20 de março de 2020
Ana de Medeiros Arnt e Rafaela da Rosa Ribeiro
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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Edição e arte: Carolina Frandsen P. Costa
VERSÃO ANA ARNT DO FIM DE FEVEREIRO…
Enquanto estava viajando para um canto aqui na América do Sul nas minhas férias, eu acompanhava a situação do Corona, à distância. Tentava entender a gravidade da situação pelos jornais, entre alarmismos e uma calma latente (“mas a letalidade não é baixa?” Pensava eu…). Entre um café e outro, uma trilha aqui, uma parada em um lugar com internet ali, eu buscava acompanhar as notícias sem um empenho dantesco…
Semana epidemiológica #12
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
4 óbitos registrados no dia (11 ao todo)
Por outro lado, eu conversava com a Rafaela quase todos os dias! Mensagens bobas, sabe? De saudades, felicidade pela projeção da amiga na pesquisa, pelas fotos bonitas em redes sociais… Estas coisas que parecem, para muitos, fúteis e mundanas (e são mesmo, em muitos níveis!). Entre relatos de pesquisa e novidades de laboratórios, conversas comuns de amigas que, mesmo distante, seguem em contato.
Desde que pensamos em montar esta série de textos, olhando para trás, fizemos uma retrospectiva, que apresentamos hoje, a partir da narrativa e perspectiva dela, na Itália:
Nota dos Editores:
Na seção de agradecimentos, apontamos os principais grupos que nos acompanharam nesta trajetória, bem como toda a equipe do projeto Blogs de Ciência da Unicamp.
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Uma das grandes dificuldades de tudo o que está acontecendo é que estamos aprendendo enquanto a doença se desenvolve. E por ser uma doença que avança muito rápido na sociedade, em números, o quão severo era o problema e as razões de considerarmos severo, foram mudando (o que é bem normal no trabalho científico). A grande questão era: nós mudávamos nossa postura frente a tudo o que ocorria, literalmente, da noite para o dia!
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Diário de uma pesquisadora na Itália:
- Quando o vírus começou a aparecer na China, estávamos de olho. O grupo de pesquisa que eu participo estudou a primeira epidemia de SARS, em 2003, é normal acompanhar casos semelhantes e estar sempre atento.
- O vírus chega na Itália! Um casal chinês que estava em Wuhan vem para cá, nós monitoramos a situação… Mas até este momento, nem imaginávamos o que estava por vir.
Passam-se algumas semanas. Chega a notícia do paciente número 1, que não teve contato com alguém que esteve na China, nem ninguém infectado. Como assim?! De que forma isso poderia ter escapado do nosso radar? - Não há como não elaborar, no susto, teorias da conspiração diversas. Porém, hoje, sabemos que, em razoável silêncio, o vírus já estava em circulação comunitária.
- Segundo a OMS, os pacientes que se encaixavam como suspeitos do Corona teriam que ter contato com pessoas que vieram de países com a doença, além dos sintomas. O paciente 1 não esteve em contato com alguém que estivera nos países de risco… A Itália, assim, descartou o paciente número 1.
- Enquanto isso, no nosso laboratório, muita conversa, um pouco de piada, análises de textos e informações. Uma leveza extrema, as conversas fluíam entre análises.
- De repente, opa! Em um piscar de olhos: o número de casos aumenta! De um dia pro outro, dobram! Como assim?
- Carnaval chegou. Sim a doença estava aparecendo, mas estava tudo bem, estávamos monitorando e aprendendo sobre tudo o que ocorria. Eu, particularmente, fui à Veneza com a minha máscara (lindíssima, inclusive!). Está tudo tranquilo, posto fotos em redes sociais, converso com amigos do Brasil, que também estão no carnaval… Porém…
- Onze cidades fecham!Carnaval cancelado! Isso mesmo: CANCELADO! Lockdown! O carnaval acabou no meio da praça. Simples assim: em um segundo eu estou de máscara, plena, rindo. No outro, a medida de conter o coronavírus é anunciada pelo microfone no meio da festa na rua.
- Medo. Sim, não há outro modo de dizer. Eu estou em pânico de ficar presa em Veneza! Corro. Suspendo o resto da reserva do hotel, pego o trem e volto pra casa. Enquanto isso, uma amiga brasileira que está comigo, acha melhor ir pro Sul, porque lá a situação tá mais tranquila.
- Volto para Milão, a vida parece normal no Norte, menos pânico que em Veneza (Ufa!!! Que bom!!). Lá tinha um caso confirmado (Deus me dibre de ficar lá presa, sozinha). Em Milão, ainda não há casos confirmados.
- Dias depois, o medo vai dominando a mídia. Mil indicações de álcool em gel a todo instante. Eu acalmo meus amigos do Brasil que perguntam, falo que devem se preocupar com a Dengue e outras doenças tropicais. “Calma, tá tudo certo, tem um certo exagero no ar”, eu dizia. Mas enquanto isso…
- Eu começo a mastigar artigos e relatórios da OMS, tanto para debater no grupo de pesquisa, quanto para discutir com as minhas amigas na Itália como poderíamos viver aquele momento. Quase numa tentativa de não assumir que a gente tinha que ficar em casa mesmo! Eu ainda comento com algumas amigas brasileiras que tenho dúvidas se devo voltar ou não. É tudo muito incerto, sabe?
- Minha amiga, que tinha ido para o sul? Fui visitá-la e logo após ela consegue pegar o último voo da Latam Itália-Brasil.
- Ah pronto! Bloquearam o Norte! Eu fiquei pra trás…
- Mas, ao mesmo tempo… Ainda dava para ir trabalhar, ir em restaurante… Eu usava álcool em gel e mantinha um metro de distância, como recomendado. Uma pena não conseguir mais ir visitar o lago. Sigo lendo os artigos, seguimos tentando entender tudo e debatendo a situação no laboratório.
- Dois dias depois, é anunciado o fechamento completo da Itália. Um dia depois é anunciado o fechamento de todo o comércio, só ficando aberto farmácias e mercados.
- O número de mortos aumenta, os médicos são infectados, faltam médicos para tratar as pessoas. O caos chegou enfim. A gente parou! De novo: A GENTE PAROU!
Enquanto isso, na ponte Brasil-Itália das redes sociais…
A Rafa estava sã e salva em casa, mas sem ver pessoas, isolada no seu apartamento, lendo artigos sem parar e nos atualizando da situação, da gravidade dos números, das escalas de trabalho no laboratório e de como, aqui no Brasil, deveríamos proceder. E nessa altura, Rafa era sim, bem enfática nas recomendações de que não era um exagero e tudo aqui ia fechar também!
Já a Ana Arnt estava voltando às aulas depois das férias, questionando internamente se a amiga não estava exagerando, tentando ler relatórios internacionais e acompanhar os desdobramentos dos casos brasileiros, que já começavam a pipocar nos noticiários, redes sociais, canais de divulgação científica.
Pois bem, mal começou as aulas na Unicamp e: paramos! Segunda semana letiva, 15 minutos antes da reunião do Grupo de Pesquisa do PEmCie acontecer, veio a mensagem oficial. Logo após, tive aula na Pós-graduação. Enquanto isso a Rafaela já dizia no grupo que era isso mesmo, sem exagero, a gente tinha que parar!
Por que isso está nesta série sobre o coronavírus?
Uma das grandes dificuldades de tudo o que está acontecendo é que estamos aprendendo enquanto a doença se desenvolve. E por ser uma doença que avança muito rápido na sociedade, em números, o quão severo era o problema e as razões de considerarmos severo, foram mudando (o que é bem normal no trabalho científico). A grande questão era: nós mudávamos nossa postura frente a tudo o que ocorria, literalmente, da noite para o dia!
Grande parte do aprendizado, além disso, vinha (e ainda vem) de artigos recém-publicados e de relatórios da OMS, sem tempo para debater com nossos colegas. Estamos aprendendo, estudando e divulgando o que sabemos, com um tempo muito curto – e isso não é exatamente o mais comum do dia a dia na Divulgação Científica e na produção científica… Mas vamos ao cerne da questão: Parar ou não parar?
Mais uma vez: fique em casa
Não cansaremos de falar isto: fique em casa se você puder, diminua a sua exposição em espaços públicos, não visite, cumprimente, beije ou abrace pessoas – especialmente aquelas que não estão cumprindo o isolamento social.
Se for possível, em sua casa, tente não compartilhar objetos como pratos e talheres. Se você mora com mais pessoas e precisa sair, tome todas as precauções já indicadas em nossas redes sociais para manter as pessoas de sua casa sem contaminação também. ■
PARA SABER MAIS ↪
- Vídeo em que Italianos falam para “o eles mesmos do passado” – 10 dias atrás.
- Entrevista de Rafaela Rosa-Ribeiro no jornal Estado de São Paulo
Outros materiais:
CANAIS OFICIAIS BRASIL e MUNDO
- Organização Mundial da Saúde
- Associação Brasileira de Saúde Coletiva
- Central of Disease Control and Prevention
JORNAIS
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