Uma alegoria geológica

Os escritores árabes da Idade Média cultivaram, com algum sucesso, o estudo da mineralogia, mas seus trabalhos não resultaram em descobertas geológicas. Sir Charles Lyell [1797-1875] cita uma alegoria árabe que remonta a essa época e que antecipa, de maneira notavelmente bela, algumas das conclusões alcançadas pela geologia moderna. Ela encontra-se num manuscrito intitulado Maravilhas da Natureza, preservado pela Real Biblioteca de Paris e de autoria de Mohammed Kazwini [sic], que floresceu no fim do século XII de nossa era. Eis a alegoria: — “Passei um dia,” — conta um personagem alegórico — “por uma mui antiga e maravilhosamente povoada cidade e perguntei a um de seus habitante quando ela havia sido fundada. ‘Realmente,’ — respondeu-me — ‘é uma poderosa metrópole, mas não sabemos há quanto tempo existe e nossos ancestrais são tão ignorantes a esse respeito quanto nós mesmos’. Cinco séculos mais tarde, passei pelo mesmo local e não pude perceber o menor vestígio da cidade. Questionei um hortelão, que colhia ervas ali: há quanto havia sido destruída a cidade? ‘Que pergunta estranha!’, replicou-me. ‘O chão aqui nunca foi nada além do que se vê’. ‘Nunca houve aqui uma esplêndida e antiga cidade?’ ‘Nunca e nem nossos pais jamais viram tal coisa’. Ao retornar para lá 500 anos mais tarde, encontrei o mar na mesma localidade. No litoral havia um pequeno grupo de pescadores, dos quais procurei saber: há quanto tempo as águas haviam engolido o solo? ‘Que pergunta é essa, meu senhor? Este ponto sempre esteve como se apresenta agora.’ Novamente voltei depois de 500 anos e o mar havia desaparecido. Encontrei um único homem, ao qual inquiri: há quanto tempo ocorreu tal mudança? Ouvi a mesma resposta das outras vezes. Finalmente, ao retornar lá ainda uma vez [meio milênio mais tarde], encontrei uma cidade florescente, mais rica e bela que a cidade que vi da primeira vez e me aventurei a buscar de seus habitantes informes sobre sua origem. Explicaram-me: ‘Sua ascensão perde-se na mais remota antiguidade e, tal como nossos antepassados, ignoramos desde quando existe.’” — KEDDIE, William (ed.). Cyclopaedia of Literary and Scientific Anecdote; illustrative of characters, habits and conversation of men of letter and science [Enciclopédia de Anedotas Científicas e Literárias: ilustrações do caráter, hábitos e conversas dos homens de letras e ciências]. Londres & Glasgow: Richard Griffin and Company, 1854, pp. 69-70.

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