (Francis Finch-Smiles); e um guia nativo, Zambo (Jules Cowes). Após altas aventuras e muitas cenas de lutas entre dinossauros (num platô que parece ter sido inspirado pelo Monte Roraima), o grupo se refugia numa caverna (onde descobre-se que Maple White está morto e, de modo meio melodramático Paula e Malone juntam os trapos). Todos sobrevivem a uma erupção vulcânica e eventualmente Challenger e sua equipe retornam a Londres com um brontossauro vivo da silva. Ao ser descarregado do navio, o bicho foge antes que sua existência seja oficialmente anunciada, deixando a metrópole em polvorosa — até cair no Tâmisa ao tentar atravessar a Torre de Londres.

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Paula White

Além de dinossauros e outros seres pré-históricos, a obra ainda descrevia uma disputa entre tribos de homens-macaco e índios, coisa que mal aparece no filme. Tanto o livro quanto o filme são cheios de estereótipos: Malone é o mocinho, Paula White, a donzela indefesa, os índios e negros são seres primitivos (Zambo é representado por Cowes num blackface típico da época), os dinossauros são feras estúpidas… Nos créditos do filme (que aparecem no começo), todo o elenco é tratado como Mister/Miss, exceto pelo macaco Jocko e a chimpanzé Mary. Melhor que o enredo é a história por trás do livro e do próprio filme.

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Conan Doyle escreveu The Lost World após assistir uma palestra de Percy Harrison Fawcett na Royal Geographic Society sobre uma expedição para delimintar a fronteira entre Bolívia e Brasil. Na palestra realizada em 13 de fevereiro de 1911, o lendário Fawcett relatou de passagem ter visto “trilhas monstruosas de origem desconhecida”. Conan Doyle ficou curioso, pediu mais informações a Fawcett e logo começou a escrever uma novela que foi publicada em folhetim pela Strand Magazine entre abril e novembro de 1912. O cenário descrito como serão amazônico com um planalto (pu platô) provavelmente é uma referência à região do Monte Roraima, que fora alvo de uma recente disputa de fronteira entre o Brasil e a Guiana Inglesa.

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O grande destaque da versão cinematográfica de O Mundo Perdido eram seus efeitos especiais. Foi o primeiro filme de longa-metragem a utilizar animação por stop motion como principal efeito especial. O responsável por isso foi Willis O’Brien, que vinha desenvolvendo a técnica de stop motion desde 1918. Em O Mundo Perdido, ele conseguiu algum sucesso em combinar dinossauros animados por stop motion com live-action de atores — o truque era trabalhar com planos separados e juntá-los na montagem.

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Embora tenha sido lançado em 2 de fevereiro de 1925, não se sabe ao certo quando o filme começou a ser produzido. A parte dos dinossauros deve ter levado bastante tempo, pois Conan Doyle apresentou uma fita de testes das animações em 1922 numa reunião da Sociedade Americana de Mágicos. A audiência, que incluía Harry Houdini, teria ficado encantada com cenas de uma família de Triceratops, um ataque de Allosaurus e alguns Stegossauros. Doyle não revelou a origem do filme, embora tenha ficado claro que era uma (tentativa de) adaptação de sua obra.

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O Mundo Perdido foi o primeiro filme sobre dinossauros e monstros pré-históricos em geral; foi também o primeiro a ser exibido durante um voo comercial em abril de 1925. A produção custou 700 mil dólares e rendeu quase o dobro. Embora tenha aberto um novo filão e inaugurado uma nova técnica de efeitos especiais, o filme foi rapidamente esquecido. Talvez tivesse ganhado pelo menos um Oscar, se a premiação máxima do cinema já existisse.

Quem fez sucesso foi seu diretor de efeitos especiais, Willis O’Brien, trabalharia depois em King Kong. Várias adaptações foram feitas: para rádio (1944; 1949; 1966; 1975; 1997; 2011); televisão (uma série em 1999-2002 e um telefilme em 2001) e outras versões para o cinema (1960; 1992; 1998; 2005). No entanto, as adaptações tendem a ser bem menos fiéis que o primeiro filme, quase sempre com personagens de mais ou de menos. O filme pioneiro tem uma relação indireta com Jurassic Park, cujo subtítulo é The Lost World.

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O filme está disponível no Internet Archive. Sendo um filme mudo, só tem legendas (ou melhor, intertítulos) em inglês, mas não é difícil acompanhar o filme sem elas. O livro também está disponível online, em duas versões: e-book no Project Gutenberg e audiobook no LibriVox (também apenas em inglês).

[via Public Domain Review]

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