Por dentro da URSS: nas alturas

Cartaz publicitário da Aeroflot, a companhia aérea da URSS
Cartaz publicitário da Aeroflot, a companhia aérea da URSS

Voamos de Minsk [Bielorrússia] para Kiev [Ucrânia] através de nevada impenetrável e de neblina de gelo. A pista de Minsk estava delimitada com pequenas árvores de Natal enterradas de cada lado em duas longas filas na neve, assemelhando-se a vistosas e curvadas sentinelazinhas. Há tanta improvisação na Rússia; tanta coisa possui um encanto peculiar de amadorismo!…
Um homem grisalho, de cinquenta e poucos anos, usando um boné, estava sentado do lado oposto ao meu e pediu delicadamente para ver os meus óculos. Examinou com curiosidade as lentes grossas, e em seguida tirou do bolso uma pele de camurça, que cortou com cuidado pela metade, dando-me uma delas. “Excelente para limpar os óculos.” Este admirável homem era inspetor de fábricas, de Leningrado. Tal como quase todos os russos, começou a falar sobre livros e perguntou se eu já tivera notícias de Puchkin, Tolstoi e Yesenin. Respondi que certa vez conhecera a esposa de Yesenin, Isadora Duncan; e então, pegando um livro do colo da minha mulher, passei-o através do corredor sem outra explicação. Eram os Poemas Escolhidos de Puchkin, da Modern Library. Assim, ficamos amigos. — GUNTHER, John. A Rússia por dentro. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1959.  p. 447-8

Gunther parece ter feito outros amigos durante esse voo, entre os quais um mecânico moreno de Kiev; um afinador de pianos ruivo e tímido; e a aeromoça, fluente em francês. Embora tenham ficado desconfiados ao saber que ele era jornalista estrangeiro, a curiosidade foi mais forte e eles lhe cobriram de perguntas, como o que poderia ser adquirido por US$ 10 nos EUA (“Respondi dando uma longa e variada lista de comestíveis e outros artigos; esta foi recebida com incredulidade e certo desdém…”) e qual a bebida preferida dos americanos (ele tentou em vão explicar o que era a Coca-Cola e acabou dizendo que era uísque o que os americanos mais bebiam). Em certo ponto, o bate-papo chegou à questão das nacionalidades e ocupações de cada um:

Indaguei sobre suas nacionalidades. O afinador, com sua franja de cabelo vermelho, sem gravata nem colarinho, recolheu-se a um silêncio embaraçado; o mecânico respondeu por ele numa voz estrondosa: “Não tem nacionalidade, é judeu!” O tímido afinador de pianos corou. Perguntei quanto cada um ganhava. O de Leningrado, três mil rublos por mês; o afinador, mil; o mecânico, oitocentos. Este último acrescentou impulsivamente que sua mulher, vendedora numa sapataria, ganhava mil e duzentos, que o aluguel que pagavam era só de cinquenta rublos por mês, levando portanto uma vida confortável e próspera. Fazendo coro, a aeromoça declarou que ganhava mil e trezentos. Isso, desculpou-se, era uma grande soma – demasiado mesmo para uma jovem! Mas ela tinha salário alto porque conhecia francês e um pouco de inglês. — Idem, ibidem, pp. 448-9.

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