Eles são grandes, brilhantes, vistosos e andam de um jeito esquisito. Alternam períodos de adoração ao sol com mergulhos nas profundezas da escuridão. Chamam a atenção dos observadores mesmo a anos-luz de distância. Não, não são os excêntricos lordes ingleses. Estamos falando de planetas gigantes excêntricos.
Em pouco mais de vinte anos de observações, descobrimos cerca de 2000 planetas fora do sistema solar — e percebemos que nossa vizinhança planetária é bem esquisita. Dos milhares de exoplanetas, a maioria é de um tipo que a Ciência não esperava encontrar: são os hot Jupiters, gigantes gasosos situados bem próximos de suas estrelas-mãe. Os astrônomos tem postulado que eles se formam longe da estrela e, por algum motivo, vão se aproximando de seu astro-rei.
Cara de Jupiter, órbita de cometa
A cada 597 dias, em torno de uma estrela semelhante ao sol, gira um planeta gasoso com cerca de duas vezes a massa de Jupiter. Situado a 190 anos-luz de distância na direção da constelação de Fornax, ele não seria extraordinário, mas a forma da órbita do HD 20782b é bastante excêntrica. Esse planeta se aproxima e se afasta bastante de sua estrela. No ponto mais próximo, fica a apenas 0,06 unidades astronômicas de HD 20782 e no mais distante situa-se a 2,5 UA. É a mais excêntrica órbita planetária conhecida.
Recém-descoberto por uma equipe de astrônomos liderados por Stephen Kane, da San Francisco State University (EUA), HD 20782b foi detectado por sua intensa luminosidade quando se aproxima de seu sol. No periastro, a luz da estrela reflete-se na atmosfera do excêntrico gigante gasoso, causando um clarão vistoso. Kane relatou a descoberta em artigo a ser publicado pelo Astrophysical Journal e já disponibilizado na plataforma arXiv [1].
Planetas cheios de nuvens, como Vênus e Jupiter, costumam ser bastante brilhantes. O que determina a quantidade de luz que refletem é a composição de sua grande atmosfera. No entanto, a posição do planeta também é um fator determinante. Em um hot Jupiter muito próximo de seu sol — como TrES-2b —, o calor removeria a maior parte dos gelos da alta atmosfera, fazendo o planeta parecer mais escuro.
HD 20782b chega bem perto de seu astro-rei, mas não escurece muito porque essa aproximação não dura muito tempo. Graças a sua órbita excêntrica, esse gigante move-se feito um cometa: passa rapidamente pelo sol e vai embora para passar um tempo bem mais longo mergulhado em relativa escuridão. Tamanha variação na intesidade da luz solar pode ter consequências dramáticas para o clima do planeta. No caso de HD 20782b, o verão e o inverno realmente seriam causados pela aproximação e afastamento em relação ao respectivo sol.
Uma velha dúvida
“Planetas extrassolares como HD20782b contém um tesouro de perguntas para os astrônomos”, disse Kane ao Sci-News. “Quando vemos um planeta como esse numa órbita excêntrica, pode ser bem difícil explicar como ele acabou assim”. Embora sejam ainda pouco conhecidos, os chamados Júpiteres excêntricos vem sendo estudados há alguns anos. Em 2001, foi descoberto o primeiro planeta desse tipo: HD 80606b, situado a 190 anos-luz na direção de Ursa Maior e que até há pouco era o mais excêntrico planeta conhecido, com uma órbita de 111 dias.
Por meio de observações do Telescópio Espacial Spitzer feitas em 2009 e 2015, Greg Laughlin (da Universidade da Califórnia-Santa Cruz) estuda a formação de hot Jupiters. Laughlin e seus colegas parecem ter pego HD 80606b no flagra: o planeta estaria num processo de migração de uma órbita mais distante para uma trajetória típica dos hot Jupiters (talvez o mesmo esteja acontecendo com o recém-descoberto HD 20782b).
A principal teoria sobre essa classe de planetas sustenta que esses gigantes gasosos formam-se em órbitas mais separadas de seus sóis e aproximam-se após uma grande perturbação gravitacional, como a passagem de uma estrela por seu sistema solar. Antes de se estabilizar nas vizinhanças de seu sol, os hot Jupiters passariam milhões de anos numa órbita intermediária e excêntrica como a de um cometa.
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Gigante e durão
Encontrar um gigante gasoso em migração foi um grande ponto a favor dessa teoria. Mas trouxe outra pergunta: quanto tempo HD 80606b vai levar até se estabilizar numa órbita circular? Depende do quão “elástico” é o planeta. Quando está próximo do sol, esse grandalhão excêntrico é “apertado” pelas forças gravitacionais e as forças de maré.
Se for mais “elástico” — pliável, no jargão astronômico —, o planeta pode dissipar essas forças na forma de calor, o que atuaria como freio e, a longo prazo, arredondaria a órbita. Esse processo é conhecido como circularização. “Se você pegar uma bola nerf e apertá-la várias vezes bem rápido, vai perceber que ela se aquece”, explicou Laughlin ao Phys.org. “Isso porque a bola nerf é boa em tranformar energia mecânica em calor, o que a torna elástica.”
As observações de Laughlin — também relatadas no Astrophysical Journal [2] — mostram que o HD 80606b não é lá muito pliável e não dissipa muito bem as forças gravitacionais. É um gigante gasoso, mas não é elástico. Mais uma excentricidade desse planeta esquisitão. Como resultado, sua circularização está sendo bem mais lenta que o esperado. Tão lenta, de fato, que pode levar uns 10 bilhões de anos para terminar. E é provável que não termine, pois seu sol pode explodir antes.
Sendo tão diferente dos outros hot Jupiters, HD 80606b pode ser a exceção que derruba a regra. Seu comportamento orbital parece ser indício de que a passagem de uma estrela pelas vizinhanças de um sistema solar não basta para criar hot Jupiters. No entanto, a descoberta de HD 20782b — que faz parte de um sistema binário “largo” — pode fornecer um meio de fazer comparações para entender a mecânica por trás desses planetas excêntricos — tão excêntricos que só falta uma cartola e um monóculo para serem parecidos com um excêntrico lorde inglês.
Referências
1. Stephen R. Kane et al. 2016. Evidence for Reflected Light from the Most Eccentric Exoplanet Known [Evidência de luz refletida pelo mais excêntrico exoplaneta conhecido]. The Astrophysical Journal, accepted for publication; arXiv: 1511.08679
2. Julien de Wit et al. Direct measure of radiative and dynamical properties of an exoplanet atmosphere [Medição direta das propriedades radiativas e dinâmicas de da atmosfera de um exoplaneta]. The Astrophysical Journal (2016). DOI: 10.3847/2041-8205/820/2/L33
Sidney Guimarães Penna
Que Artigo Interessante.
Manoel Vicente Pereira Neto
Parabéns pelo artigo.