engenheira agrônoma, mestre e doutora em genética e biologia molecular e especialista em jornalismo científico. Hoje faz pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências em Israel.
Para dar o tom: “Laranja Madura”, de Ataulfo Alves
Rehovot é uma cidade de médio porte, localizada à 20 Km ao sul de Tel Aviv, e foi fundada em 1890 pelos primeiros colonos judeus. No brasão vê-se uma laranja, um microscópio e um livro representando os citros, a ciência e o espírito. Os três itens me chamaram a atenção nos primeiros dias na cidade, mesmo antes de saber o significado deles para a região.
ויקרא שמה רחובות כי הרחיב הי לנו
Apesar de industrial e tecnológica, a cidade foi no passado um polo agrícola, batizada por uma passagem bíblica em que Isaac, filho de Sara e Abraão, e seus homens chamam “Rehobot” o local onde abriram o terceiro poço sem causar conflito com locais, “porque agora, disse ele, o Senhor nos pôs ao largo, e prosperaremos na terra” (Gênesis 26:22).
Em 1904, Zalman Minkov, judeu polonês, compra as terras de um cristão árabe e transforma os vinhedos de árvores improdutivas em pomares de laranja. Com uma estação de trem, infraestrutura para exportação e a chegada de novos colonos judeus iemenitas, russos e etíopes, os laranjais se expandem e geram riquezas. Mais tarde, com a mecanização e a competição internacional, os pomares perdem a importância.
Hoje, pés da laranja “limta“, com frutos perfeitamente redondos, amarelos e amargos, enfeitam as ruas da cidade e as praças mantendo o passado vivo na memória. As oliveiras também são frequentes e me encanta as flores, ervas e plantas aromáticas que brotam nas varandas, sacadas e quintais. Caminhando pelas ruas, me pego bisbilhotando dentro das casas e apartamentos. A quantidade de plantas mantidas no interior também impressiona.
O cultivo das plantas é toda uma ciência. Além do Instituto Weizmann de Ciências, a cidade abriga o campus de agricultura, nutrição e medicina veterinária da Universidade Hebraica de Jerusalém, grandes empresas israelenses do setor alimentício e inúmeras startups de alta tecnologia.
Os livros representam o espírito, parte do tripé da cidade, e estão por toda a parte. Há prateleiras de livros em todos os halls de entrada de prédios sempre gratuitos e acessíveis a qualquer leitor. Rehovot também foi casa e ponto de encontro de alguns dos primeiros escritores e poetas da língua hebraica, entre eles Rachel Bluwstein, Moshe Smilansky e Benjamin Tammuz, para citar alguns exemplos. Parte da literatura, arte e cultura israelense nasceu aqui.
Entre citros, ciência e espírito, sinto-me em casa.
“Numa gentil noite suave, eu irei
Para fora e imóvel,
Sem falar com uma única alma,
Vou sentar um pouco.
Vou descansar como quem busca refúgio
Do calor do siroco,
À sombra de uma árvore frondosa,
Enquanto sento sob seus pés.”
Parte do poema “Four Poems – One Gentle Evening Suave” de Rachel Bluwstein. Tradução do hebraico para o inglês de Elias Pater. Minha tentativa de tradução para o português.
Camila Cunha, jornalista científica e bolsista “Paulo Pinheiro de Andrade” no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.
Camila, adorei o texto! Vou te acompanhar por aqui!!! Que vc tenha uma experiência incrível, bjos.
Camila que esta jornada seja cheia de sabores, cores, sotaques e experiências enriquecedoras da alma e do corpo.
Camilinha, tô até gostando de ler tudo de uma vez, e agora. Tem mais sabor! E fico lembrando de cada…
Dá pra imaginar Heathrow😳… e a emoção da chegada, depois de tantas peripécias😊😊😊😊
Delícia, estou caminhando com vc, mas eu sou seu contrário. Super ansiosa… Louquinha para sair desse cubículo… Rumo a liberdade!…
Um dia antes do término da quarentena, fechei as malas, me dediquei a uma limpeza superficial do cubículo e empacotei os lixos de acordo com as instruções de segurança. Era uma terça-feira ensolarada, quando finalmente abri a porta do n. 103. Um corredor longo e dois lances de escada me separavam da saída principal do prédio.
Arrastei as malas uma hora antes do combinado com a carona para fora do prédio. A rua sem saída limitava o trânsito de pedestres. Segura, retirei a máscara do rosto para sentir a brisa leve que passava à sombra de um jacarandá.
Ziva e Grace organizaram suas agendas para me ajudar com a mudança para o apartamento oficial, fazer a primeira compra de supermercado e trocar um pouco de dinheiro para emergências. Não demorou muito para o carro entrar no bolsão. A dinâmica do tempo mudou quando entrei no carro em direção à avenida principal de Rehovot, Herzl.
Juntas éramos um time participando de uma gincana. As duas olhavam atentamente cada segundo do relógio. Os movimentos eram coreografados, sem espaço para improvisação. As malas foram deixadas no apartamento, e seguimos o trajeto mais curto para cumprir todas as tarefas.
A lista de itens essenciais para sobreviver às primeiras semanas foram lidas em voz alta por mim ainda no carro. No supermercado, elas se dividiram na busca pelos produtos. Eu, atônita, esperei junto ao carrinho e acatei todas as sugestões sobre as melhores aquisições. Tudo escrito em hebraico. As compras foram colocadas no apartamento sem nenhuma ordem, e voltamos para o Instituto Weizmann de Ciências.
No almoço, os integrantes do laboratório se reuniram com pão pita, homus e tahini, descumprindo as regras do distanciamento social. As mesas foram arranjadas ao ar livre em um vão do prédio protegido do sol. Por alguns instantes voltei à vida antes da Covid-19.
À tarde, o professor me apresentou as instalações do laboratório. Entrei em todas as salas e conversei pessoalmente com cada um dos alunos. Paramos apenas para um café turco com cardamomo e doces típicos no meio da tarde e seguimos para mais um tour guiado pelos jardins e prédios até as casas de vegetação.
Tudo rodava muito rápido como um tufão. No final do dia, já em casa, sentada na escrivaninha, como um pião, minha cabeça ainda dava as últimas voltas como que por inércia. Tento pensar sobre o que aconteceu e refazer mentalmente o dia. As imagens passam borradas e distorcidas.
O corpo inteiro doía, da cabeça aos pés. Depois do banho, meu cérebro parecia um arquivo em branco com o cursor piscando, excitado para começar a digitar algo. A cada piscada, um batimento cardíaco e nada mais. Bloqueio. A única certeza foi estar grata pelo próximo dia.
Camila Cunha, jornalista científica e bolsista “Paulo Pinheiro de Andrade” no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.
Camila, adorei o texto! Vou te acompanhar por aqui!!! Que vc tenha uma experiência incrível, bjos.
Camila que esta jornada seja cheia de sabores, cores, sotaques e experiências enriquecedoras da alma e do corpo.
Camilinha, tô até gostando de ler tudo de uma vez, e agora. Tem mais sabor! E fico lembrando de cada…
Dá pra imaginar Heathrow😳… e a emoção da chegada, depois de tantas peripécias😊😊😊😊
Delícia, estou caminhando com vc, mas eu sou seu contrário. Super ansiosa… Louquinha para sair desse cubículo… Rumo a liberdade!…
Madelaine Venzon, pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) e coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Agroecologia, estuda insetos benéficos para eliminar agrotóxicos dos cultivos e reduzir a contaminação ambiental.
“Entusiasmo-me pela pesquisa que busca soluções para a agricultura baseada na natureza“
Madelaine Venzon
O que a influenciou a seguir carreira científica?
No final do curso de agronomia na Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, me interessei pelo estudo dos insetos, principalmente, o controle de pragas por métodos alternativos, sem uso de agrotóxicos. As notícias de contaminação ambiental por agrotóxicos e outros agentes químicos me incomodavam na época e continuam me incomodando hoje.
Logo após formada, trabalhei com agrônoma por alguns meses em Caxias do Sul, minha terra natal. O excesso e a exclusividade do controle químico como método de controle de pragas e doenças na região chamava a atenção e me preocupava. Um ano após formada, iniciei o mestrado na Universidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais, sob supervisão do Prof. Cesar Freire Carvalho, quem me introduziu ao mundo dos insetos predadores. Desde então, meu interesse pelo controle biológico só aumenta.
Qual a motivação que direciona o seu trabalho?
Ser útil e realizar pesquisas necessárias para a sociedade. Sinto uma enorme realização pessoal com o meu trabalho! Minha motivação continua a mesma do início da carreira: a busca por alternativas ao uso de agrotóxicos. A formação de recursos humanos na minha área de estudo e as atividades de popularização da ciência me motivam muito também.
Por exemplo, quando em uma atividade de intercâmbio com agricultores, você vê que uma simples explicação com demonstração prática de como os insetos são benéficos para a agricultura, transforma o olhar dessas pessoas sobre um determinado organismo. É motivador! Por isso, falo sempre aos meus colegas: – Saiam do conforto dos seus laboratórios e das salas de aula de vez em quando e interajam com as pessoas, com os agricultores, os estudantes, etc. Isso dá uma visão diferenciada à pesquisa, especialmente quando queremos realmente ser úteis!
Quais as contribuições que você fez para a ciência?
Comecei a carreira de pesquisadora na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), na cidade de Uberaba, Minas Gerais, em 1992, logo após finalizar o mestrado. Ali fui pioneira na implantação de um projeto de controle biológico de percevejos da soja.
Depois do doutorado em controle biológico realizado na Universidade de Amsterdã na Holanda, continuei minha pesquisa na EPAMIG de Viçosa, Minas Gerais. O desafio era aplicar os conhecimentos adquiridos na agricultura familiar. Foi nessa época que iniciei meus estudos em controle biológico conservativo, com foco em estratégias para aumentar as populações de inimigos naturais nos cultivos de café e de hortaliças.
Considero importante o trabalho que faço que une pesquisa científica básica e aplicada na área de manejo agroecológico de pragas em benefício, principalmente, dos pequenos agricultores. Meu trabalho é feito em diferentes escalas – laboratório, casa de vegetação e campo – e os resultados são publicados em periódicos indexados para a comunidade científica. No entanto, na minha opinião, meu diferencial está nas ações de popularização da ciência que faço. Tenho sempre a preocupação de comunicar meus resultados de pesquisa em linguagem fácil e acessível em circulares técnicos ou informes agropecuários publicados pela EPAMIG.
Outra contribuição é a edição do livro101 Culturas: Manual de Tecnologias Agrícolas, editora UFV (ed. 2, 2019), considerado o “Manual do Agrônomo” por ser uma fonte relevante sobre temas do dia a dia de agrônomos, como exigências climáticas, épocas de plantio, cultivares disponíveis, tratos culturais, colheita e comercialização para 101 culturas de importância econômica. O livro reúne 250 especialistas e é fruto das pesquisas realizadas na EPAMIG e também em outras instituições de pesquisa e ensino do país.
Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?
Fazer ciência é um desafio no Brasil. O tempo para nos dedicarmos exclusivamente à pesquisa é um dos entraves. Grande parte do tempo é gasto em atividades burocráticas e na busca por recursos para trabalhar, financeiros e logísticos. Sobra pouco tempo efetivo para mergulhar fundo nas pesquisas. A falta de financiamento e de infraestrutura para pesquisa, para citar alguns exemplos, são outros gargalos, que representam sérias dificuldades.
O que mais a entusiasma na atividade de cientista?
Entusiasmo-me pela pesquisa que busca soluções para a agricultura baseada na natureza. É um trabalho sem fim, cheio de descobertas e desafios!
Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?
Usem bem o tempo, especialmente durante a pós-graduação. Leiam muito. Há uma infinidade de fontes a serem exploradas. Visitem o campo e observem a natureza e o comportamento dos organismos. Observem como as plantas reagem ao ataque dos insetos e como os insetos se relacionam. Cumpram sempre seus compromissos de trabalho e, se possível, façam um treinamento no exterior, pois a experiência de vida pessoal e profissional é imensa.
Sobre a cientista convidada
Madelaine é engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Pelotas, fez mestrado em Fitossanidade (Entomologia) na Universidade Federal de Lavras (UFLA) e doutorado pela Universidade de Amsterdã, Holanda. Começou a carreira de pesquisadora na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) em 1992. Em 2017 recebeu o prêmio de Destaque Mérito Científico da EPAMIG pelos trabalhos desenvolvidos em prol do controle biológico.
Já escreveu mais de 100 artigos em jornais científicos arbitrados, além de 15 livros e 45 capítulos de livros de editoras nacionais e internacionais. Orientou mais de 120 alunos, entre iniciação científica, treinamento técnico, trabalho de conclusão de curso, especialização, pós-graduandos (mestrandos e doutorandos) e pós-doutorandos. Atualmente é professora nos cursos de Pós-Graduação em Entomologia e em Defesa Sanitária Vegetal, ambos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), e coordena o Programa Estadual de Pesquisa em Agroecologia.
Inseto praga, inseto solução
Madelaine busca soluções na natureza para uma agricultura menos dependente de químicos e moléculas sintéticas e mais saudável e segura para os seres humanos e demais organismos do planeta Terra. A tarefa requer o estudo dos ecossistemas e da teia de relações entre diferentes organismos que os compõe. Observar e contemplar a natureza faz parte do seu “fazer ciência”.
Uma das soluções para evitar ou reduzir o uso de agrotóxicos para controlar pragas e doenças que causam prejuízos às lavouras está no controle biológico conservativo, tema de estudo da cientista. O controle biológico conservativo reúne práticas de manejo que promovem e protegem populações de organismos considerados inimigos dos organismos que se quer combater. Os chamados “inimigos naturais” podem ser insetos, fungos, bactérias, etc. que se alimentam do organismo praga, predam seus ovos ou formas jovens, depositam seus ovos nele ou infectam-no com alguma doença. As possibilidades na natureza são inúmeras.
Um prática do controle biológico conservativo é o plantio na lavoura de plantas não-cultiváveis ou não-comerciáveis que sejam fonte de alimento ou que sirvam de ninhos artificiais para os inimigos naturais. Para ilustrar, o uso de gergelim ao redor de plantações de arroz aumenta o número de inimigos naturais das pragas comuns à essa cultura e, na China (entre 900 e 1200 a.C.), ninhos da formiga-verde (Oecophylla smaragdina) eram espalhados deliberadamente pelas lavouras de citros para o controle de insetos, que danificavam folhas.
Usar um organismo contra o outro é ecologicamente correto e mais barato que o uso dos famigerados agrotóxicos. De acordo com umestudo recente, o uso do controle integrado de pragas com o controle biológico conservativo aumenta a produção em 5-40% e reduz o uso de químicos do grupo pesticidas em 30-70%. Apesar de antigas, essas práticas são ainda pouco estudadas e exploradas comercialmente. O fato é que os benefícios econômicos, principalmente, para pequenos agricultores e as vantagens ecológicas e ambientais dessas práticas poderão ser estratégicas para a produção de alimentos em um futuro incerto de crise climática.
Crédito de imagem: Pixabay no Pexels
Entrevista publicada originalmente em 29 abril de 2020.
Simples hábitos de higiene pessoal como lavar as mãos e tomar banho são críticos para frear o contágio de doenças. Sabão e banheiro surgiram em momentos diferentes da história e juntos institucionalizaram a cultura da limpeza. Hoje, a ordem é limpar, limpar e limpar.
Epidemias e pandemias causadas por vírus são hoje o grande desafio da saúde mundial. Nos últimos 20 anos, vimos o terror gerado por SARS-CoV (2003), H1N1 (2009), MERS (2012), Ebola (2014) e, mais recente, SARS-CoV-2 (2019). Apesar da maior abrangência e acesso a coleta de lixo, água tratada, sistemas de esgotamento sanitário e saúde pública, a vida contemporânea, principalmente nas grandes cidades, impõe desafios para a contenção dessas doenças altamente infecciosas, transmitidas por contato entre pessoas ou com objetos contaminados.
O controle e a prevenção estão na vacinação, nos tratamentos antivirais (fármacos que inibem a replicação viral) e na higiene pessoal. Entre as alternativas, a higiene pessoal se destaca por ser a mais econômica, além de reduzir a disseminação de uma gama de outros agentes microbianos causadores de doenças, muito além dos vírus. Por higiene pessoal entende-se principalmente o hábito de lavar as mãos com água e sabão (ou álcool gel com teor de 70% em casos muito específicos, como na ausência de pia ou sabão).
Palli Thordarson, professor de química da Universidade de New South Wales na Austrália, viralizou ao postar no seu Twitter que o ordinário sabão é tão bom quanto, senão melhor, que o álcool em gel. As mensagens de Thordarson chegaram antes da Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020. Mesmo assim, não foram suficientes para evitar que farmácias e supermercados tivessem seus estoques de álcool em gel esgotados.
Na última thread postada, Thordarson comenta sobre os dois produtos. O cientista acredita que comprar álcool em gel faz parte do imaginário coletivo que lavar as mãos é algo simples demais para combater uma pandemia. Apesar do sabão ser associado à suavidade e beleza, ignorar seu poder destrutivo é ignorar seu maior trunfo.
Sabão: o aliado químico
Padrões de higiene pessoal e ambiental, bem como a introdução do banheiro como um cômodo essencial a qualquer construção, são muito recentes. Em meados de 1800, Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna, estatística e divulgadora de ciência, já promovia a lavagem das mãos. No entanto, o primeiro guia endossando esse hábito para profissionais da saúde apareceu bem mais tarde, publicado pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), principal instituto de saúde pública dos Estados Unidos, em 1975.
A partir daí, o uso do sabão passa a ser o ato individual mais importante da vida em sociedade. Além de remover sujeira, o sabão previne infecções de pele, limpa ferimentos e interrompe o ciclo de transmissão de doenças quando feito por todos.
A produção desse ingrediente crítico é bem simples e depende de uma reação química chamada saponificação, em que a mistura de gordura (o termo técnico é ácido graxo, geralmente de origem vegetal, como óleo de coco, palma e de oliva, ou animal, como sebo bovino e gordura de porco) e uma base (hidróxido de sódio ou potássio) resulta em sabão, ou melhor um sal de ácido graxo.
O sal de ácido graxo é uma estrutura híbrida com propriedades interessantes. A molécula lembra um alfinete-de-cabeça: de um lado, a cabeça hidrofílica (ama água) e de outro, a haste hidrofóbica (odeia água). A interação entre moléculas de água é maior na interface ar-água. Nessa região a água parece formar uma película elástica (propriedade conhecida como tensão superficial da água). Quanto dissolvido em água, as “hastes” do sabão fogem da água e se organizam para fora do meio líquido, separando e enfraquecendo as interações entre as moléculas de água nesta região. Quebrar a tensão superficial da água, ajuda o sabão a formar micelas (estruturas arredondadas); quando as cabeças dos alfinetes se alinham, voltadas para o exterior aquoso, e as hastes se protegem da água, no interior das micelas.
tensão superficial da água
O sabão é capaz de permeabilizar algumas células e desestabilizar membranas lipídicas. As “hastes”, com afinidade por óleos e gorduras, aprisionam sujeiras e pedaços de alguns agentes patogênicos dentro das micelas, ao mesmo tempo que permanecem dissolvidos na água, facilitando a remoção quando feito o enxágue. Apesar do álcool em gel 70% também afetar as membranas de microrganismos, sozinho é incapaz de remover os detritos da pele.
A origem do sabão é desconhecida. Diferente de artefatos arqueológicos que recontam a história de civilizações antigas, seus costumes e modos de vida, o sabão de fácil decomposição não deixou vestígios. Segundo a lenda romana, o Monte Sapo, um provável local de sacrifícios animais, é o ponto de origem. Chuvas fortes após os cerimoniais levavam gordura animal e cinzas para dentro do Rio Tibre. A mistura das duas substâncias gerava espuma e logo as mulheres perceberam que as roupas ficavam mais limpas quando lavadas nessas águas.
Os egípcios também produziam sabão, provavelmente usando óleo de gergelim, linhaça ou mamona, ao invés de gordura animal, em combinação com uma substância alcalina, como carbonato de sódio ou potássio (a soda), obtida das cinzas de plantas halófitas. Essas plantas suculentas vivem em regiões marítimas ou costeiras; por isso, acumulam grande quantidade de sal em seus tecidos. Até a Idade Moderna, plantas halófitas seriam usadas como fonte de soda e o sabão considerado um item de luxo.
plantas halófitas
Banheiro: o aliado físico
Imagine um dia que já amanhece quente. No trajeto para o trabalho, gotas de suor brotam do seu rosto. Depois de uma manhã cheia, você segue a pé com o sol à pino e o céu azul livre de nuvens até um restaurante próximo para almoçar e volta para o refúgio do escritório com ar condicionado. O dia passa concentrado em várias tarefas, reuniões… Na volta para casa, o calor emana do concreto e do escapamento dos carros parados no trânsito. O suor pinga. Você chega em casa e qual o maior desejo? Imagino, um banho!
A espuma branca do sabão descendo pelo ralo, o cheiro frutado do shampoo e o ar de discoteca retrô, com o vapor d’água condensando nos azulejos, espelho e box, faz do banheiro um lugar festivo. O banho diário é um hábito que purifica e renova. Porém, na história da humanidade nem sempre foi assim.
Na Roma e Grécia Antigas, os banhos públicos eram espaços de socialização e embelezamento. A preferência era por esfoliação do corpo, usando argila, cinzas ou areia, seguida de aplicação de óleo vegetal. Já na Idade Média, os cristãos viam os banhos como hábitos decadentes e obscenos. Segundo Santo Jerônimo, o banho, principalmente em água quente, era pecado. Santo Benedito, fundador da ordem Beneditina, permitia banhos corporais completos apenas em datas festivas do calendário cristão. A sujeira e o mau odor eram celebrados e tolerados à base de incensos.
Do Oriente Média ao Japão, os padrões de limpeza eram outros. Para os muçulmanos, por exemplo, o banho diário era um ritual endossado pelo profeta Maomé. Os banhos turcos, extensões das tradições greco-romanas, eram comuns, assim como o uso do sabão, que foi provavelmente re-introduzido na Europa como item de higiene pessoal por mouros praticantes do Islão.
“A limpeza é metade da fé“
Profeta Maomé
Com o passar do tempo, as águas ganharam status terapêutico no Ocidente e o turismo médico para regiões de águas termais explode. A alegria dos banhos é redescoberta. No entanto, somente com a popularização dos banheiros é que os hábitos de higiene pessoal tiveram ampla e irrestrita adoção.
A união da pia, do vaso sanitário e do chuveiro em um mesmo cômodo é uma revolução arquitetônica do final do século XIX e início do século XX e ocorreu independentemente do aparecimento de água encanada e do esgoto. As peças foram colocadas juntas para simplificar e baratear a construção do encanamento. No início, a inovação era restrita às camadas sociais mais abastadas e somente quando atingiu as massas modificou hábitos e a cultura, incluindo a percepção de status social, as ideias sobre conveniência, a forma de fazer o trabalho doméstico e os padrões de limpeza e higiene pessoal, por exemplo.
No início do século XIX, sanitaristas, acreditando erroneamente que miasmas (cheiro ruim de putrefação) causavam doenças, criaram movimentos para drenar pântanos, implementar a coleta de lixo e instalar sistemas de esgoto. As medidas reduziram os miasmas e mais do que isso, evitavam a disseminação de insetos e roedores, vetores de doenças. Quando aliada à higiene pessoal, a reforma sanitária aumentou significativamente a saúde da população, reduzindo a mortalidade infantil e aumentando a expectativa de vida. O controle da sujeira passou a ser visto como um valor da sociedade e também um direito cívico.
Nos séculos anteriores, tomar banhos uma vez por semana quando muito era mais que suficiente. Transportar, aquecer e descartar a água era trabalhoso. No entanto, a partir do século XIX, tomar banho com mais frequência era sinal de status social. Limpeza virou marca de superioridade. Os banhos se tornaram mais populares com a aceitação religiosa e a recomendação médica. Com o passar do tempo, a classe média também adotou os banhos como rotina e a construção dos banheiros se tornou imprescindível.
Os hábitos de higiene pessoal mudaram significativamente no ocidente a partir de 1910. A ditadura da limpeza foi finalmente instaurada! Hoje sabão e banheiro são os aliados mais eficazes que a humanidade tem para conter a pandemia atual do COVID-19 e o avanço de agentes patogênicos que ainda estão por vir.
Bibliografia
AIELLO, A. E.; LARSON, E. L.; SEDLAK, R. Hidden heroes of the health revolution. Sanitation and personal hygiene. Am. J. Infect. Control., v. 36, p. S128-S151, 2008.
CURTIS, V. A. A natural history of hygiene. Can. J. Infect. Dis. Med. Microbiol., v. 18, n. 1, p. 11-14, 2007.
LARSON, E. Hygiene of the skin: when is clean too clean? Emerg. Infect. Dis., v. 7, n. 2, p. 225-230, 2001.
KONKOL, K. L.; RASMUSSEN, S. C. An ancient cleanser: soap production and use in antiquity. In: Chemical Technology in Antiquity. North Dakota: ACS Symposium Series, 2015, cap. 9, p. 245-266.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Guideline for hand hygiene in health-care settings: Recommendations of the healthcare infection control practices advisory committee and the HICPAC/SHEA/APIC/IDSA Hand Hygiene Task Force. MMWR, v. 51, n. RR- 16, 2002. Disponível em:rr5116.pdf. Acesso em: 26 de março de 2020.
Agradecimento à Graciele Almeida de Oliveira do Blogs de Ciência da Unicamp pela revisão do texto e sugestões.
Crédito imagem de capa: Burst por Pexels.
Texto publicado originalmente em 26 de março de 2020
Camila, adorei o texto! Vou te acompanhar por aqui!!! Que vc tenha uma experiência incrível, bjos.
Camila que esta jornada seja cheia de sabores, cores, sotaques e experiências enriquecedoras da alma e do corpo.
Camilinha, tô até gostando de ler tudo de uma vez, e agora. Tem mais sabor! E fico lembrando de cada…
Dá pra imaginar Heathrow😳… e a emoção da chegada, depois de tantas peripécias😊😊😊😊
Delícia, estou caminhando com vc, mas eu sou seu contrário. Super ansiosa… Louquinha para sair desse cubículo… Rumo a liberdade!…
Para dar o tom: “Mestre Jonas”, de Sá, Rodrix e Guarabyra
Montanhas, árvores, casas, postes de iluminação passavam em perspectiva pela janela do automóvel. Tudo tingido de dourado reluzente do aeroporto até Rehovot. O brilho era tão intenso que a posição do sol era difusa e probabilística.
O pôr-do-sol é mágico em Israel. Até o tempo para para contemplar. Nesse estado de transe, foi difícil perceber que entravámos no centro de Rehovot e adentravámos o portão principal do Instituto Weizmann de Ciências. Dali, o carro foi escoltado por seguranças em motocicletas até a Residência Ruthie & Samy Cohn. Uma entrada pomposa para quem assistiu da calçada, quase como um desfile.
Eu e as malas fomos colocadas para dentro do prédio com uma única indicação: “Vá para o quarto!”. Com a eficiência e a precisão robótica de um sabujo mecânico (Fahrenheit 451, Ray Bradbury), encontro o quarto n. 103, agarrando a maçaneta delicadamente e projetando a probóscide (a chave) na fechadura.
Uma vez fechada, a porta só seria aberta 14 dias depois.
Com o sol já na linha do horizonte e passado o transe, não sei bem onde estou no tempo e no espaço. Meu mundo tem 16 metros quadrados e uma pequena sacada com vista para um elevado feito de pedras hexagonais cor areia, que esconde uma praça, prédios altos e uma estação de trem.
Acompanho o ir e vir de alguns poucos pedestres logo cedo e no entardecer. Raramente vejo um carro. Os trens são frequentes. Às vezes o barulho é ensurdecedor, quando helicópteros militares sobrevoam a área. Muito ao longe, escuta-se barulho de trânsito e buzina. Há luzes que piscam como vagalumes.
A natureza também é visita frequente. Os pássaros fazem das árvores dormitório e são muitos. Há também pequenos lagartos que escalam o paredão e se escondem entre as pedras. Além de minúsculas e inteligentes baratinhas que encontrei duas noites seguidas no banheiro.
A primeira semana foi marcada por uma dor de cabeça à britadeira. O serviço começava no meio da tarde com vibrações intensas e pontiagudas no topo da cabeça, que desciam ressoando por cada membro. O corpo autômato deixava-se cair aos pedaços sobre a cama. O sono era interrompido para comer, quando o corpo criava nova forma para, então, voltar para a cama em uma versão mais leve.
Os raios de sol temem o interior do cubículo. Os dias passam entre três quinas – cozinha, escritório e quarto – cada uma separada por oito peças de piso cerâmico antigo. A sacada é o lazer e respiro entre uma tarefa e outra ou o refúgio quando me sinto entediada.
O ciclo circadiano adaptou-se ao claro e escuro, e entrei na segunda semana mais consciente do entorno. Cada detalhe e objeto do apartamento me interessam. Na cozinha, impressiona a qualidade das matérias-primas, e misturo ingredientes e temperos em criações culinárias duvidosas, apesar de nutritivas.
Pega na tempestade da Covid-19, como Jonas, resta-me apenas contar os dias.
Camila Cunha, jornalista científica e bolsista “Paulo Pinheiro de Andrade” no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.
Camila, adorei o texto! Vou te acompanhar por aqui!!! Que vc tenha uma experiência incrível, bjos.
Camila que esta jornada seja cheia de sabores, cores, sotaques e experiências enriquecedoras da alma e do corpo.
Camilinha, tô até gostando de ler tudo de uma vez, e agora. Tem mais sabor! E fico lembrando de cada…
Dá pra imaginar Heathrow😳… e a emoção da chegada, depois de tantas peripécias😊😊😊😊
Delícia, estou caminhando com vc, mas eu sou seu contrário. Super ansiosa… Louquinha para sair desse cubículo… Rumo a liberdade!…
Vai para onde: Lua ou Marte? Na reportagem, o astrônomo Ricardo Ogando, do Observatório Nacional, fala sobre o recente avanço das viagens com tripulação feito pela SpaceX, com apoio e financiamento da NASA. O marco histórico atingido na missão SpaceX Demo-2 é o primeiro passo para o turismo espacial comercial.
No sábado, 30 de março de 2020, às 16:22 (horário de Brasília), em meio a pandemia da COVID-19, os astronautas Robert Behnken e Douglas Hurley a bordo da cápsula Dragon acoplada ao foguete Falcon 9 partem de Cabo Canaveral na Flórida em direção à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). O objetivo da missão, denominada SpaceX Demo-2, foi testar a atracação da Dragon à ISS, fazer testes simulados para demonstrar o sistema completo de transporte de tripulação e retornar à Terra sem danos ou prejuízos físicos e materiais. A missão deve terminar em agosto deste ano.
“Nos últimos anos, os voos espaciais foram conduzidos por agências estatais, como a NASA e a Roscosmos da Rússia, a partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. A SpaceX desenvolveu uma nova cápsula e um novo foguete reutilizável com o intuito de substituir os ônibus espaciais. A nova tecnologia devolveu a capacidade de lançamento aos Estados Unidos. Esse foi o primeiro voo tripulado no país desde julho de 2011”, disse Ricardo Ogando, astrônomo do Observatório Nacional, localizado no Rio de Janeiro.
Elon Musk é o nome símbolo da atual conquista espacial, que canaliza ciência, tecnologia e investimentos pesados dos setores público e privado. O bilionário de múltiplas facetas e credenciais – engenheiro, designer, empreendedor e filantropo – fundou a SpaceX em 2002, empresa responsável pela missão. O sonho de Musk é fazer da Lua e de Marte destinos turísticos possíveis para a população civil.
Segundo Ogando, a missão é um grande feito mesmo que indissociável do momento crítico atual. “O feito está conectado à crise política. Imagina-se que viagens espaciais inspirem ideais mais elevados, como na série de ficção científica Jornadas nas Estrelas. Infelizmente, o que se vê, em geral, é que os fãs do Elon Musk são bastante tóxicos e que a nova corrida espacial é uma cortina de fumaça dos males feitos do governo Donald Trump.”
Apesar da controversa figura de Musk, transvertido por fãs em guru do futuro, o voo com astronautas americanos, tecnologia americana e partindo de solo americano marca a independência dos Estados Unidos na conquista espacial científica e comercial. O acesso ao espaço passa pela revolução no transporte demonstrada na missão.
A SpaceX criou a série Falcon de foguetes de lançamento e também a cápsula Dragon, reutilizável e versátil no transporte de carga ou passageiros, dependendo de poucas adaptações. Para aumentar a segurança, baratear custos e agilizar inovações, a estratégia da empresa foi concentrar processos e desenvolver tecnologias internamente, minimizando parcerias com terceiros.
“Empresas focadas em um projeto podem otimizar e baratear desenvolvimentos. Agora, ao visar lucro, empresas privadas podem negligenciar certos requerimentos para diminuir custos ou mesmo desconsiderar a prestação de contas à sociedade. O resultado pode ser negativo. O caso dos satélites Starlink ilustram a questão: os milhares de satélites de comunicação em órbita têm brilho excessivo, atrapalhando as observações do céu por amadores e profissionais. O brilho é um problema conhecido e poderia ser evitado se considerado desde o início do projeto. Agora fazem gambiarras para resolver”, explica Ogando.
Na lista de tecnologias da SpaceX está o Falcon 1, um foguete de dois estágios, que usa como combustível propulsor RP-1 (um tipo de querosene para foguetes) e oxigênio líquido. Já o Falcon 9 é similar a primeira versão, com capacidade de colocar em órbita uma carga superior (até 12,500 kg). Há também a cápsula Dragon, desenhada inicialmente para atender às demandas da NASA de transporte de carga à ISS (ida e volta) e cujo desenvolvimento e missões, como a SpaceX Demo-2, são patrocinadas pelo Programa Comercial de Serviços de Transporte Orbital (COTS) desde 2006.
“O grande barato do Falcon 9 são os estágios que voltam e pousam na Terra em pé e de forma controlada. Nos antigos ônibus espaciais, os estágios caíam, em geral, no oceano e a recuperação por navios era muito cara e complicada. A cápsula Crew Dragon ainda cai no oceano, já que não tem combustível suficiente para a volta, mas as novidades incluem, além do design moderno, as telas touch, a opção manual ou de auto-acoplagem à ISS e um mecanismo de segurança para problemas durante o lançamento, por exemplo, uma explosão”, explica Ogando.
As roupas dos astronautas também estampam as aspirações do feito, como comenta Ogando. “O visual é bem mais moderno e vistoso do que as roupas abóboras dos ônibus espaciais e foram desenhadas pelo figurinista Jose Fernandez dos filmes de Hollywood, como Mulher Maravilha. Além disso, resistem a despressurização em caso de emergência, mas não são preparadas para caminhadas espaciais.”
Até o momento, a missão foi bem-sucedida e representa o primeiro passo para a SpaceX obter a certificação necessária para o Programa de Tripulação Comercial da NASA. “A facilidade de acesso ao espaço pode permitir mais experimentos na ISS e mais satélites e sondas no céu para melhorar nossa comunicação e conhecimento do nosso planeta e do universo. Para a ciência brasileira, o feito pode inspirar gerações de novos cientistas. O lançamento foi coberto por diversos canais e acompanhado por milhões de pessoas no Brasil e no mundo”, relata.
Juntas, NASA, SpaceX e também a Boeing vão projetar, construir, testar e operar o transporte humano para a órbita baixa da Terra (2.000 Km). O sucesso vai além da exploração científica espacial e demonstra que parcerias público-privadas podem alavancar empreendimentos comerciais lucrativos. As próximas metas da SpaceX incluem aumentar a quantidade de carga e o número de tripulantes por voo.
“Não há necessidade de voos tripulados para a Lua ou Marte para aprendermos sobre eles. Esses voos tripulados são caros e perigosos. Sondas robóticas podem muito bem fazer esse trabalho. Além disso, corridas espaciais não são sustentáveis, por isso chegamos na Lua há 50 anos e nunca mais voltamos. Nosso planeta é o único que temos, aqui encontramos o modo fácil de sobreviver no universo. Cuidar dele é muito melhor e mais fácil do que tentar terraformar Marte”, finaliza Ogando.
Lua e Marte podem vir a ser destinos turísticos possíveis para os círculos sociais de Musk. Para a maioria da população, na iminência de uma crise climática sem retorno, com extinção de grande parte da diversidade de flora e fauna, a sobrevivência e manutenção dos meios de vida ainda está na Terra. A esperança é que as novas tecnologias, desenvolvidas na conquista espacial comercial, possam resolver problemas mais urgentes – em solo firme.
Bibliografia
DREYER, L. Latest developments on SpaceX’s Falcon 1 and Falcon 9 launch vehicles and dragon spacegraft. IEEE Aerospace conference, 2009. doi:10.1109/AERO.2009.4839555
Para dar o tom: “As mil e uma aldeias”, de João Bosco
Aeroportos estão no topo da lista de risco durante uma pandemia. Antes da viagem para Israel, cenas do filme “Contágio“, de Steven Soderbergh (2011), disparam como flashes: me vejo no mesmo terminal de embarque de Elizabeth Emhoff com as infindáveis superfícies de contato – balcões, corrimões, maçanetas, touch screens – e as limitações do distanciamento físico.
Em Guarulhos, a realidade se mostrou diferente. No saguão principal, havia transeuntes, aqui e acolá, e alguns poucos funcionários zumbis. No portão de embarque, os passageiros com destino a Londres se aglutinavam lentamente como elétrons, cada um em sua camada, e, mantendo a ordem, embarcaram no avião. Aconchegada em três poltronas, oscilei energeticamente entre o estado de repouso e de excitação, com as possibilidades de entretenimento fácil ao longo de todo o trajeto.
Em Londres, o bilhete de conexão no aeroporto Heathrow indicava uma missão aparentemente simples – desembarcar no terminal 5 e embarcar no mesmo terminal – não fosse o aeroporto um labirinto. Um trem, três escadas rolantes, longos corredores e enormes painéis informativos depois, encontrei filas quilométricas.
O mundo parecia se reunir ali. Os funcionários estavam perdidos e exaustos. As filas se multiplicavam. As malas eram invariavelmente vasculhadas uma a uma, criando novas aglomerações no final das esteiras. Enquanto isso, eu me espremia para transpor a barreira de viajantes ansiosos e descalços que aguardavam a manipulação descuidada de seus objetos pessoais.
Corri o mais rápido que pude, arrastando as malas e esbarrando em gente, para pegar o último ônibus até o avião. No Whatsapp, escrevi no grupo da família: “Em Londres. Um segundo e não embarco. Tremendo toda“. O avião decolou sem tempo para mais explicações.
O relógio marcava 7:30 quando deixamos para trás um amanhecer de céu azul levemente frio. A bordo, judeus ultraortodoxos se preparavam para as orações matinais. Os homens jovens, reunidos de pé entre as poltronas, conversavam animados. Diferente da vestimenta religiosa, as máscaras pareciam intrusas e incômodas; ora descansando sob o queixo, ora cobrindo nariz e boca de forma displicente.
Cada peça de roupa ou adereço tem um significado para o judaísmo. Pela manhã, os homens se livram dos casacos longos, pretos e quentes (osbekishes) e dos formais chapéus, mantendo o quipá e deixando à mostra o tzitzit. O único homem mais velho do grupo se arrumou lentamente. Posicionou um tefilin no braço esquerdo, enrolando a faixa de couro com cuidado pelo braço, e o outro na porção frontal da cabeça. Depois, cobriu a cabeça com um talit branco de seda e, em oração, percorreu todos os corredores do avião. Logo, os jovens se uniram a ele nas poltronas centrais vazias do avião. As preces prosseguiram e os corpos em movimento embalaram meu sono. Adormeci.
Acordei com o piloto anunciando a aterrissagem. Com o som das preces ainda ecoando na cabeça, piso em Israel.
Camila Cunha, jornalista científica e bolsista “Paulo Pinheiro de Andrade” no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.
Camila, adorei o texto! Vou te acompanhar por aqui!!! Que vc tenha uma experiência incrível, bjos.
Camila que esta jornada seja cheia de sabores, cores, sotaques e experiências enriquecedoras da alma e do corpo.
Camilinha, tô até gostando de ler tudo de uma vez, e agora. Tem mais sabor! E fico lembrando de cada…
Dá pra imaginar Heathrow😳… e a emoção da chegada, depois de tantas peripécias😊😊😊😊
Delícia, estou caminhando com vc, mas eu sou seu contrário. Super ansiosa… Louquinha para sair desse cubículo… Rumo a liberdade!…
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