Uma Ponte feita de Estrelas

ponte estelar
A linha branca entre as Nuvens de Magalhães representa a trajetória aproximada da ponte de estrelas. A linha azul corresponde à ponte gasosa. Note que elas não coincidem. [Fonte: Belukorov et. al., 2016]

Junte duas galáxias anãs ao redor da Via Láctea, acrescente forças de maré e a resistência de uma corona. Reserve por milhões de anos e o resultado é uma ponte estelar recém-descoberta.

Desde tempos imemoriais, os humanos cruzam alguns rios por meio de pontes formadas natural ou artificialmente pela disposição de algumas pedras mais ou menos alinhadas ao longo do leito. Pulando de uma pedra a outra, a travessia normalmente evitava os riscos de afogamento. Também perdidas nas poeiras do tempo, estão as nossas observações astronômicas que revelaram, entre outras coisas, a Via Láctea e dois pontos obscuros em suas proximidades.

Esses dois pontos são hoje conhecidos como as Nuvens de Magalhães, em homenagem ao navegador português que foi o primeiro europeu a vê-las no céu do hemisfério sul. Inicialmente, pensava-se que fossem um par de nebulosas, mas hoje sabemos que são algo mais complexo: galáxias anãs, satélites da Via Láctea. Mesmo sendo os maiores exemplos de galáxias-satélite, sempre foi difícil estudar as Nuvens de Magalhães.

Um dos motivos para isso é a sua localização: a Grande Nuvem de Magalhães (GNM) e a Pequena Nuvem de Magalhães (PNM) ocupam um bom pedaço do céu. Para cobrir área tão grande, os telescópios teriam que ir aos pulinhos, como que saltando por uma ponte de pedra entre as duas pequenas galáxias. Surpreendentemente, parece existir algo semelhante a esse tipo de ponte entre as duas nuvens.

Estrelas mudam de lugar…

Essa é a conclusão de um estudo publicado na véspera do Natal passado na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS) por uma equipe internacional de astrônomos. Liderados por cientistas da Universidade de Cambridge, como Vasily Belokurov, eles usaram observações do telescópio espacial Gaia centradas nas áreas ao redor das nuvens magalhânicas. O objetivo era buscar estrelas variáveis bem antigas e subdesenvolvidas, do tipo conhecido como RR Lyrae. Com estrelas tão antigas, seria possível entender a história das pequenas galáxias vizinhas.

As RR Lyrae ajudaram a determinar o tamanho exato da GNM, que se revelou ser bem maior do que o esperado, talvez até com 1/10 da massa da Via Láctea. Os pesquisadores tentaram, então, calcular algo que foi sempre difícil de fazer: a órbita dos satélites. Estando tão longe de nós, o movimento aparente dessas galáxias anãs é tão pequeno que mal se percebe ao longo da vida humana. Foi aí que Vasily Belukorov e seus colegas da Inglaterra, Itália e Austrália encontraram um rastro de estrelas.

Maré intergaláctica

Rastros de estrelas formam-se quando aglomerados ou galáxias em órbita da Via Láctea sentem as forças de maré de exercida pela gravidade de nossa grande galáxia. Consequentemente, os satélites galácticos são deformados da mesma forma que o sol e a lua deformam nossos mares. Como as forças envolvidas são muito maiores e mais duradouras, as estrelas da maré lentamente abandonam sua galáxia anã e assim formam um rastro de sua órbita.

Teoricamente previstos, os rastros estelares nunca haviam sido observados. “Ao marcar as localizações das RR Lyrae no céu, ficamos surpresos de ver uma estreita estrutura, como uma ponte, conectando ambas as nuvens”, declara o Dr. Belokurov em comunicado ao Phys.org. Os cientistas estimam que parte da ponte foi formada por estrelas extraídas da Pequena Nuvem pela Grande quando elas se aproximaram há cerca de 200 milhões de anos. A maior parte, porém, seria de estrelas puxadas da GNM pela Via Láctea. Esta ponte de pedra estelar estende-se ao longo de 43 mil anos-luz.

Aos saltos

Outra ponte gasosa, formada por hidrogênio, também foi localizada entre a PNM e GNM. Esta pode ser resultado da interação entre o par magalhânico e a corona da Via Láctea, outra coisa bem difícil de estudar. É na corona galáctica que pode estar parte da matéria bariônica que falta — de átomos e íons a gás, poeira, sóis e planetas. Ao se aproximarem da corona, as estrelas que formam as pontes e as pequenas galáxias reagiram de maneira diferente. Pequenas, as estrelas passaram sem perturbação pela corona; grandes, as galáxias sofreram alguma fricção e diminuíram de velocidade.

Dessa forma, o próximo objetivo da equipe é determinar quanto tempo as nuvens passaram na corona, o que pode revelar a densidade dessa estrutura difusa. Com base nessas primeiras observações, estima-se que a corona contém uma fração significativa de matéria bariônica. E assim, aos pulinhos, de um problema a outro, a ciência vai atravessando o grande rio rumo às margens do conhecimento.

Referência

rb2_large_gray25Vasily Belokurov et al. Clouds, Streams and Bridges. Redrawing the blueprint of the Magellanic System with DR1 [Nuvens, rastros e pontes: redesenhando o mapa do sistema magalhânico com DR1], Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 466 (4): 4711-4730. DOI:10.1093/mnras/stw3357

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