Capítulo 3

Sobre o período de incubação da doença e suas relações com a quarentena

p.34-38

Quem é o Coronavírus? Sintomas, prevenção e diagnóstico

10 de abril de 2020
Ana de Medeiros Arnt

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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro e Maurílio Bonora Junior.
Edição e arte: Carolina Frandsen P. Costa

A doença da COVID-19 vem nos impondo uma série de desafios cotidianos. Para nós, no sentido individual, já temos percebido que a doença no Brasil não são apenas números que se somam dia a dia. Já são nomes de conhecidos, amigos e familiares que viram estatística, ou não – dependendo da gravidade dos sintomas e se é necessário hospitalização. Nos casos mais severos, acompanhamos apreensivos internações e, muitas vezes e infelizmente, a despedida de longe dessas pessoas – por medidas sanitárias.

Semana epidemiológica #15

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Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

114 óbitos registrados no dia (1.073 ao todo)

Por outro lado, cientificamente, temos tentado compreender a doença em uma velocidade recorde, sem o tempo comum para revisar estudos e debatê-los com colegas da nossa área.

Período de incubação, o que é isso?

Um dos artigos que nos chegou às mãos recentemente [1], aponta que “Nosso entendimento atual do período de incubação do COVID-19 é limitado”. Este estudo analisou o contágio e aparecimento de sintomas de 181 pessoas com infecção confirmada para SARS-CoV-2, ou também conhecido como Novo Coronavírus, antes de 24 de fevereiro deste ano, fora da província de Wuhan (China).

O período de incubação é o tempo entre o momento em que alguém se infecta pela doença, até o patógeno iniciar sua replicação (e a pessoa tornar-se infecciosa também). No caso da COVID-19, o período de incubação em média é de 5,1 dias.

Mas este período varia! Segundo a Organização Mundial da Saúde, o período de incubação da COVID-19 ocorre entre 1 e 14 dias. Este estudo, publicado por Lauer e colegas, mostrou que 2,5% das pessoas analisadas apresentaram sintomas em 2,2 dias após a infecção pelo vírus e 97,5% das pessoas apresentam sintomas em 11,5 dias.

Qual a relevância deste debate para o combate à transmissão da doença?

Em geral, ao apresentar os sintomas da doença, o que temos chamado de estar sintomático, é associado à transmissão do patógeno (neste caso o vírus SARS-CoV-2). Entretanto, com as evidências mais recentes de transmissão do novo Coronavírus por pessoas levemente sintomáticas e, até mesmo, assintomáticas, foi possível observar que o período de incubação pode ser menor que o período de incubação estimado nos estudos. E isto tem implicações importantes tanto para a dinâmica de transmissão da doença, quanto para a implementação de estratégias de contenção de seu espalhamento na sociedade.

Se formos compreender que a partir do dia 1 de infecção (isto é: algumas horas após termos sido expostos ao vírus) nós já estamos, potencialmente, transmitindo esta doença até 15 dias após esta exposição, a projeção de isolamento preventivo seria 15 dias, no mínimo.

Como assim, 15 dias no mínimo?

Sim. Considerando, por exemplo, que eu me infectei hoje, dia 10 de abril, e em 15 dias eu não apresentei qualquer sintoma, tudo indicaria que eu passei do período de incubação e, não serei mais um agente transmissor do vírus a partir do dia 25 de abril (aproximadamente e de acordo com o que temos de dados neste momento).

Todavia, a partir do primeiro sintoma – mesmo que muito leve – este tempo de isolamento precisa se prolongar a contar do primeiro dia de aparecimento do sintoma. Alguns estudos apontam evidências, por exemplo, de carga viral alta e um longo período de eliminação do vírus, em pacientes que apresentam sintomas críticos da COVID-19 por muitos dias após início do tratamento da doença (estes são os pacientes que precisam de internação hospitalar com tratamento em UTIs).

De modo geral, a fase infecciosa se prolonga, para aquelas pessoas que demonstram sintomas, até (no mínimo) 7 dias após o aparecimento do primeiro sintoma e (conjuntamente) 3 dias após cessarem a febre e mais algum sintoma que esteja ocorrendo (coriza, tosse, espirros, falta de ar, dor de cabeça…). O mais prudente, portanto, seria o isolamento total durante esta fase.

Sobre isolamento social e espacial: qual a relevância disto?

Já falamos em alguns textos anteriores e seguiremos apontando esta medida como a principal ferramenta de estancar a transmissão da doença COVID-19! Os estudos sobre a transmissão e o período de incubação apresentados neste texto nos mostram que a transmissibilidade do vírus pode iniciar-se muito brevemente após a infecção e varia entre as pessoas infectadas.

Estes estudos também apontam que a pessoa infectada segue contagiando outras pessoas por vários dias após os sintomas desaparecerem. Considerando que cerca de 85% das pessoas infectadas apresentam nenhum sintoma, ou sintomas muito leves (muitas vezes não sendo contabilizadas em países que não estão realizando testes em massa), não sabemos quando ou se fomos infectados. Mas neste caso podemos estar espalhando o vírus mesmo assim!

Dessa forma, o isolamento social e espacial é a medida mais segura, uma vez que prevê que tenhamos pouco contato entre pessoas, diminuindo a possibilidade de nos contagiarmos e contagiarmos outras pessoas.

Dessa forma, o isolamento social e espacial é a medida mais segura, uma vez que prevê que tenhamos pouco contato entre pessoas, diminuindo a possibilidade de nos contagiarmos e contagiarmos outras pessoas.

Infelizmente, o tempo de isolamento é longo e, sim, têm impactos na nossa vida psicológica, financeira e afetiva. Mas não existe outro modo seguro de minimizar os efeitos da disseminação do Coronavírus na sociedade enquanto não entendermos melhor os outros aspectos desse vírus. Nosso contato com objetos contaminados e não desinfetados, ou com outras pessoas que estejam infectadas – mesmo sem apresentar sintomas e ou adoecimento aparentes – é a maneira mais rápida do espalhamento do vírus.

Nota dos Editores:

Em outubro de 2021, o consenso científico indica que a transmissão pessoa a pessoa, via aerossóis é muito mais provável do que via objetos e superfícies contaminados.

 Infelizmente, o tempo de isolamento é longo e, sim, têm impactos na nossa vida psicológica, financeira e afetiva. Mas não existe outro modo seguro de minimizar os efeitos da disseminação do Coronavírus na sociedade enquanto não entendermos melhor os outros aspectos desse vírus.

Mais uma vez: fique em casa

Não cansaremos de falar isto: fique em casa se você puder, diminua a sua exposição em espaços públicos, não visite, cumprimente, beije ou abrace pessoas – especialmente aquelas que não estão cumprindo o isolamento social.

Se for possível, em sua casa, tente não compartilhar objetos como pratos e talheres. Se você mora com mais pessoas e precisa sair, tome todas as precauções já indicadas em nossas redes sociais para manter as pessoas de sua casa sem contaminação também. 

PARA SABER MAIS ↪

 

  1. Lauer, Stephen A., Kyra H. Grantz, Qifang Bi, Forrest K. Jones, Qulu Zheng, Hannah R. Meredith, Andrew S. Azman, Nicholas G. Reich, and Justin Lessler. The incubation period of coronavirus disease 2019 (COVID-19) from publicly reported confirmed cases: estimation and application. Annals of internal medicine 172, no. 9, 577-582, 2020 Disponível em: https://doi.org/10.7326/M20-0504
  2. Li, Ruiyun, Sen Pei, Bin Chen, Yimeng Song, Tao Zhang, Wan Yang, and Jeffrey Shaman. Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV-2). Science 368, no. 6490, 489-493, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1126/science.abb3221
  3. Liu, Yang, Li-Meng Yan, Lagen Wan, Tian-Xin Xiang, Aiping Le, Jia-Ming Liu, Malik Peiris, Leo LM Poon, and Wei Zhang. Viral dynamics in mild and severe cases of COVID-19. The Lancet infectious diseases 20, no. 6, 656-657, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30232-2

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