A rigor, todo pedaço de papel pode ser reutilizado, mas só depois de um processo de reciclagem que não é tão simples. Na China, cientistas inventaram um tipo de papel que pode ser facilmente impresso, apagado e reimpresso.
O primeiro mês do ano está só começando e é provável que você já esteja lidando com uma infinidade de papéis: das contas do fim do ano às guias de recolhimento de impostos como o IPVA passando pelas faturas do cartão de crédito (enviadas pelo banco ou impressas em casa), as listas de material escolar das crianças (se você as tiver, claro), a troca de agendas ou diários e as tradicionais contas de água e luz. Mesmo quando quiser apenas relaxar e esquecer os boletos e compromissos agendados, você ainda precisa de papel na forma de livros e revistas. Enfim, não é fácil fugir dos papéis.
Agora lembre-se que não é só você que depende dessa papelada toda no dia-a-dia. Mesmo com a digitalização da economia, a produção de papel continua a crescer — em 2016, por exemplo, foram feitas 18,77 milhões de toneladas de papel no Brasil, o que representa um aumento de 8,1% na produção, segundo o Valor Econômico. Tirando os livros e revistas — que ainda estão longe de serem superados por suas versões eletrônicas — a maioria da papelada nossa de cada dia é na verdade bem efêmera: suas contas pagas devem ser guardadas por alguns meses ou anos (dependendo do caso) enquanto a maioria dos impressos caseiros acaba na lata do lixo mais cedo ou mais tarde. Não seria mais econômico — e ecológico — poder reutilizar coisas como aquela lista de materiais escolares ou aquele boleto impresso em casa?
Atualmente, até dá pra fazer isso, mas você precisa separar o que quer reutilizar e mandar para uma central de reciclagem. Depois, você precisa comprar resmas de papel reciclado. Além do custo extra, você não vai, portanto, reutilizar o mesmíssimo papel que descartou. Além de usar o verso da folha, seria possível reutilizar o papel de maneira mais imediata e barata? Cientistas da China estudaram essa questão e parecem ter encontrado uma solução: um novo tipo de papel, que pode ser impresso, apagado e reimpresso várias vezes.
Esse é o resultado de uma pesquisa conduzida por pesquisadores das Universidades de Telecomunicações e Tecnológica de Nanjing. O que os cientistas chineses, liderados por Yun Ma, fizeram foi desenvolver uma combinação especial de papel e tinta — ou, se preferir, algo como um papel pré-impresso.
![Na ilustração, retirada do artigo em referência, é possível observar a representação esquemática do processo de impressão e apagamento do papel (acima) e a estrutura química dos aditivos acrescentados às folhas (abaixo).](https://media.springernature.com/lw900/springer-static/image/art%3A10.1038%2Fs41467-017-02452-w/MediaObjects/41467_2017_2452_Fig1_HTML.jpg)
O papel reinventado na China consiste num conjunto de camadas de polímeros que reagem com sais metálicos usados em tintas para produzir sete cores distintas. Conhecidas como terpidinas [vide estruturas no esquema acima], essas substâncias ligam-se (ou desligam-se) de íons metálicos como os de zinco, ferro e cobalto. Para imprimir nesse tipo de papel, basta uma impressora simples de jato-de-tinta — só que suas tintas devem ser feitas com os sais metálicos numa suspensão aquosa (ou MSAS, Metalic Salt Aqueous Solution). Também é possível usar esse tipo de tinta em canetas, o que tornaria reutilizáveis os papéis manuscritos.
Além da tinta iônica, cujas ligações podem ser facilmente rompidas, o que permite o múltiplo apagamento do papel impresso ou escrito é o TBAF (tetrabutylammonium fluoride ou fluoreto de tetrabutilamônio), um aditivo à base de flúor. Para apagar uma folha utilizada, basta colocá-la numa solução de TBAF e CH2Cl2 por cerca de cinco minutos. Depois de seca, a folha pode ser impressa novamente com as mesmas tintas à base de MSAS.
Em paper publicado na Nature Communications, Yun Ma e seus colaboradores descrevem a nova técnica de fabricação de papel e relatam que seu produto pode ser apagado e reimpresso até oito vezes. Levando em conta o número de vezes que cada folha pode ser reutilizada, os chineses estimam que a impressão com esse tipo de papel custaria cerca de 20% do método tradicional de impressão única. Além disso, Ma et al. propõem uma alternativa ainda mais barata, que usaria apenas água como tinta.
![Em (a) as quatro camadas que formam cada papel: são polímeros de proteção, uma é a camada ativa, que reage à tinta e outra é o papel em si. Em seguida apresentam-se exemplares de um desenho feito com canetinhas especiais (b), uma impressão em preto-e-branco (c) e uma colorida (d).](https://media.springernature.com/lw900/springer-static/image/art%3A10.1038%2Fs41467-017-02452-w/MediaObjects/41467_2017_2452_Fig3_HTML.jpg)
Aquarela na impressora
Esse outro tipo de papel apagável seria feito com várias camadas de um complexo sensível a zinco, que reflete a cor laranja. Embora só funcione com uma cor e seja visível apenas sob iluminação ultravioleta, os pesquisadores afirmam que esse protótipo serve como prova de conceito e pode ser aperfeiçoado futuramente. Seu apagamento é bem mais simples: basta aquecer o papel. Só que esse também é seu ponto fraco: em ambientes acima de 60º.C, como o interior de um carro num dia quente, por exemplo, a água impressa no papel evapora em meia hora. Sob condições mais controladas e amenas, a impressão mantém-se por alguns meses.
No entanto, nem tudo são flores no mundo do papel reutilizável. Embora o sistema multicolor pareça vibrante no começo, as cores vão desbotando e cada impressão dura no máximo seis meses. O método para apagar o papel impresso, que exige a imersão e secagem da folha pode ser mais simples que a reciclagem mas está longe de ser prático ou instantâneo. A durabilidade do sistema a base de água — que nos livraria das caríssimas tintas de impressora — ainda parece ser mais frágil do que a versão com tintas a base de sal metálico. Por outro lado, caso cada folha de papel realmente sobreviva a 8 impressões, isso significa que o mesmo papel pode ser usado durante 4 anos(!).
Ainda não há previsão para a produção em escala industrial desses novos tipos de papel pré-impressos, mas a pesquisa recém-publicada abre caminho para a concretização disso nos próximos anos. Os aperfeiçoamentos necessários, como a simplificação do processo de apagamento e a maior durabilidade e visibilidade da impressão à água, são teoricamente possíveis. Até lá, o melhor que podemos fazer é reutilizar papel à moda antiga: rabiscando no verso ou mandando tudo para o lixo reciclável.
Referência
Yun Ma et al. Dynamic metal-ligand coordination for multicolour and water-jet rewritable paper [Coordenação dinâmica de metal-ligante para papel reescrevível multicolorido e a jato-de-água]. Nature Communications (2017). DOI: 10.1038/s41467-017-02452-w
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