Dizem que quando chegou à Austrália, James Cook e seus tripulantes ficaram intrigados com duas coisas: os aborígenes e aqueles grandes animais providos de bolsas e longas caudas que pululavam por ali. Cook teria perguntado a um nativo que bicho era aquele e lhe responderam “kangaroo”. Reza a lenda que esse seria não o nome do animal, mas algo como “eu não te entendo”. Embora seja pouco provável que essa cena tenha realmente acontecido, ela ilustra perfeitamente o que pode acontecer quando duas civilizações bastante afastadas no tempo e no espaço se encontram. Quem garante que a primeira coisa que os extraterrestres vão ouvir de nós não vai ser um “sei-lá-o-quê” e assim seríamos conhecidos como o povo seilaokês?
Essa barreira linguística entre nós e os extraterrestres voltou a chamar a atenção do público com o sucesso do filme Arrival (A Chegada). Mas o problema de como se comunicar com inteligências de outros planetas é algo que vem quebrando a cabeça de cientistas há mais tempo do que se imagina. Hoje esquecida, uma das primeiras propostas de lingua franca interplanetária foi criada pelo matemático holandês Hans Freudenthal em 1960. O principal objetivo de Freudenthal, como lembra o Open Culture, foi
projetar uma língua que possa ser compreendida por uma pessoa que não tenha conhecimento de nenhuma de nossas linguagens naturais ou mesmo de suas estruturas sintáticas… As mensagens comunicadas através dessa linguagem contém não apenas matemática, mas em princípio [levam] todo o estofo do nosso conhecimento.
O projeto do matemático holandês foi divulgado no livro Lincos: Design of a Language for Cosmic Intercourse [Lincos: projeto de uma linguagem para diálogo cósmico]. A Lincos é uma espécie de língua falada tecnológica, “feita de ondas de rádio não-moduladas, de duração e comprimento variáveis, codificada com um conjunto de símbolos emprestados da matemática, da ciência, da lógica simbólica e do latim”. Nessa língua cósmica (daí o nome, LinCos), seria possível explicar qualquer coisa, da matemática mais básica a conceitos abstratos como amor e morte.
Lincos seria apenas o primeiro de uma série de livros sobre essa linguagem que Freudenthal jamais concluiu. Apesar de inacabada, a obra consegue demonstrar a ideia de que é possível colocar um dicionário intuitivo numa mensagem espacial. Mais tarde, Carl Sagan usaria uma ideia parecida em Contato, onde radioastrônomos recebem uma mensagem estruturada dessa maneira. É possível ler esse manual de esperanto interestelar (pdf) e talvez aprender o básico mas não espere moleza. Um astrofísico considerou-o o livro mais tedioso já lido, mais até do que as tabelas de logaritmos. O problema é que Freudenthal foi muito apressado, despejando conceitos matemáticos ou lógicos sem dar muitas definições aos leigos.
Na prática, a Lincos só foi falada uma única vez. Em 1999, inspirados pelo filme Contato, dois astrofísicos canadenses usaram um radiotelescópio para mandar uma mensagem em Lincos para algumas estrelas próximas. Sem saber como se apresentar, escreveram sobre matemática, física e astronomia. Uma resposta em Lincos ainda não chegou mas pelo menos tentamos dizer alguma coisa que talvez lhes seja inteligível. Se não for, talvez eles respondam com algo como “não entendi”.
Italo Ramos
Ah!, ótima ideia, ótima língua. Porém, dois reparos: 1) E se os extraterrestres contatados não souberem ler?; 2) E se forem de uma espécie sem olhos, sem visão?
Eu compreendo que algum esforço sempre deve haver. Porém, talvez não seja "conveniente" estar revelando a localização da Terra para alienígenas cujo ânimo e propósitos não conhecemos.
Renato Pincelli
Ítalo,
Parece evidente que criaturas de outro mundo podem não ter os mesmos sentidos que nós - podem ter mais, menos ou mesmo seriam consideradas cegas em algum exame médico segundo nossos padrões. No entanto, isso não quer dizer que seriam incapazes de se comunicar ou perceber, ao menos em parte, o que quer que pudéssemos lhes dizer. Se conhece a história de Helen Keller (moça surdo-cega que aprendeu a falar e foi a primeira de sua condição a concluir os estudos universitários), deve saber que é perfeitamente possível aprender algo por outros sentidos além da visão.
Quanto ao temor sobre o compartilhamento de nossa localização, é uma preocupação válida mas não é necessária uma mensagem explícita para que saibam onde estamos: para isso, basta que sejam capazes de interceptar qualquer sinal de radiotransmissão que já emitimos espaço afora desde que topamos com tecnologias como o telégrafo sem fio, o rádio e a televisão. Sim, um radiotelegrama, uma música ou um programa de TV qualquer poderiam revelar (acidentalmente) não apenas nossa existência mas também nossa localização. Se daí virá o apocalipse ou a salvação, é difícil saber.
Renato de Tróia
Sou escritor e li esta matéria.
É quase impossível que venhamos receber algum sinal duma civilização.
A explicação estará no livro que estou terminando, A Sonda Interplanetária.