Por dentro da URSS: Arte moderna

Stalin_and_Voroshilov_in_the_Kremlin

Por estranho que pareça, o modernismo que caracterizou as artes plásticas no século XX nunca foi bem visto na União Soviética:

Por que teriam os dirigentes soviéticos, naquela época [de Stalin] e agora, uma tão virulenta antipatia pela arte moderna e, particularmente, pela arte abstrata? Segundo a doutrina marxista, as formas da arte sempre refletem as estruturas econômicas básicas da sociedade. Mas o mundo ocidental está cheio da arte mais dramaticamente revolucionária, que é apreciadíssima, enquanto que a arte da União Soviética é fantasticamente puritana, antiquada e conservadora. Um crítico inglês observou que o resultado líquido do realismo socialista foi fazer a pintura russa retroceder quarenta anos. Não obstante, a URSS gosta de imaginar-se sempre na frente do Ocidente em todos os campos intelectuais. Há vários outros paradoxos. O debate em torno da arte transcende as linhas partidárias. Poder-se-ia pensar, por exemplo, que Picasso, que é comunista, deveria ser admirado pelos comunistas da União Soviética; ele lhes pertence, eles têm grande necessidade de prestígio, e Picasso não é apenas um grande revolucionário como um dos homens mais notáveis do nosso tempo. Mas os círculos acadêmicos e governamentais da URSS o consideram encarnação do demônio, se não coisa pior. Conheci Guerassimov, que é um homem encantador, numa festa e interroguei-o a respeito de Picasso. Ele sorriu: “Nós o aceitamos como comunista, mas não como pintor!”. Um amigo americano que me acompanhava replicou: “Nossa atitude é exatamente o contrário!”. Outro russo declarou: “Picasso é comunista e capitalista ao mesmo tempo! Ha ha!” — GUNTHER, John. A Rússia por dentro. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1959. p. 340-41

Citado com o nome grafado incorretamente, o pintor entrevistado por Gunther é Alexandr Gerasimov [1881-1963], principal defensor do chamado realismo socialista. Alinhado a Stalin, foi chefe a União dos Artistas da URSS durante muitos anos, liderando a organização com mão de ferro. Suas principais pinturas são retratos que apresentam políticos e figuras heróicas soviéticas de maneira destacada, quase sobre-humana. Agraciado com o Prêmio Stalin em 1938 pelo quadro que abre este post, Gerasimov e seu realismo socialista influenciaram profundamente as artes plásticas de regimes alinhados a Moscou, como a China e a Coreia do Norte.

chevron_left
chevron_right

Join the conversation

comment 0 comments
  • MARCELO EZEQUIEL

    Bom texto. Me pôs a pensar em algumas questões. Uma delas é a forma como os regimes, sejam eles o socialista militarizado da URSS, ou o judaico-cristão capitalista dos EUA, moldam a tudo ao seu redor, da ciência a arte. De certo, Picasso não se encaixava no regime político da URSS pois era revolucionário e libertário ao extremo, creio que o mesmo motivo o fazia não se enquadrar no modelo político econômico dos EUA.

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comment
Name
Email
Website