23 de março de 2020
Gisele Silvestre da Silva
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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Edição: Maurílio Bonora Junior e Carolina Frandsen P. Costa
Arte: Carolina Frandsen P. Costa
À luz do atual surto de um novo coronavírus (SARS-CoV-2), o Blog Quimikinha gostaria de compartilhar um breve histórico sobre a família coronavírus e sua estrutura macroscópica, destacando uma importante proteína que está envolvida no processo de infecção viral. Por último, vamos falar sobre pesquisa e desenvolvimento de agentes terapêuticos e vacinas para a COVID-19 e doenças relacionadas ao coronavírus humano.
Semana epidemiológica #13
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
9 óbitos registrados no dia (34 ao todo)
Este texto tem como objetivo fornecer uma breve visão geral das importantes contribuições da química no desenvolvimento de fármacos para o tratamento da COVID-19. Como sabemos, a química tem um papel fundamental a desempenhar na compreensão de tudo, desde a estrutura viral à patogênese, isolamento de vacinas e terapias, bem como no desenvolvimento de materiais e técnicas utilizadas por pesquisadores, virologistas e médicos [1].
Família coronavírus
O coronavírus (CoV) é uma grande família de vírus, que causam doenças que variam do resfriado comum, às doenças mais graves. Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde nomeou a doença viral que se espalhou pelo mundo de
Nota dos Editores:
Apesar da confusão, o nome da doença é “Doença do Coronavírus de 2019” (Coronavirus Disease 2019)
Estrutura básica do coronavírus
Na sua superfície, o vírus contém importantes proteínas. Estas macromoléculas se encontram incorporadas na bicapa lipídica da superfície do vírus.
Dentre as macromoléculas, se destaca a
Neste vídeo, produzido pelo grupo Biosolution, observa-se uma visão tridimensional do coronavírus, destacando sua constituição. Além disso, ele contém uma imagem do microscópio eletrônico de transmissão que mostra o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19, isolado de um paciente infectado.
Nota dos Editores:
O nome da proteína Spike tem sido traduzido para o português como “espinho” ou “espícula”. Mas muitos se referem a ela simplesmente como “proteína S”.
Adiante, vamos falar um pouco mais sobre como a estrutura da proteína Spike do coronavírus tem papel fundamental no processo de contaminação celular.
Proteína Spike – presente de grego
A proteína Spike do SARS-CoV-2 é a responsável pelo nome característico do vírus, tal como vimos anteriormente, por causa da sua forma similar a um espinho, que confere um formato de coroa ao contorno do vírus. De forma bem resumida, a proteína Spike do coronavírus é uma máquina molecular multifuncional, que medeia a entrada de coronavírus nas células hospedeiras. Dessa forma, os mecanismos de entrada nas células são orquestrados por essa proteína, que tem a capacidade de ligar-se aos receptores celulares e, também, medeiam as fusões da membrana célula-vírus.
Entre todas as proteínas estruturais do SARS-CoV, a proteína Spike é o principal componente antigênico responsável por induzir uma resposta imune duradoura no hospedeiro, levando a produção de anticorpos neutralizantes e células de memória. Portanto, a proteína Spike do SARS-CoV tem papéis fundamentais na infecção viral e patogênese. Na sequência, um vídeo ilustrativo mostra como o vírus invade a célula ao ligar-se ao receptor que se encontra na superfície da sua camada lipídica.
Uma vez ligado ao receptor celular, o vírus entra na célula na forma facilitada e, portanto, protegido pelo sistema imunológico no interior da célula humana. É como se fosse um presente de grego. O receptor não entendeu que abriu a porta e colocou para dentro da célula um invasor.
Agora, dentro da célula, o vírus é livre para se replicar e liberar novas partículas virais de SARS-CoV-2 totalmente funcionais que repetem exponencialmente o ciclo. A estratégia mais comum adotada pelos pesquisadores é um ativo químico que possa interromper essa entrada celular e, dessa forma neutralizar o vírus, deixando-o acessível e vulnerável ao sistema imunológico humano. Portanto, a ideia geral no desenvolvimento de fármaco direcionado a COVID-19 é impedir a ação dessa importante proteína viral [4].
Para que a estratégia de impedir a entrada do vírus dentro da célula tenha sucesso faz-se necessário conhecer as estruturas da proteína Spike e dos receptores. É a magnitude das interações químicas que ocorrem entre as partes envolvidas do receptor celular e do coronavírus que ditarão o sucesso dessa jornada na busca de novos medicamentos. Nesse contexto, a estrutura da glicoproteína Spike (S) de SARS-CoV-2 revela a arquitetura do principal agente de entrada viral nas células hospedeiras, ao mesmo tempo que fornece o desenho do futuro fármaco.
Pesquisa e desenvolvimento de agentes químicos para o coronavírus
Indo direto ao ponto, não existem fármacos para o tratamento de pacientes com COVID-19.
O fato é que neste momento não há, no mercado,
Nota dos Editores:
Atualmente já existem alguns medicamentos aprovados para COVID-19, entre eles antivirais e anticorpos monoclonais. Contudo, tais fármacos ainda são caros, de difícil acesso, e tem sido usados, principalmente, em casos mais graves e em ambiente hospitalar.
Além disso, a primeira vacina para uso contra a COVID-19 foi aprovada no final do ano de 2020, posteriormente à publicação do texto original.
Reposicionamento de fármacos
Dado o longo processo de desenvolvimento de novos medicamentos, a estratégia de reaproveitamento de medicamentos tornou-se uma das soluções escolhidas para o tratamento imediato de indivíduos infectados com SARS-CoV-2.
O reposicionamento ou reaproveitamento de medicamentos é uma abordagem para acelerar o processo de descoberta de medicamentos através da identificação de um novo uso clínico de um medicamento existente aprovado para uma indicação diferente. Nesse contexto, dentre alguns fármacos já conhecidos que são candidatos a tratar o COVID-19 tem-se o
Nota dos Editores:
Atualmente, foi demonstrado que a cloroquinona (ou cloroquina) e lopinavir não possuem qualquer eficácia na melhora da COVID-19, tendo sido descartados como formas de tratamento. O remdesivir foi o primeiro medicamento aprovado para o tratamento da COVID-19. Quanto ao arbidol, ainda estão sendo feitos estudos.
Cloroquina
Pesquisadores na França
Nota dos Editores:
Este artigo foi retratado e o retiramos das referências. Ressaltamos que não há qualquer fundamento científico para uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para COVID-19.
Ribavirina
A ribavirina é um medicamento antiviral aprovado pelo FDA, que é usado em combinação com outros medicamentos para o tratamento da infecção crônica pelo vírus da hepatite C e febres hemorrágicas virais. Produzindo uma atividade de amplo espectro contra vários vírus de RNA e DNA, a ribavirina é um nucleosídeo sintético de guanosina que interfere na síntese de mRNA viral. Atualmente, estudos recentes sugerem que a ribavirina em combinação com interferon ou lopinavir/ritonavir poderia ser eficaz para tratar a infecção por COVID-19 [5].
Lopinavir
Atualmente, pelo menos nove ensaios clínicos sobre lopinavir/ritonavir estão em andamento na China. O resultado inicial sugeriu que o lopinavir e o ritonavir mostram atividade estimulante anti-COVID-19 in vivo, mas com efeitos colaterais intestinais [1]. No entanto, estudo em pacientes adultos hospitalizados com COVID-19 em seu estágio grave não demonstrou nenhum benefício significativo [8]. Adicionalmente, uma dose fixa da combinação anti-HIV, lopinavir-ritonavir, está atualmente em ensaios clínicos com arbidol ou ribavirina [5].
Arbidol
O medicamento antiviral de amplo espectro arbidol, que funciona como um inibidor da fusão de células hospedeiras de vírus, entrou em um ensaio clínico para tratamento de SARS-CoV-2. O arbidol é capaz de impedir a entrada viral nas células hospedeiras contra o vírus influenza [5]. Será que o arbidol vai funcionar para o tratamento da COVID-19?
Desenvolvimento de vacina
É crucial o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes para controlar a pandemia de COVID-19, eliminar sua propagação e, finalmente, impedir sua recorrência futura. Como o vírus SARS-CoV-2 compartilha homologia de sequência significativa com outros dois coronavírus letais, SARS-CoV-1 e MERS-CoV, as vacinas identificadas nessas patentes relacionadas aos vírus SARS e MERS poderiam facilitar o projeto de vacinas anti-SARS-CoV-2 [5].
A primeira dose da vacina contra o coronavírus denominada mRNA-1273 [5], desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) e pela equipe de pesquisa de doenças infecciosas da Moderna, foi administrada ao primeiro participante do estudo de Fase 1 em 16 de março de 2020. A vacina de mRNA se baseia em moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico. A ideia é que a defesa do organismo reconheça essas proteínas artificiais como um corpo estranho, levando o corpo a combatê-lo. Se der certo, na presença do coronavírus, a célula terá desenvolvido a habilidade de identificar e combater o vírus real.
À luz do exposto, nota-se um esforço conjunto para desenvolver medicamentos e vacinas eficazes contra infecções de coronavírus existentes, futuros potenciais e outros surtos de vírus altamente patogênicos, a fim de reduzir os impactos na vida humana e nos sistemas de saúde em todo o mundo. Dado o processo oneroso e árduo envolvido no desenvolvimento clínico de medicamentos, o surto de COVID-19 destaca o valor do desenvolvimento de medicamentos antivirais de amplo espectro e a importância de aplicar abordagens inovadoras, como inteligência artificial, para facilitar a descoberta de medicamentos.
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Nesse momento, somos todos responsáveis pelo avanço da infecção do coronavírus. Fiquem em casa e evitem a transmissão do vírus!
“
Mapa de coronavírus
A
Nota dos Editores:
Estes números referem-se à publicação original em 23 de março de 2020. Na data de 13 de outubro de 2021, este número atualizado é de mais de 238 milhões de casos e mais de 4 milhões e 800 mil mortes, no mundo inteiro.
PARA SABER MAIS ↪
- ACS Publication. Chemistry in Coronavirus Research: A Free to Read Collection from the American Chemical Society. Disponível em: https://pubs.acs.org/page/vi/chemistry_coronavirus_research#
- Liu, Wei, Hai-Liang Zhu, and Yongtao Duan. Effective chemicals against novel coronavirus (COVID-19) in China. Current topics in medicinal chemistry 20, no. 8, 603-605, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.2174/1568026620999200305145032
- ESFR. Structural view of coronavirus cell entry and neutralisation. 2020. Disponível em: http://www.esrf.eu/UsersAndScience/Publications/Highlights/2012/sb/sb7
- Walls, Alexandra C., Young-Jun Park, M. Alejandra Tortorici, Abigail Wall, Andrew T. McGuire, and David Veesler. Structure, function, and antigenicity of the SARS-CoV-2 spike glycoprotein. Cell 181, no. 2, 281-292, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.058
- Liu, Cynthia, Qiongqiong Zhou, Yingzhu Li, Linda V. Garner, Steve P. Watkins, Linda J. Carter, Jeffrey Smoot et al. Research and development on therapeutic agents and vaccines for COVID-19 and related human coronavirus diseases. 315-331, 2020. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1021%2Facscentsci.0c00272
- Nota dos Editores: este artigo foi retratado e, portanto, retirado das referências finais.
- Kupferschmidt, Kai, and Jon Cohen. WHO launches global megatrial of the four most promising coronavirus treatments. Science 22, 58, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1126/science.abb8497
- Cao, Bin, Yeming Wang, Danning Wen, Wen Liu, Jingli Wang, Guohui Fan, Lianguo Ruan et al. A trial of lopinavir–ritonavir in adults hospitalized with severe COVID-19. New England Journal of Medicine, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001282