Memória Fotográfica: Julia Margaret Cameron

Sobrinha de Julia Cameron e uma das mais retratadas por ela, Julia Jackson viria a ser mãe de Virginia Woolf.
Sobrinha de Julia Cameron e uma das mais retratadas por ela, Julia Jackson viria a ser mãe de Virginia Woolf.

Lembrada hoje por retratos de celebridades como Charles Darwin, essa escritora e ilustradora anglo-indiana parece ter sido pioneira na técnica de close-up

“Dá um close!” era um dos bordões de Alberto Roberto, ator falastrão e um dos inúmeros personagens de Chico Anysio. E quando ele dizia isso, a imagem se aproximava dele, dando um zoom até enquadrar apenas o seu rosto. Do fotojornalismo às selfies, fotografar apenas o rosto de alguém é tarefa das mais banais hoje em dia. Se você tem o hábito de se retratar desse jeito, agradeça a Julia Margaret Cameron.

Nascida em 11 de junho de 1815 em Calcutá, na Índia, era filha de James Pattle (funcionário da Companhia das Índias Orientais) e Adeline de l’Etang (neta de um pajem de Maria Antonieta). Após estudar na França, retornou à Índia em 1838, quando se casou com Charles Hay Cameron. Jurista e dono de uma fazenda de café, Charles era 20 anos mais velho que Julia. Mesmo assim, eles tiveram uma família numerosa: além dos cinco filhos, criaram cinco filhos de parentes e Mary Ryan, uma menina tirada das ruas da Inglaterra.

Charles Hay Cameron em retrato feito pela esposa Julia Margaret em 1864.
Charles Hay Cameron em retrato feito pela esposa Julia Margaret em 1864.

Após a aposentadoria de Charles, Julia e sua família mudaram-se com ele para Londres em 1848. A partir daí, Julia começa a frequentar círculos artísticos e literários e passa a atuar como ilustradora e escritora. Em 1860, os Cameron visitam a propriedade do poeta Alfred Tennyson na ilha de Wight. Julia ficou tão encantada com o lugar que convenceu todo mundo a comprar a propriedade e se mudar para o lugar que ficou conhecido como Dimbola Lodge.

Alfred Tennyson por Julia Cameron em 1869
Alfred Tennyson por Julia Cameron em 1869

Foi neste cenário que teve início a aventura fotográfica de Mrs. Cameron. Em 1863, ao completar 48 anos, ela ganhou da filha uma câmera fotográfica. Depois de cerca de um ano lutando com o novo equipamento, ela conseguiu sua primeira imagem em 29 de janeiro de 1864.  Já nessa primeira foto bem-sucedida — retrato de uma de suas filhas —, nota-se uma das características que a tornariam célebre: o olhar íntimo, com foco no rosto do retratado. É um close, sem dúvida. Entusiasmada, Julia associa-se à Sociedade Fotográfica de Londres e passa a fazer retratos da família e de todo mundo que aparece em Dimbola.

Registrada em 29 de janeiro de 1864,
Registrada em 29 de janeiro de 1864, “Anne, my first sucess” é a mais antiga fotografia feita por Julia Cameron

Entre os frequentadores de Dimbola estavam figuras célebres como o astrônomo (e também pioneiro da fotografia) John Herschel [1792-1871], o poeta e dramaturgo Robert Browning [1812-1889], o pintor George Frederic Watts [1817-1904], a atriz Ellen Terry [1847-1928] e o já mencionado Alfred Tennyson [1809-1892], que continuou sendo vizinho dos Cameron. A foto mais famosa de Julia aparece em quase todos os livros de biologia — é o retrato de Charles Darwin [1809-1882].

John Herschel foi fotografado por Mrs. Cameron em 1867.
John Herschel foi fotografado por Mrs. Cameron em 1867.

Por serem de cunho mais ou menos íntimo, essas fotos de celebridades tiveram pouca repercussão na época. O que causou impacto — e alguma polêmica — foram outras criações de Julia Cameron. Enquanto os fotógrafos daquele tempo se esforçavam por registrar as imagens mais nítidas possíveis do presente, Julia viu na fotografia um meio de fazer recriações de eventos históricos, bíblicos ou ficcionais. Esse tipo de retrato — que Julia chamava de “ilustração fotográfica” — era intencionalmente feito com um foco mais suave, levemente desfocado mesmo, dando-lhe um ar mais subjetivo e onírico.

Ellen Terry, que se tornaria famosa como atriz shakespeariana, é a moça deste belo retrato feito em 1864.
Ellen Terry, que se tornaria famosa como atriz shakespeariana, é a moça deste belo retrato feito em 1864.

Depois de criar os figurinos, a cenografia, a pose e fazer o retrato, Julia fazia todo o processo de revelação e criava várias cópias de suas ilustrações fotográficas. Vendidas, imagens como a de sir Henry Taylor como o Rei Davi ou a despedida de Sir Lancelot da Rainha Guinevere tiveram ampla circulação e geraram polêmica. Para os colegas da sociedade fotográfica, aquilo era um mau uso da fotografia, que deveria representar apenas a realidade objetiva. Os colegas de seu círculo literário e artístico adoraram e passaram a encomendar imagens assim para ilustrar seus livros.

Study of King David (1866), uma das inúmeras ilustrações fotográficas de Julia Cameron.
Study of King David (1866), uma das inúmeras ilustrações fotográficas de Julia Cameron.

Indiferente à polêmica, Julia passou os últimos de sua vida como uma fotógrafa prolífica. Além dos retratos de gente famosa e das ilustrações fotográficas, ela também buscou usar a fotografia para registrar sentimentos como devoção, ternura e confiança. Suas fotografias só sobreviveram até nossos dias porque ela fez o registro de copyright e descreveu minuciosamente cada uma delas. Assim, ela também garantiu sua autoria. Nem todas as suas imagens, porém, sobreviveram. Em 1875, Julia se mudou com a família para o Ceilão. Ela levou sua máquina fotográfica mas foi deixando de praticar a fotografia ao encontrar dificuldades para encontrar tudo o que tinha na Inglaterra: material fotográfico, substâncias químicas para a revelação e personagens interessantes para retratar. Embora sejam mencionadas em cartas, as fotos desse período acabaram se perdendo.

Lancelot despedindo-se de Guinevere (1874). Inspiradas em episódios ficcionais, históricos ou bíblicos, imagens como essa foram mal vistas pelos fotógrafos e adoradas pelos artistas da época.
Lancelot despedindo-se de Guinevere (1874). Inspiradas em episódios ficcionais, históricos ou bíblicos, imagens como essa foram mal vistas pelos fotógrafos e adoradas pelos artistas da época.

Julia Margaret Cameron faleceu em 1879, após uma breve doença pulmonar. Esquecido após o período vitoriano, seu copioso trabalho fotográfico seria redescoberto e amplamente estudado a partir de meados do século XX. Sua obra já foi exposta diversas vezes em museus britânicos, norte-americanos, canadenses, australianos e japoneses. Uma galeria virtual com quase uma centena de suas fotos pode ser vista aqui.

Curiosamente, existem poucas fotos da própria Julia Margaret Cameron.  Esta é uma delas, feita por seu filho Henry em 1870.
Curiosamente, existem poucas fotos da própria Julia Margaret Cameron. Esta é uma delas, feita por seu filho Henry em 1870.

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