Bactérias cobertas de cobre

Bactérias E. coli (em amarelo) infectam o interior da bexiga de um rato. Uma célula imune (azul) ataca as invasoras, que podem ser resistentes mesmo na presença de cobre e antibióticos. [Imagem: Chia Hung/divulgação]
Bactérias E. coli (em amarelo) infectam o interior da bexiga de um rato. Uma célula imune (azul) ataca as invasoras, que podem ser resistentes mesmo na presença de cobre e antibióticos. [Imagem: Chia Hung/divulgação]

Nutriente presente em vários organismos vivos, o cobre costuma ser tóxico para bactérias. Em resposta a isso, elas desenvolveram um mecanismo de neutralização dessa e de outras substâncias metálicas — algo que podemos usar a nosso favor.

Encontrado em frutos do mar, grãos integrais, nozes, feijões e outros alimentos, o cobre é um mineral essencial à nossa alimentação. Um dos motivos é sua ação antisséptica: em altas concentrações, o cobre é capaz de matar micro-organismos. O cobre que ingerimos espalha-se por todo o corpo, inclusive o sistema urinário. Era de se esperar que isso nos ajudasse a evitar infecções, mas mesmo assim a bactéria Escherichia coli teima em aparecer no trato urinário. Muitas dessas infecções do trato urinário tem se mostrado intratáveis.

Por trás dessa perigosa teimosia da E. coli está uma macromolécula chamada yersiniabactínia, que age como um escudo contra o excesso de cobre. Quando aparece em um ambiente rico em cobre, como nossa urina, a bactéria secreta yersiniabactínia (Ybt), substância que se liga aos íons do metal. A Ybt não é exclusividade da E. coli — como o nome indica, ela foi descoberta na Yersinia pestis, causadora da peste negra —, e é comum em bactérias causadoras de infecções recorrentes e resistentes a tratamento antibiótico. Como está associada a micro-organismos mais agressivos, os cientistas estão estudando os mecanismos de ação da Ybt.

Uma das dúvidas sobre a Ybt é o que a bactéria faz com o cobre que sequestra. Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Washington em St. Louis (EUA) demonstraram que parte do cobre absorvido pela YB acaba usado como nutriente pela E. coli. Partindo de outras pesquisas, o grupo liderado pelo Dr. Jeffrey P. Henderson já sabia que a YB funciona como ferramenta de absorção de outro mineral essencial, o ferro. Ninguém sabia se as bactérias teriam um mecanismo semelhante para lidar com o cobre, mas Henderson et. al. achavam que a YB também poderia ter essa função.

Entra e sai
Resumo esquemático da Ybt e sua relação com os ambientes interno e externo da bactéria. A letra M indica o local de ligação do íon metálico, que pode ser o cobre. [parte da Fig. 3 de Koh et. al. (2017)]
Resumo esquemático da Ybt e sua relação com os ambientes interno e externo da bactéria. A letra M indica o local de ligação do íon metálico, que pode ser o cobre. [parte da Fig. 3 de Koh et. al. (2017)]

Para comprovar isso, os cientistas americanos colocaram bactérias em meios ricos em cobre, mas sem ferro. Por meio de marcação radioativa, eles acompanharam moléculas de yersiniabactínia e descobriram que ela entra e sai da E. coli. E o cobre que ela sequestra no ambiente externo vai sendo liberado aos poucos no interior da bactéria. Como qualquer ser vivo, a E. coli também precisa de cobre, cujos íons ajudam a iniciar ou acelerar muitas reações bioquímicas que a mantém viva. Depois de soltar sua carga de cobre, a Ybt retorna ao meio externo e captura mais cobre. Em artigo publicado em 24/07 na Nature Chemical Biology, Henderson et. al. descrevem esse processo como uma “passivação nutricional”. Na metalurgia, a passivação é um tratamento químico para reduzir a reatividade de um metal.

Henderson e sua equipe também descobriram que a Ybt pode se ligar a outros íons metálicos. Além do cobre e do ferro, foram observadas ligações dessa substância com íons de níquel, cobalto e cromo. “Bactérias que secretam yersiniabactínia podem se ligar a todos os tipos de metal”, conta Henderson em comunicado publicado no Phys.org. “No local da infecção, essa molécula parece agarrar-se aos metais ao seu redor, impedindo que eles alcancem níveis tóxicos e importando quantidades controladas desses íons metálicos para fins nutricionais.”

O que acontece quando as bactérias não têm Ybt? Testes feitos pelos mesmos cientistas revelaram que as E. coli que não secretam Ybt causam infecções menos agressivas e menos resistentes aos tratamentos. Com o papel da Ybt plenamente esclarecido, podemos encontrar um meio de bloqueá-la, desarmando as defesas das bactérias que produzem essa macromolécula — o que abre caminho para tratamentos mais eficazes não apenas de infecções urinárias mas também de peste negra e de alguns tipos de pneumonia.

Referência

rb2_large_gray25Koh E. et. al. Copper import in Escherichia coli by the yersiniabactin metallophore system [Importação de cobre em E. coli pelo sistema metalóforo yersiniabactínia]. Nature Chemical Biology. July 24, 2017. DOI: 10.1038/nchembio.2441

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  • Anderson Arndt

    Gosto muito desta área de pesquisa. Uma outra consequência deste estudo é a possibilidade de transporte ativo de metais tóxicos para dentro do microrganismo alvo. Como dito, esse quelante se liga também a níquel, cobalto e cromo, mas precisaria ver o quanto esses complexos são absorvidos pela célula, ou se tem um tipo de mecanismo de controle que impeça. Bacana, depois pegarei o artigo pra ler e encaminharei pro meu ex-orientador, que tem interesse nisso tb. Abç

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