Baseado em Hong Kong, Afong é considerado o mais importante fotógrafo chinês do século XIX
Porto situado no Rio das Pérolas, não muito longe de Macau e Cantão — ocupadas por mercadores portugueses desde o século XVI —, Hong Kong teve um papel secundário até se tornar alvo dos ingleses durante a Guerra do Ópio (1839-1842) e ao longo dos anos passaria de entreposto comercial a colônia inglesa encravada na costa chinesa.
Essa situação híbrida facilitou trocas nos dois sentidos. Os britânicos e europeus levavam itens como ópio e chá, mas também traziam modernidades como a fotografia. Assim, é natural que o primeiro fotógrafo chinês tivesse nascido em Hong Kong. Seu nome era 黎芳 e, entre as diversas grafias ocidentalizadas da época, ele escolheu assinar Lai Afong.
Afong nasceu por volta de 1839, no distrito de Gaoming, atualmente parte da cidade de Foshan, em território da China. No fim dos anos 1850, ele estabeleceu-se em Hong Kong, onde passou a atuar como fotógrafo. Não se sabe exatamente quando ele foi treinado nem por quem — provavelmente algum profissional itinerante estrangeiro — mas os primeiros registros de seu estúdio datam de 1859.
Nas décadas seguintes, Lai Afong realiza um extenso trabalho fotográfico. Por atuar numa cidade portuária, seu principal ganha-pão eram as carte-de-visite, pequenos retratos feitos rapidamente para viajantes, tripulantes de navios e representantes comerciais estrangeiros. Como o nome indica, era o equivalente fotográfico do cartão de visitas e um tipo de imagem muito comum até fins do século XIX.
Entretanto, Afong não se restringia aos serviços em estúdio. Ele também fotografou ambientes externos sob encomenda, como jardins de gente rica, templos e áreas comerciais. Muitas de suas imagens também retratam figuras tipicamente chinesas: os jovens coolies (trabalhadores braçais do porto, carregadores do comércio, etc), cortesãs da nobreza local, negociantes, cabelereiros, fumadores de ópio e mulheres em trajes típicos.
Nos anos 1860 e 1870, Afong também viaja pelo interior do país, passando por áreas onde provavelmente foi o primeiro fotógrafo. Essas viagens renderam alguns álbuns, como Fotografias de Pequim e seu entorno, Imagens relacionadas a Shangai e outras cidades chinesas e Povos e vistas da China.
No fim do século XIX, ele sossega e fica meio aposentado. Não deixa de fotografar, mas passa seu negócio para um sobrinho em 1890. Sua atividade fotográfica declina até parar por volta de 1900, quando parece ter falecido. Seu Afong Studio, àquela altura o mais antigo e prestigiado de Hong Kong, seria administrado pelo sobrinho até fechar as portas no início dos anos 1940.
Atualmente a maior parte da prolífica produção de Lai Afong está nas mãos de Stephen Lowentheil, antiquário e colecionador nova-iorquino. Em fevereiro deste ano, Afong teve sua obra exposta pela primeira vez graças a um acordo entre o colecionador e a Cornell University. Apesar disso, é possível apreciar as fotos de Afong online: a Wikimidia, de onde tiramos as imagens que ilustram este artigo, tem mais de 150 fotos do pioneiro chinês.