Rose Mackenberg, a caça-fantasmas

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As sucessivas catástrofes e misérias humanas da Primeira Guerra Mundial e da Gripe Espanhola causaram reações opostas no começo do século XX. Enquanto muitos se desencantaram completamente, perdendo a fé que tinham, outros se voltaram para o espiritualismo. De um lado do Atlântico, Sir Arthur Conan Doyle [1859-1930] abraçava o espiritismo, tornando-se um de seus mais ardentes propagandistas. Do outro lado, o ilusionista e cético Harry Houdini [1874-1926] formava um time para caçar pessoas que se passavam por médiuns para extorquir dinheiro de gente emocionalmente vulnerável.

Foi na Nova York da Belle Époque, nesse contexto de revivalismo espiritual, que nasceu Rose Mackenberg, em 1892. Na adolescência, a moça desenvolveu uma crença no espiritismo que duraria até ela conhecer Houdini, logo após o fim da I Guerra. Após esse encontro, Mackenberg se tornaria a mais tenaz e prolífica caça-fantasmas da primeira metade do século XX.

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Harry Houdini (circa 1923)

Quando Harry descobriu Rose, ela já estava trabalhando como detetive particular há alguns anos. Foi ela quem procurou o mágico, durante uma investigação de um caso de “fraude espírita”. Houdini ficou impressionado com a rapidez de raciocínio e habilidade lógica da moça e convidou-a para fazer parte do que chamava de seu próprio “serviço secreto” — uma equipe de 20 detetives particulares contratados.

À paisana, esses detetives se adiantavam à agenda de Houdini, visitando as cidades onde ele se apresentaria e se infiltrando na cena espiritualista de cada local em busca de evidências de fraude. Os detalhes descobertos eram então repassados a Houdini, que desmascarava os trambiqueiros durante seus espetáculos. Rose topou o convite e seria a chefe do “serviço secreto” Houdiniano. Além de Rose, outras duas mulheres faziam parte dessa equipe: uma sobrinha de Houdini, Julia Sawyer, e uma dançarina, Alberta Chapman.

Exceto que esse serviço nem sempre era assim tão secreto. A estratégia de investigação e exposição rendeu muitos inimigos a Houdini e Mackenberg. Os verdadeiros crentes sentiam que sua religião estava sendo atacada pelo mágico e sua equipe. Já os trambiqueiros viam em Houdini uma ameaça direta aos seus negócios. Às vezes as hostilidades entre pró- e anti-espiritualistas chegavam às vias de fato. Em mais de uma ocasião, Rose e seus colegas acabaram no meio da pancadaria.

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Por conta disso, Rose Mackenberg desenvolveu mais uma habilidade e tornou-se uma mestra dos disfarces. A primeira coisa que fazia ao chegar em uma nova localidade era visitar uma loja de departamentos, tomando notas das roupas usadas por diversos tipos de mulheres. Com base nisso, dependendo do lugar, ela podia passar por professora, viuvinha jovem ou uma velhinha aposentada (como nas fotos acima). Entre seus codinomes estava Frances Raud (que lhe permitia assinar F. Raud) e Alicia Bunck (anagrama de All is Bunk).

Com Houdini, ela aprendeu todos os truques por trás de uma séance, uma suposta sessão espírita. Embora isso tenha levado a moça a descrer da comunicação com os mortos, a investigadora manteve respeito pelos espíritas sérios, que, diferente dos charlatães, realmente acreditavam no e praticavam o espiritismo. O que a tirava do sério, como Houdini, eram justamente os médiuns charlatões, clarividentes e vendedores de “porções de amor e de sorte”.

Com a morte de Houdini, em outubro de 1926, o serviço secreto do mago desapareceu. Rose Mackenberg, a mais experiente dos caça-fantasmas, queria continuar mas não sabia como. Ela chegou a começar um livro em que detalharia suas aventuras. Intitulada So You Want to Attend a Séance? [Então você quer participar de uma séance?], a obra não passaria do estágio de manuscrito e jamais foi publicada. Até 1929, Mackenberg escreveu alguns artigos que foram publicados e republicados em diversos jornais norte-americanos. Nesse ponto, ela decidiu retomar o trabalho como detetive particular. Mas a aposentadoria da Caça-Fantasma não duraria muito.

Em 1932, Julien J. Proskauer [1893-1958], outro ilusionista e investigador cético, estimou em 30 milhões o número anual de americanos prejudicados por charlatanismo, principalmente em casos que envolviam falsas sessões espíritas e consultas de numerologia ou quiromancia. Mackenberg percebeu que não podia ficar de braços cruzados; tinha que fazer alguma coisa.

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Rose Mackenberg (esq.) demonstrando o truque da mesa levitadora. Note que há uma haste presa ao punho direito dela.

A caça-fantasmas voltou à ativa, dessa vez realizando investigações sobre charlatanismo espírita para escritórios de advocacia, companhias de seguro e jornais. Apresentando-se como Spook Spy, ela também começou a fazer palestras para desmascarar fraudes. Nesses eventos, mesas giravam, trompetes flutuavam e mãos de espíritos se materializavam — truques que eram devidamente desconstruídos em seguida.

Durante alguns meses de 1945, ela colaborou com o jornalista E.W. Williamson, do The Chicago Tribune. Os dois mergulharam no submundo espiritualista da cidade e, numa série de reportagens, revelaram o corportamento predatório de diversos médiuns. Suas exposições como Spook Spy foram relatadas por diversas publicações, entre as quais as revistas The Saturday Evening Post, LookAmerican Magazine, Collier’s e a Popular Science.

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Cartaz de divulgação das palestras/espetáculos Spook Spy

Não foi surpresa para Mackenberg observar uma nova onda espiritualista após a II Guerra Mundial. O mesmo aconteceu durante a Guerra da Coreia. Ao ser entrevistada em 1951, disse estimar em 150 mil os médiuns ativos nos EUA. Segundo ela, esse número tenderia a crescer enquanto durasse a guerra.

Em 1955, após três décadas caçando fantasmas e médiuns charlatões, Rose Mackenberg se aposentou. Solteirona convicta, vivia em Nova York, num apartamento sempre muito bem iluminado — ela se dizia “cansada de ter que ficar em quartos escuros”. Já meio esquecida pelo público americano, a Caça-Fantasmas faleceu em 1968, aos 76 anos.

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