Animes que me animam (vol. 3)

Começamos o ano recomendando quatro animes que tiram sarro do próprio gênero, as trajetórias entrecruzadas de quatro moças japonesas e uma roteirista de TV e uma atriz de novelas de épocas que é levada por uma kombi temperamental até a época de suas novelas

Animes

Boku no Hero Academia (ou My Hero Academia | 2016- |  Crunchyroll) — Mesmo um recém-chegado ao mundo dos animes feito eu não pôde ficar indiferente ao grande hype da temporada passada. O sucesso se justifica: Boku no Hero (BnHA para os íntimos) investe numa fórmula atraente, situada entre os animes escolares e os de super-heróis. Sim, nesse série nós acompanhamos super-heróis no colegial. Seria uma receita até simples de seguir, mas a animação baseada no mangá de Kohei Horikoshi vai além ao impor alguns limites que dão uma carga dramática ao que poderia ser um festival de clichês: 1) a maioria das crianças do mundo expressam poderes conhecidos como quirks (traduzidos como individualidade, mas o melhor seria dizer esquisitices), mas o quianço chorão Izuku “Deku” Midoriya é um dos raros seres humanos desprovidos de qualquer poder. 2) o maior super-herói de todos e ídolo do Deku, o todo-poderoso All Might parece um clichê saído dos quadrinhos americanos: é loiro, musculoso, audaz e sorridente. Só que tem um porém: sua força sobre-humana dura pouco tempo, na verdade cada vez menos tempo, e sua verdadeira aparência tá mais pra uma lombriga esfarrapada. Parece fácil juntar 1 com 2 para garantir um final feliz que salve o dia, certo? Errado!

Embora precise desesperadamente de um sucessor, All Might não vai facilitar para o jovem Midoriya, que vai ter que mover mundos e fundos para ganhar o poder esmagador do seu ídolo, conseguir entrar na Academia de Heróis do título e superar seu frenemy e bullie de infância, o desbocado e explosivo Katsuki Bakugo — apesar dos maus-tratos, Deku sempre chama o desgraçado de forma carinhosa, como Kacchan (no original japonês) ou Kazinho (na excelente sacada das legendas do Crunchyroll). Os colegas mais próximos de Midoriya são igualmente carismáticos e divertidos, com personalidades tão variadas quanto seus poderes: Ochako Uraraka (um amorzinho de pessoa que controla a gravidade com o toque); Tsuyu Asui (a tranquilona menina-perereca); Tenya Iida (o nerd das pernas motorizadas); Shouto Todoroki (o dupla-face que produz gelo de um lado e fogo do outro e portanto pode ser tão frio quanto explosivo). Embora pareça apenas um típico shonen (i.e., uma produção feita para adolescentes do sexo masculino, com mais ação e/ou violência do que profundidade de enredo), BnHA difere pelos personagens imperfeitos que desenvolvem-se ao longo da obra e pelas tiradas de humor que satirizam o próprio gênero. São duas temporadas, sendo que a primeira é quase toda introdutória e a segunda mais voltada para a ação. Há previsão de terceira ainda esse ano e o mangá parece estar tão adiantado que eu não duvido que venham mais temporadas nos próximos anos.

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One Punch-Man (ou Wanpanman | 2015 | Netflix) — Outro shonen anti-shonen, anime de super-heroi que zoa do gênero, OPM baseia-se numa webcomic publicada sob o pseudônimo One desde 2009 e transformada em mangá impresso a partir de 2012. O enredo é simples e gira em torno do Saitama, ex-funcionário de colarinho branco que depois de três anos de treinamento intensivo pacas torna-se extremamente poderoso, sendo capaz de derrotar qualquer oponente com um único soco. Se parece um tanto entediante, é pra ser mesmo. O conflito principal não é entre Saitama e os monstros cada vez maiores que vez por outra aparecem do subsolo, das profundezas do mar ou do espaço sideral para reduzir a pó cidades com nome de letra. Saitama briga é consigo mesmo e com o tédio de poder derrotar tudo e todos tão facilmente. Gente como a gente, ele também luta para ter tempo de passar no supermercado antes que a promoção do dia acabe. Careca, mal-vestido e desleixado, Saitama não é levado a sério pelos heróis oficialmente reconhecidos nem quando salva o dia (talvez porque que isso signifique pulverizar o que resta de cada cidade).

Além de debater-se com o tédio, ele divide-se entre a busca por reconhecimento e respeito dos heróis de carteirinha e dos cidadãos e uma vida sem compromissos no seu apartamento simples. Curiosamente, quem vai guiá-lo no rumo da profissionalização e do reconhecimento é Genos, um ciborgue que vira seu discípulo a contragosto. Embora Saitama e Genos formem uma dupla irreverente e divertida, muito da graça do anime está em personagens que beiram o clichê puro, como Sonic Velocidade do Som (um ninja vilão tão repetitivo quanto o nome indica), Flashy Flash (uma moça superveloz), Tank-Top Master (fisiculturista que usa tank-top), Pretty-Pretty Prisioner (um prisioneiro super-heroi e super-viado), Tornado (uma garotinha telecinética arrogante) e o Samurai Atômico (que evidentemente luta com uma katana e veste um kimono com o símbolo de um átomo). Com traços que se alternam entre o realismo e o caricato, One Punch-Man tem apenas uma temporada com 12 episódios, mas uma segunda está em produção. Na versão veiculada pelo Netflix, o destaque fica por conta da dublagem, que faz um excelente trabalho ao brincar com gírias e termos bem brasileiros:

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Denkigai no Honya-san (lit. Livraria da Cidade Elétrica | 2014 | Crunchyroll) — Esta comédia do dia-a-dia, baseada num mangá de Asato Mizu, gira em torno da Umanohone, uma livraria ficcional de Akihabara, uma região de Tóquio conhecida como Cidade Elétrica por ter sido sede de lojas de equipamentos elétricos no pós-guerra e atualmente por ser a meca da cultura otaku e centro comercial de video-games, computadores, animes e mangás. Cada episódio (são 12 no total, numa temporada única) apresenta dois ou três causos ocorridos aos funcionários — Hiotan, Sensei, Fu Girl, Kameko, Umio e Sommelier-kun — na livraria ou no seu entorno. Todos são atendentes da Umanohone e têm variados graus de envolvimento com a cultura otaku: Hiotan é a mocinha que não sabe muito de anime e se faz de inocente mas adora yaoi (romances homoeróticos) secretamente. Sensei é uma mulher desajeitada que sonha em ser uma grande mangaká; pouco feminina, torna-se infantil quando estressada. Fu Girl é a colegial baixinha obcecada por zumbis e está sempre pronta a atacá-los com um taco de basebol, mas acaba espancando quem encontra pela frente. Kameko é a doida por fotografia e está sempre tirando fotos de todo mundo, menos de si mesma. Ela é meio lerda e odeia que lhe tirem o imenso boné parecido com um casco que sempre usa, daí seu apelido (Kameko significa tanto menina da câmera quanto tartaruga).

Fu Girl vendo zumbi onde não tinha
Para deleite da Kameki e horror da Hiotan, essa é a Fu Girl vendo zumbi onde não tinha

Umio é o calouro da turma, tanto que nem tem apelido; parece calmo e normal mas revela um entusiasmo insuspeito ao falar de animes e mangás. Sommelier, como o próprio apelido indica, é um connaisseur de mangás e está sempre pronto a fazer indicações perfeitas pra quem quer que seja. Grandalhão e meio calado, seu rosto quase não aparece e mesmo assim ele faz sucesso com todo mundo, especialmente as meninas que frequentam a loja. Uma das frequentadoras assíduas é conhecida como Ero Hon G Men, funcionária pública responsável pela inspeção de material pornográfico, uma censora que esconde (ou tenta esconder) sua paixão por yaoi e pelo Sommelier-kun. Outra é a Tsumorin, uma escritora e ex-funcionária que adora beber mas fica bêbada facilmente, gerando situações constrangedoras. Embora pareça muito específico, tenha algumas doses de fanservice (i.e., cenas com teor levemente erótico) e voltado apenas aos otakus mais fanáticos, Denkigai… é divertido por tirar sarro da cultura e do ambiente que retrata e por mostrar que todo mundo tem um lado meio otaku.

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Keppeki Danshi! Aoyama-kun (aka Clean Freak! Aoyama-kun | 2017 | Crunchyroll) — Já que estamos no embalo com animes que contrariam o próprio gênero, por que não um anime de esportes onde o esporte é secundário? Esta série baseada no mangá homônimo de Taku Sakamoto gira em torno de Aoyama. Primeiranista do Colégio Fujimi, Aoyama é um craque fenomenal e já disputou até jogos na seleção japonesa sub-16. Sua genialidade com a bola é fruto de um comportamento excêntrico dentro e fora de campo: Aoyama-kun é um meio-campista maníaco por limpeza, que faz de tudo para evitar contato físico com outros jogadores, os colegas de escola e até a bola. Quando não está se limpando, limpa o ambiente e os objetos ao seu redor. Sua personalidade e o talento futebolístico o tornam a estrela do colégio, para desgosto de Kaoru Zaizen, menino rico que até então era o astro da turma. Dentre as fãs de Aoyama, destaca-se Moka Goto, menina fofa porém dedicada a ponto de defender a limpeza do ídolo a cacetadas e limpar secretamente o vestiário do time para que ele não perca tempo com isso. O trio formado por Sakai, Tsukamoto e Yoshioka está mais ocupado em fazer graça do que jogar bola: Tsukamoto é conhecido por todos como o cara que faz embaixadinhas com a bunda, Yoshioka é o gordinho sempre esfomeado e Sakai tenta manter o ar de liderança do time, mas não consegue se levar tão a sério.

Os momentos mais cômicos são retratados nesse traço bonitinho, conhecido como chibi.
Os momentos mais cômicos são retratados nesse traço bonitinho, conhecido como chibi.

Eles são treinados por Miwa Takei, ex-aluna do clube de judô da escola convertida para o futebol por acompanhar um anime de boleiros. Líder do time rival, do Colégio Oshigami-Minami, Akira Takeshi tem obsessão em levar Aoyama para seu clube e escola e tenta convencer (ou seduzir) o menino limpinho mostrando-lhe o abdômem sarado sempre que possível. Fora dos campos, destaque para Atsumi Ozaki, conhecido pelo ar de superioridade sob o qual esconde o trabalho de autor de mangás. Também mordido pela inveja da popularidade de Aoyama, Ozaki tenta transformar o craque em vilão de seu mangá, o que resulta num aumento surpreendente das vendas da obra e no sucesso do novo vilão. Apesar de presentes em cada um dos 12 episódios, os jogos e treinos de futebol não são o foco principal do anime. A temporada — única mas com cara de primeira — ocupa-se principalmente em apresentar cada personagem e criar momentos divertidos com base nos lugares-comuns do gênero: o jogo em que o craque está fora, o jogo com goleada, a tentativa da treinadora em criar uma concentração de verdade, as rivalidades entre os times. Por vezes, membros da imprensa ou da torcida fazem comentários óbvios, que não acrescentam nada mas são exatamente como os dos comentaristas de futebol de verdade.

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J-drama

As diversas faces de Ito (The many faces of Ito ou 伊藤くん A to E | 2017 | Netflix) — Sabe quando um escritor fica meio entediado e começa a escrever sobre a própria escrita? Agora imagine uma roteirista de comédia romântica fazendo algo parecido. Essa é a premissa básica de Ito-kun A to E, série japonesa coproduzida pela Netflix. Baseado no romance homônimo de Yuzuki Asako, o dorama acompanha a rotina de Rio Yazaki (Fumino Kimura), uma roteirista bem-sucedida que está voltando à ativa após vários anos na geladeira. Em busca de inspiração, ela finge ser conselheira sentimental e acaba se interessando pelas histórias contadas por quatro mulheres: Shimbara Tomomi (Sasaki Nosomi), Nose Shuko (Mirai Shida), Aida Satoko (Ikeda Elaiza) e Jinbo Miki (Kaho). Todas têm algo em comum: algum tipo de relacionamento com um cara chamado Ito. Identificadas de A a D pela roteirista (daí o título original), as quatro moças têm personalidades diferentes que são exploradas em episódios divididos em duas partes (cada ep. tem ~25 min): Tomomi (A) é a mulher-capacho, do tipo emocionalmente dependente de um Ito que a despreza; Shuko (B) é a desmotivada que só quer um emprego como curadora de museu mas é importunada por um Ito grosseiro e sem-noção; Satoko (C) faz a pretensiosa, uma moça sedutora porém insegura que se aproxima de Ito por inveja da melhor amiga Miki; por sua vez, Miki (D) é a virgem importuna, que vai ser abandonada por Ito em troca da melhor amiga.

Conforme ouve os relatos de cada uma delas, Rio (que acaba sendo a moça E), avança em seus roteiros apenas para descobrir que Ito de fato existe e é um cara muito próximo — e que vai acabar por plagiá-la. Recurso interessante e às vezes divertido é o papel de narradora onisciente feito por Rio (vide imagem acima): sempre que uma cena relatada pelas garotas é retratada, a roteirista aparece, gravador em punho, fazendo seus comentários e guiando a ação de maneira invisível para os demais personagens. As diversas faces de Ito acaba conquistando mais pelo bom encadeamento das personagens e seu quê metalinguístico do que pelo romance — e isso é muito bom porque esse é um dorama romântico que não cai no clichê de final feliz.

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K-drama

My Only Love Song (마이 온리 러브송; Mai Onri Leobeusong | 2017 | Netflix) — O que acontece quando uma estrela de novelas de época acaba caindo na época retratada em seus trabalhos? A resposta está nessa série produzida pela Netflix coreana em 20 episódios de cerca de meia hora. Como não se cansa de repetir, Song Soo-jung (Gong Seung-yeon) é a atriz mais famosa da Coreia. Especialista em dramas de época, ela se vê ameaçada por uma novata em ascensão enquanto atua como a princesa Pyunggang num castelo coreano. Irritada com a impertinência da recém-chegada, Soo-jung foge das gravações numa peruinha vermelha e branca usada pela produção e conhecida afetuosamente como Boong-Boong. Parecida com uma kombi, o veículo não a leva muito longe no espaço, mas perde-se no tempo… É assim que Soo-jung, ainda vestida com o figurino de época, cai em Gogureyo, um dos três reinos da Coreia do século VI. Lá, depois de ser presa e quase destruída, a kombosa vai ser confundida com uma ave mítica que irá resgatar uma princesa Pyunggang (Kim Yeon-seo), filha do rei Pyeongwon (que realmente existiu e é interpretado por Lee Yong-jik). Na prisão, a atriz conhece On-dal (Lee Jong-hyun), um malandro pobretão que faz de tudo por dinheiro (e figura folclórica da História da Coreia). Juntos, os dois partem numa jornada para recuperar o carro e sequestrar a princesa. Enquanto isso, descobrem que têm companhia: dormindo escondido nos fundos da van estava Byun Sam-yong (Lee Jae-jin), o preguiçoso assistente da Soo-jung.

On-Dal chocado com a voz feminina do GPS
On-Dal chocado com a voz feminina do GPS

Apaixonado por novelas de época, Sam-yong fica encantado com a Coreia antiga (e vai encantar algumas moças com seu charme tímido) mas entra em pânico quando percebe que voltar não vai ser fácil. Para que isso aconteça, On-dal terá que se casar com Pyunggang. Só que esse casamento vai ser um pouco complicado: a princesa fugitiva é pretendida pelo poderoso e vaidoso general Ko Il-yong (Park Joo-hyung) — tão vaidoso que chega a parecer gay em alguns momentos. Enquanto isso, a filha do rei descobre-se apaixonada por seu guarda-costas, Moo-myoung (Ahn Bo-hyun), um ninja tão silencioso que na verdade é mudo e On-dal apaixona-se por Nan-nyeon (nome que Soo-jung adota, como se fosse uma personagem). Em meio a essa embolação romântica (que por si só já seria divertida), há vários momentos cômicos causados pelos choques de cultura: objetos banais dos dias de hoje, como curativos, lanternas e isqueiros são vistos como quase mágicos e passam a ser cobiçados por On-dal, que só quer fazer dinheiro com eles e quase se apaixona pela moça do GPS da perua. Sem querer, Soo-jung acaba introduzindo um insulto moderno — brilhantemente traduzido como “zé-ruela” — que acaba virando uma forma de reverência entre a nobreza coreana. Por sua vez, Boong-Boong faz a típica TARDIS máquina do tempo, que é temperamental e some quando mais se precisa dela. Com um lindo par de casais de protagonistas além de cenários e figurinos belíssimos, My Only Love Song (ou Minha Canção de Amor) é de encher os olhos e rachar o bico. Olha só:

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