Um banho de raios gama

Impressão artística da aproximação de uma emissão de raios gama proveniente de nossas vizinhanças galácticas. A atmosfera certamente mudaria, mas não de maneira tão dramática quanto pode parecer.

Nada parece tão catastrófico para a vida na Terra como uma explosão de raios gama em nossas proximidades, certo? Errado. O efeito em nosso planeta seria mais como o de um banhista tostado, segundo cientistas.

Há 450 milhões de anos, a população de espécies marinhas sofreu uma redução drástica durante um período glacial. Uma explosão de raio gama (ERG) tem sido apontada como a causa dessa Extinção Ordoviciana, uma das cinco maiores da Terra. Mas é difícil encontrar um assassino, ainda mais um tão distante no tempo e no espaço.

Quando as estrelas mais pesadas morrem ou quando estrelas de nêutrons se chocam, temos uma ERG, que resulta no clarão eletromagnético mais brilhante do Universo. ERGs e supernovas são vistos com alguma frequência em galáxias distantes mas o que seria de nós se algo assim acontecesse em nossa vizinhança galáctica?

Uma pesquisa financiada pelo Departamento de Exobiologia e Biologia Evolucionária da NASA busca responder essa pergunta. Assinado por Brian Thomas e Byron D. Gorack, astrofísicos da Washburn University (Kansas, EUA), o estudo concentrou-se nas interações entre uma ERG próxima e nossa camada de ozônio.

Situada na estratosfera, a camada de ozônio normalmente protege nosso planeta de raios ultravioletas nocivos. Mas essa proteção só funciona até certo ponto, além do qual os raios UV começam a quebrar as moléculas de ozônio. A onda de choque de uma ERG ou supernova em nossa vizinhança seria potente o bastante para destruir a camada de ozônio.

O que a pesquisa de Thomas e Gorack revela é que nossa camada de ozônio não seria inteiramente perdida, varrida para o espaço. Parte do ozônio quebrado pelos raios UV seria reagrupado ao nível do solo. Esse ozônio superficial não é incomum e acontece às vezes quando a poluição intensa de uma zona urbana resulta em smog e, em alguns casos, pode alcançar níveis tóxicos. Será que o ozônio superficial formado após uma ERG seria uma ameaça biológia de longo prazo?

Para investigar esse cenário, os dois astrofísicos fizeram um modelo atmosférico com um caso de ERG ocorrendo sobre o Polo Sul. Embora uma ERG possa atingir qualquer latitude, Thomas explica ao Phys.org que “quando a radiação entra na atmosfera sobre um polo, a depleção concentra-se ali em vez de se espalhar pelo globo.” Essa limitação causada por ventos de altitudes médias intensifica os efeitos de uma ERG nos pólos. De fato, uma explosão sobre o Polo Sul casaria bem com as teorias sobre a Extinção Ordoviciana, cujos modelos indicam danos dependentes da latitude.

Em simulações com base nas condições normais, Thomas e Goracke determinaram que a presença de ozônio concentrado no Polo Sul após uma ERG seria de 10 partes por bilhão (PPB), quantidade que pode variar segundo as estações do ano. Parece muito, mas não seria tão sério pra nós: o ozônio só se torna um problema para nosso sistema respiratório acima de 30 PPB. Esse também é o limite de risco para as plantas, já que o ozônio superficial reduz a produção de clorofila.

O ozônio também é solúvel em água então o aumento desse gás na superfície poderia ter sido relevante durante a Extinção Ordoviciana. Esse também não seria o caso, segundo os resultados publicados em janeiro deste ano na Astrobiology. Mesmo se todos os 10 PPB formados após uma ERG se dissolvessem no mar, apenas as criaturas mais frágeis, como larvas e bactérias, estariam em risco. Se houve uma ERG perto da Terra há 450 milhões de anos, seu efeito foi secundário na Extinção Ordoviciana.

Claro que a passagem de uma ERG pelo nossa planeta seria algo perigoso: sem a camada de ozônio, estaríamos expostos à intensa radiação UV durante algum tempo. Mas tudo indica que a realocação do ozônio para a superfície não seria um risco adicional à vida. Na prática, um banho de raio gama próximo na Terra seria como um banho de mar num banhista com protetor solar — com a água e o sol ele perderia sua proteção (e talvez algumas células e bactérias) mas sobreviveria a tempo de passar protetor novamente.

Referência

rb2_large_gray25THOMAS, Brian C. e GORACKE, Byron D. Ground-Level Ozone Following Astrophysical Ionizing Radiation Events: An Additional Biological Hazard? [Ozônio superficial após eventos astrofísicos de radiação ionizante: um risco biológico adicional?]. Astrobiology. Janeiro de 2016, 16(1): 1-6. DOI: 10.1089/ast.2015.1311

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