O que andei vendo no Netflix em julho

Neste mês de recesso escolar e alguns dias de folga, mergulhei em diversos tipos de profundezas: das funduras da consciência alterada por LSD e desprogramação cerebral ao fundo dos palcos mais famosos do mundo, passando por uma mina de carvão na Índia, os arquivos reais da Inglaterra e o poço submarino mais profundo do mundo.


The Sunshine Makers (90 min., 2015) — “Com licença, senhor, você teria um momento para ouvir a palavra de Nosso Senhor e Salvador, o Sol Laranja?”. Nos anos 1960, parte da contracultura hippie era muito parecida com os pregadores evangélicos. Pensem bem: ambos viam o mundo como prestes a acabar e querem salvar pessoas. Só que em vez de bíblias e sessões de descarregos, muitos hippies viam a salvação da humanidade no LSD. Neste documentário, Cosmo Fielding-Mellen apresenta dois dos principais apóstolos do Ácido, Tim Scully e Nicholas Sand. Como outros de sua geração, hoje Scully e Sand parecem velhinhos inofensivos mas eles se entusiasmaram tanto pelo LSD a partir de 1965 que resolveram começar a fabricá-lo para “acender” o mundo, uma história contada em três partes. Na primeira, os dois relatam seu contato com a droga e suas viagens. A segunda acompanha o envolvimento deles com gente como Billy Hitchcock (patrono), Tim Leary (psicólogo) e Mike Randall (líder da Irmandade do Amor Eterno, espécie de máfia hippie). Enquanto o idealista Tim e ambicioso Nick fabricavam as drogas em quantias cada vez maiores, Hitchcock financiava a produção, que era distribuída por Randall e seus companheiros. Obviamente, a ascensão do LSD não passou despercebida. Embora inicialmente tenha sido visto como droga experimental pela CIA, a substância alucinógena acabou sendo posta na ilegalidade quando seus efeitos foram descobertos e considerados indesejáveis. Com o passar dos anos, o cerco ao LSD foi se fechando. Gordon White e Patrick Clark (Agência de de Narcóticos de São Francisco) foram os encarregados de investigar o tráfico de ácido lisérgico e contam como chegaram a Tim e Nick. Não foi fácil prendê-los, mas eles acabaram caindo após uma série de pequenos acidentes e crimes financeiros, além da delação de Hitchcock. Na prisão, Tim se resignou, estudou psicologia e informática e conseguiu uma redução da pena para 10 anos. Incorrigível e teimoso, Nick fugiu durante uma apelação, estabelecendo-se no Canadá onde continuou a fazer LSD por 20 anos, mas também acabou preso. Todo mundo nessa história acabou mudando com a idade — menos Nick, que parece não ter se arrependido. Embora haja alguma reflexão durante o filme e um epílogo, os envolvidos não falam se ainda tomam LSD ou o que pensam do renascimento das pesquisas com a droga. Visualmente, o documentário não cai no estereótipo do colorido lisérgico de quando se fala em LSD. Há alguns efeitos que buscam demonstrar as viagens relatadas, mas não é nada muito extraordinário. O que surpreende são as reconstituições muito bem feitas — tanto que às vezes parecem indistinguíveis de imagens de arquivo.


Deprogrammed (87 min., 2016) — Se alterar consciências para mudar o mundo é uma ideia que deu ruim, será possível fazer algo parecido com vítimas de lavagem cerebral? No começo dos anos 1970, muitos jovens envolvidos na contracultura se radicalizaram e acabaram cooptados por novas seitas religiosas, como a do Reverendo Moon. No verão de 1971, após ver o filho e o sobrinho adolescente serem “psicologicamente envenenados” por um pregador, Ted Patrick resolveu fazer alguma coisa. Criado por uma família religiosa do Tennessee e com ensino fundamental incompleto, Patrick não parece ser a pessoa mais qualificada para reverter lavagens cerebrais, mas ele era esperto e sabia fazer perguntas desconcertantes (e até engraçadas), capazes de tirar algumas pessoas de sua cegueira religiosa. No entanto, os métodos usados por Patrick se revelariam tão polêmicos quanto os usados pelos gurus que ele buscava combater — inclusive sequestro, agressão e ameaça — levando-o a ser preso algumas vezes. Dirigido por Mia Donovan, esse documentário mostra, por meio de entrevistas e imagens de arquivo, a história de Patrick e de algumas pessoas que ele desprogramou (ou não). Se a desprogramação involuntária realmente funciona ou faz falta nesses tempos de extremismo religioso como o do ISIS é algo que fica a critério do espectador desse filme, que não apresenta respostas simples ou prontas.


Deepsea Challenge (91 min., 2014) — Era uma vez um garotinho loiro brincando numa caixa de papelão na sala de casa, fazendo de conta que estava num submarino rumo ao fundo do mar. Inspirado pelas grandes explorações dos anos 1960, como os mergulhos de Jacques Costeau e do Trieste, primeiro veículo tripulado a descer ao fundo da Fossa das Marianas, esse garotinho chamado James Cameron tornou-se apaixonado pelos mistérios do mundo submarino. Décadas mais tarde ele virou cineasta mas sempre deu um jeito de conciliar o cinema e o mar com filmes como O Segredo do Abismo (1988) e Titanic (1997). Depois de triunfar como diretor de cinema, ele resolveu realizar o sonho de infância e ser explorador submarino em tempo integral. Objetivo: ser o segundo a descer os 11 km da Fossa das Marianas — o primeiro no século XXI. Dirigido por John Bruno, Ray Quint e Andrew Wight, este documentário co-produzido pela Nat Geo e Universal conta a história de Cameron, sua transição entre cineasta e explorador (ou seria explorador-cineasta?), suas inspirações, aspirações e sobretudo o desenvolvimento do Deepsea Challenger, o submarino em que ele vai tocar o mais profundo ponto do oceano. Diante das câmeras, Cameron se mostra um personagem determinado e até teimoso em alguns momentos. Mas essa não seria uma boa história (nem um bom filme) se não houvesse momentos como os atrasos na montagem do submarino, o cronograma apertado, a tensão e as falhas dos primeiros testes e um acidente de helicóptero às vésperas da partida, que mata Andrew Wight e Mike deGruy, respectivamente diretor e produtor do documentário, que acaba dedicado a eles. Quando finalmente chega ao fundo do mar, arriscando-se num mergulho em águas agitadas e com alguns equipamentos falhando, o garotinho loiro fica sem palavras. Não é para menos: no caminho até lá foram descobertas 68 novas espécies de vida marinha. Mais que a realização de um sonho de criança, o principal objetivo de Cameron é ser tão inspirador para as crianças de hoje quanto Jacques Piccard e Don Walsh — que voltou ao local de seu mergulho depois de 52 anos — foram para ele.


Fireflies in the Abyss (87 min., 2015) — Nem toda vida nas profundezas é bonita ou inspiradora, especialmente nas profundezas de uma mina ilegal de carvão em Lad Rymbhai, Nordeste da Índia. É ali que vivem imigrantes nepaleses e seus filhos. Um deles é Suraj, 11 anos, que corre e pula pelos campos, metendo os pés na lama com entusiasmo. Criado pelo pai e a irmã, o menino também trabalha na mina de carvão depois de estudar apenas até a segunda série. Na mesma comunidade de mineiros, vive o estóico Nishant, jovem que entrou no abismo em busca de dinheiro para a faculdade e vê a dor e a alegria como experiências igualmente necessárias. Tudo o que Nishant consegue é adquirir uma câmera fotográfica, tornando-se o fotógrafo da comunidade. Ainda que não ganhe dinheiro com isso, ele parece contente — e algumas de suas fotos ilustram esse documentário. Eis os personagens principais deste documentário dirigido, produzido e filmado por Chandrasekhar Reddy, que passou alguns meses acompanhando a vida dura e pobre desses mineiros nepaleses. O trabalho de Reddy parece ter tido algum efeito na família de Suraj, que decide retornar ao Nepal depois de 13 anos. O menino, porém, resiste a voltar para um lugar que não reconhece como lar e some durante algumas semanas, reaparecendo às vésperas da mudança — apenas para dizer que está morando com dois adolescentes mais velhos e que decidiu ficar com eles. Curiosamente essa acaba sendo uma decisão acertada, já que os rapazes, analfabetos, se esforçam para colocar Suraj na escola — e ele parece contente, ainda que às vezes tenha que voltar a trabalhar na mina de carvão.


A um passo do estrelato (90 min., 2013) — Você já ouviu falar de Darlene Love, Merry Clayton, Judith Hill, Lisa Fischer, Táta Vega, Claudia Lennear, Janice Pendarvis? Provavelmente não mas já deve ter ouvido suas vozes ao fundo de canções de Ray Charles, Frank Sinatra, Tina Turner, Elton John, Michael Jackson, Led Zeppelin e U2. Embora dividam os palcos com os grandes nomes da música, os vocais de apoio (backing vocals) acabam literalmente em segundo plano e pouca gente fora do ramo os conhece. Nesse documentário, porém, Love, Clayton, Hill, Fischer, Vega e muitas outras são o centro das atenções. Dirigido por Morgan Neville, o filme conta a história não apenas dessas cantores de fundo mas dessa instituição musical tipicamente americana, derivada da cultura musical das igrejas gospel e seus coros. Não é à toa, portanto, que algumas das melhores cantoras secundárias sejam filhas de pastores (o que é quase um clichê). Além da origem e da cor — a maioria delas é negra — o que essas cantoras têm em comum é uma paixão avassaladora pela arte de cantar, muito talento e um péssimo tino para os negócios, o que as levou a fracassar em suas tentativas de carreira solo. Com entrevistas de Stevie Wonder, Sting, Bruce Springteen e Mick Jagger, além de produtores e especialistas em História da Música, essa produção conta (e canta) as histórias de quem solta a voz no fundo do palco — e recebeu o Oscar de Melhor Documentário em 2014.


Séries documentais

She-Wolves: England’s Early Queens (2012) — Após seis décadas de reinado de Elizabeth II, a expressão Rainha da Inglaterra parece-nos tão comum quanto natural. Ao longo dos séculos, Londres abrigou diversas rainhas, mas geralmente elas eram apenas as esposas dos reis. Porém, em algumas situações de crises dinásticas e políticas, algumas rainhas britânicas foram além e se tornaram governantes efetivas do reino. Apresentada pela historiadora Helen Castor e baseada em livro homônimo, esta minissérie em três episódios (58 min. cada) apresenta a trajetória das mulheres que abriram caminho para os longos e bem-sucedidos reinados de Vitória e Elizabeth II: Matilde e Leonor da Aquitânia, Isabel de França e Margarida de Anjou, Jean Gray, Mary e Elizabeth I. Além de governar durante períodos de crise entre a Idade Média e a Reforma, essas mulheres tiveram o desafio de demonstrar poder real ao mesmo tempo em que cumpriam o papel clássico da rainha, de esposa e geradora do sucessor ao trono. Como ainda acontece em muitos casos, o poder político dessas mulheres gerou um clima de desconfiança e temor na sociedade e especialmente entre os homens, que passaram a compará-las a criaturas tão monstruosas quanto desnaturadas. Não eram vistas como rainhas: eram as lobas.

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