Ato ou efeito de limpar

Simples hábitos de higiene pessoal como lavar as mãos e tomar banho são críticos para frear o contágio de doenças. Sabão e banheiro surgiram em momentos diferentes da história e juntos institucionalizaram a cultura da limpeza. Hoje, a ordem é limpar, limpar e limpar.

Epidemias e pandemias causadas por vírus são hoje o grande desafio da saúde mundial. Nos últimos 20 anos, vimos o terror gerado por SARS-CoV (2003), H1N1 (2009), MERS (2012), Ebola (2014) e, mais recente, SARS-CoV-2 (2019). Apesar da maior abrangência e acesso a coleta de lixo, água tratada, sistemas de esgotamento sanitário e saúde pública, a vida contemporânea, principalmente nas grandes cidades, impõe desafios para a contenção dessas doenças altamente infecciosas, transmitidas por contato entre pessoas ou com objetos contaminados.

O controle e a prevenção estão na vacinação, nos tratamentos antivirais (fármacos que inibem a replicação viral) e na higiene pessoal. Entre as alternativas, a higiene pessoal se destaca por ser a mais econômica, além de reduzir a disseminação de uma gama de outros agentes microbianos causadores de doenças, muito além dos vírus. Por higiene pessoal entende-se principalmente o hábito de lavar as mãos com água e sabão (ou álcool gel com teor de 70% em casos muito específicos, como na ausência de pia ou sabão).

Palli Thordarson, professor de química da Universidade de New South Wales na Austrália, viralizou ao postar no seu Twitter que o ordinário sabão é tão bom quanto, senão melhor, que o álcool em gel. As mensagens de Thordarson chegaram antes da Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020. Mesmo assim, não foram suficientes para evitar que farmácias e supermercados tivessem seus estoques de álcool em gel esgotados.

Na última thread postada, Thordarson comenta sobre os dois produtos. O cientista acredita que comprar álcool em gel faz parte do imaginário coletivo que lavar as mãos é algo simples demais para combater uma pandemia. Apesar do sabão ser associado à suavidade e beleza, ignorar seu poder destrutivo é ignorar seu maior trunfo. 

 

Sabão: o aliado químico

Padrões de higiene pessoal e ambiental, bem como a introdução do banheiro como um cômodo essencial a qualquer construção, são muito recentes. Em meados de 1800, Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna, estatística e divulgadora de ciência, já promovia a lavagem das mãos. No entanto, o primeiro guia endossando esse hábito para profissionais da saúde apareceu bem mais tarde, publicado pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), principal instituto de saúde pública dos Estados Unidos, em 1975. 

A partir daí, o uso do sabão passa a ser o ato individual mais importante da vida em sociedade. Além de remover sujeira, o sabão previne infecções de pele, limpa ferimentos e interrompe o ciclo de transmissão de doenças quando feito por todos. 

A produção desse ingrediente crítico é bem simples e depende de uma reação química chamada saponificação, em que a mistura de gordura (o termo técnico é ácido graxo, geralmente de origem vegetal, como óleo de coco, palma e de oliva, ou animal, como sebo bovino e gordura de porco) e uma base (hidróxido de sódio ou potássio) resulta em sabão, ou melhor um sal de ácido graxo.

O sal de ácido graxo é uma estrutura híbrida com propriedades interessantes. A molécula lembra um alfinete-de-cabeça: de um lado, a cabeça hidrofílica (ama água) e de outro, a haste hidrofóbica (odeia água). A interação entre moléculas de água é maior na interface ar-água. Nessa região a água parece formar uma película elástica (propriedade conhecida como tensão superficial da água). Quanto dissolvido em água, as “hastes” do sabão fogem da água e se organizam para fora do meio líquido, separando e enfraquecendo as interações entre as moléculas de água nesta região. Quebrar a tensão superficial da água, ajuda o sabão a formar micelas (estruturas arredondadas); quando as cabeças dos alfinetes se alinham, voltadas para o exterior aquoso, e as hastes se protegem da água, no interior das micelas.

tensão superficial da água

O sabão é capaz de permeabilizar algumas células e desestabilizar membranas lipídicas. As “hastes”, com afinidade por óleos e gorduras, aprisionam sujeiras e pedaços de alguns agentes patogênicos dentro das micelas, ao mesmo tempo que permanecem dissolvidos na água, facilitando a remoção quando feito o enxágue. Apesar do álcool em gel 70% também afetar as membranas de microrganismos, sozinho é incapaz de remover os detritos da pele.

A origem do sabão é desconhecida. Diferente de artefatos arqueológicos que recontam a história de civilizações antigas, seus costumes e modos de vida, o sabão de fácil decomposição não deixou vestígios. Segundo a lenda romana, o Monte Sapo, um provável local de sacrifícios animais, é o ponto de origem. Chuvas fortes após os cerimoniais levavam gordura animal e cinzas para dentro do Rio Tibre. A mistura das duas substâncias gerava espuma e logo as mulheres perceberam que as roupas ficavam mais limpas quando lavadas nessas águas.

Os egípcios também produziam sabão, provavelmente usando óleo de gergelim, linhaça ou mamona, ao invés de gordura animal, em combinação com uma substância alcalina, como carbonato de sódio ou potássio (a soda), obtida das cinzas de plantas halófitas. Essas plantas suculentas vivem em regiões marítimas ou costeiras; por isso, acumulam grande quantidade de sal em seus tecidos. Até a Idade Moderna, plantas halófitas seriam usadas como fonte de soda e o sabão considerado um item de luxo. 

plantas halófitas

Banheiro: o aliado físico

Imagine um dia que já amanhece quente. No trajeto para o trabalho, gotas de suor brotam do seu rosto. Depois de uma manhã cheia, você segue a pé com o sol à pino e o céu azul livre de nuvens até um restaurante próximo para almoçar e volta para o refúgio do escritório com ar condicionado. O dia passa concentrado em várias tarefas, reuniões… Na volta para casa, o calor emana do concreto e do escapamento dos carros parados no trânsito. O suor pinga. Você chega em casa e qual o maior desejo? Imagino, um banho!

A espuma branca do sabão descendo pelo ralo, o cheiro frutado do shampoo e o ar de discoteca retrô, com o vapor d’água condensando nos azulejos, espelho e box, faz do banheiro um lugar festivo. O banho diário é um hábito que purifica e renova. Porém, na história da humanidade nem sempre foi assim.

Na Roma e Grécia Antigas, os banhos públicos eram espaços de socialização e embelezamento. A preferência era por esfoliação do corpo, usando argila, cinzas ou areia, seguida de aplicação de óleo vegetal. Já na Idade Média, os cristãos viam os banhos como hábitos decadentes e obscenos. Segundo Santo Jerônimo, o banho, principalmente em água quente, era pecado. Santo Benedito, fundador da ordem Beneditina, permitia banhos corporais completos apenas em datas festivas do calendário cristão. A sujeira e o mau odor eram celebrados e tolerados à base de incensos.

Do Oriente Média ao Japão, os padrões de limpeza eram outros. Para os muçulmanos, por exemplo, o banho diário era um ritual endossado pelo profeta Maomé. Os banhos turcos, extensões das tradições greco-romanas, eram comuns, assim como o uso do sabão, que foi provavelmente re-introduzido na Europa como item de higiene pessoal por mouros praticantes do Islão. 

A limpeza é metade da fé

Profeta Maomé

Com o passar do tempo, as águas ganharam status terapêutico no Ocidente e o turismo médico para regiões de águas termais explode. A alegria dos banhos é redescoberta. No entanto, somente com a popularização dos banheiros é que os hábitos de higiene pessoal tiveram ampla e irrestrita adoção.

A união da pia, do vaso sanitário e do chuveiro em um mesmo cômodo é uma revolução arquitetônica do final do século XIX e início do século XX e ocorreu independentemente do aparecimento de água encanada e do esgoto. As peças foram colocadas juntas para simplificar e baratear a construção do encanamento. No início, a inovação era restrita às camadas sociais mais abastadas e somente quando atingiu as massas modificou hábitos e a cultura, incluindo a percepção de status social, as ideias sobre conveniência, a forma de fazer o trabalho doméstico e os padrões de limpeza e higiene pessoal, por exemplo.

No início do século XIX, sanitaristas, acreditando erroneamente que miasmas (cheiro ruim de putrefação) causavam doenças, criaram movimentos para drenar pântanos, implementar a coleta de lixo e instalar sistemas de esgoto. As medidas reduziram os miasmas e mais do que isso, evitavam a disseminação de insetos e roedores, vetores de doenças. Quando aliada à higiene pessoal, a reforma sanitária aumentou significativamente a saúde da população, reduzindo a mortalidade infantil e aumentando a expectativa de vida. O controle da sujeira passou a ser visto como um valor da sociedade e também um direito cívico.

Nos séculos anteriores, tomar banhos uma vez por semana quando muito era mais que suficiente. Transportar, aquecer e descartar a água era trabalhoso. No entanto, a partir do século XIX, tomar banho com mais frequência era sinal de status social. Limpeza virou marca de superioridade. Os banhos se tornaram mais populares com a aceitação religiosa e a recomendação médica. Com o passar do tempo, a classe média também adotou os banhos como rotina e a construção dos banheiros se tornou imprescindível.

Os hábitos de higiene pessoal mudaram significativamente no ocidente a partir de 1910. A ditadura da limpeza foi finalmente instaurada! Hoje sabão e banheiro são os aliados mais eficazes que a humanidade tem para conter a pandemia atual do COVID-19 e o avanço de agentes patogênicos que ainda estão por vir. 

Bibliografia

AIELLO, A. E.; LARSON, E. L.; SEDLAK, R. Hidden heroes of the health revolution. Sanitation and personal hygiene. Am. J. Infect. Control., v. 36, p. S128-S151, 2008. 

CURTIS, V. A. A natural history of hygiene. Can. J. Infect. Dis. Med. Microbiol., v. 18, n. 1, p. 11-14, 2007.

LARSON, E. Hygiene of the skin: when is clean too clean? Emerg. Infect. Dis., v. 7, n. 2, p. 225-230, 2001.

KONKOL, K. L.; RASMUSSEN, S. C. An ancient cleanser: soap production and use in antiquity. In: Chemical Technology in Antiquity. North Dakota: ACS Symposium Series, 2015, cap. 9, p. 245-266.

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Guideline for hand hygiene in health-care settings: Recommendations of the healthcare infection control practices advisory committee and the HICPAC/SHEA/APIC/IDSA Hand Hygiene Task Force. MMWR, v. 51, n. RR- 16, 2002. Disponível em: rr5116.pdf. Acesso em: 26 de março de 2020.

Agradecimento à Graciele Almeida de Oliveira do Blogs de Ciência da Unicamp pela revisão do texto e sugestões.

Crédito imagem de capa: Burst por Pexels.


Texto publicado originalmente em 26 de março de 2020

 

Diário de Israel #3 A baleia é mais segura que um grande navio

Para dar o tom: “Mestre Jonas”, de Sá, Rodrix e Guarabyra

 

Montanhas, árvores, casas, postes de iluminação passavam em perspectiva pela janela do automóvel. Tudo tingido de dourado reluzente do aeroporto até Rehovot. O brilho era tão intenso que a posição do sol era difusa e probabilística. 

O pôr-do-sol é mágico em Israel. Até o tempo para para contemplar. Nesse estado de transe, foi difícil perceber que entravámos no centro de Rehovot e adentravámos o portão principal do Instituto Weizmann de Ciências. Dali, o carro foi escoltado por seguranças em motocicletas até a Residência Ruthie & Samy Cohn. Uma entrada pomposa para quem assistiu da calçada, quase como um desfile.

Eu e as malas fomos colocadas para dentro do prédio com uma única indicação: “Vá para o quarto!”. Com a eficiência e a precisão robótica de um sabujo mecânico (Fahrenheit 451, Ray Bradbury), encontro o quarto n. 103, agarrando a maçaneta delicadamente e projetando a probóscide (a chave) na fechadura.

Uma vez fechada, a porta só seria aberta 14 dias depois. 

Com o sol já na linha do horizonte e passado o transe, não sei bem onde estou no tempo e no espaço. Meu mundo tem 16 metros quadrados e uma pequena sacada com vista para um elevado feito de pedras hexagonais cor areia, que esconde uma praça, prédios altos e uma estação de trem. 

Acompanho o ir e vir de alguns poucos pedestres logo cedo e no entardecer. Raramente vejo um carro. Os trens são frequentes. Às vezes o barulho é ensurdecedor, quando helicópteros militares sobrevoam a área. Muito ao longe, escuta-se barulho de trânsito e buzina. Há luzes que piscam como vagalumes.

A natureza também é visita frequente. Os pássaros fazem das árvores dormitório e são muitos. Há também pequenos lagartos que escalam o paredão e se escondem entre as pedras. Além de minúsculas e inteligentes baratinhas que encontrei duas noites seguidas no banheiro.

A primeira semana foi marcada por uma dor de cabeça à britadeira. O serviço começava no meio da tarde com vibrações intensas e pontiagudas no topo da cabeça, que desciam ressoando por cada membro. O corpo autômato deixava-se cair aos pedaços sobre a cama. O sono era interrompido para comer, quando o corpo criava nova forma para, então, voltar para a cama em uma versão mais leve. 

Os raios de sol temem o interior do cubículo. Os dias passam entre três quinas – cozinha, escritório e quarto – cada uma separada por oito peças de piso cerâmico antigo. A sacada é o lazer e respiro entre uma tarefa e outra ou o refúgio quando me sinto entediada. 

O ciclo circadiano adaptou-se ao claro e escuro, e entrei na segunda semana mais consciente do entorno. Cada detalhe e objeto do apartamento me interessam. Na cozinha, impressiona a qualidade das matérias-primas, e misturo ingredientes e temperos em criações culinárias duvidosas, apesar de nutritivas.

Pega na tempestade da Covid-19, como Jonas, resta-me apenas contar os dias.

Camila Pinto da Cunha, engenheira agrônoma, jornalista científica e pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.

Crédito imagem: DALL*E
Revisão de texto: Natália Flores


Texto publicado originalmente em 18 de novembro de 2020

A corrida espacial turística é público-privada

Vai para onde: Lua ou Marte? Na reportagem, o astrônomo Ricardo Ogando, do Observatório Nacional, fala sobre o recente avanço das viagens com tripulação feito pela SpaceX, com apoio e financiamento da NASA. O marco histórico atingido na missão SpaceX Demo-2 é o primeiro passo para o turismo espacial comercial. 

No sábado, 30 de março de 2020, às 16:22 (horário de Brasília), em meio a pandemia da COVID-19, os astronautas Robert Behnken e Douglas Hurley a bordo da cápsula Dragon acoplada ao foguete Falcon 9 partem de Cabo Canaveral na Flórida em direção à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). O objetivo da missão, denominada SpaceX Demo-2, foi testar a atracação da Dragon à ISS, fazer testes simulados para demonstrar o sistema completo de transporte de tripulação e retornar à Terra sem danos ou prejuízos físicos e materiais. A missão deve terminar em agosto deste ano.

“Nos últimos anos, os voos espaciais foram conduzidos por agências estatais, como a NASA e a Roscosmos da Rússia, a partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. A SpaceX desenvolveu uma nova cápsula e um novo foguete reutilizável com o intuito de substituir os ônibus espaciais. A nova tecnologia devolveu a capacidade de lançamento aos Estados Unidos. Esse foi o primeiro voo tripulado no país desde julho de 2011”, disse Ricardo Ogando, astrônomo do Observatório Nacional, localizado no Rio de Janeiro.

Elon Musk é o nome símbolo da atual conquista espacial, que canaliza ciência, tecnologia e investimentos pesados dos setores público e privado. O bilionário de múltiplas facetas e credenciais – engenheiro, designer, empreendedor e filantropo – fundou a SpaceX em 2002, empresa responsável pela missão. O sonho de Musk é fazer da Lua e de Marte destinos turísticos possíveis para a população civil.

Segundo Ogando, a missão é um grande feito mesmo que indissociável do momento crítico atual. “O feito está conectado à crise política. Imagina-se que viagens espaciais inspirem ideais mais elevados, como na série de ficção científica Jornadas nas Estrelas. Infelizmente, o que se vê, em geral, é que os fãs do Elon Musk são bastante tóxicos e que a nova corrida espacial é uma cortina de fumaça dos males feitos do governo Donald Trump.”

Apesar da controversa figura de Musk, transvertido por fãs em guru do futuro, o voo com astronautas americanos, tecnologia americana e partindo de solo americano marca a independência dos Estados Unidos na conquista espacial científica e comercial. O acesso ao espaço passa pela revolução no transporte demonstrada na missão.

A SpaceX criou a série Falcon de foguetes de lançamento e também a cápsula Dragon, reutilizável e versátil no transporte de carga ou passageiros, dependendo de poucas adaptações. Para aumentar a segurança, baratear custos e agilizar inovações, a estratégia da empresa foi concentrar processos e desenvolver tecnologias internamente, minimizando parcerias com terceiros.

“Empresas focadas em um projeto podem otimizar e baratear desenvolvimentos. Agora, ao visar lucro, empresas privadas podem negligenciar certos requerimentos para diminuir custos ou mesmo desconsiderar a prestação de contas à sociedade. O resultado pode ser negativo. O caso dos satélites Starlink ilustram a questão: os milhares de satélites de comunicação em órbita têm brilho excessivo, atrapalhando as observações do céu por amadores e profissionais. O brilho é um problema conhecido e poderia ser evitado se considerado desde o início do projeto. Agora fazem gambiarras para resolver”, explica Ogando.

Na lista de tecnologias da SpaceX está o Falcon 1, um foguete de dois estágios, que usa como combustível propulsor RP-1 (um tipo de querosene para foguetes) e oxigênio líquido. Já o Falcon 9 é similar a primeira versão, com capacidade de colocar em órbita uma carga superior (até 12,500 kg). Há também a cápsula Dragon, desenhada inicialmente para atender às demandas da NASA de transporte de carga à ISS (ida e volta) e cujo desenvolvimento e missões, como a SpaceX Demo-2, são patrocinadas pelo Programa Comercial de Serviços de Transporte Orbital (COTS) desde 2006.

“O grande barato do Falcon 9 são os estágios que voltam e pousam na Terra em pé e de forma controlada. Nos antigos ônibus espaciais, os estágios caíam, em geral, no oceano e a recuperação por navios era muito cara e complicada. A cápsula Crew Dragon ainda cai no oceano, já que não tem combustível suficiente para a volta, mas as novidades incluem, além do design moderno, as telas touch, a opção manual ou de auto-acoplagem à ISS e um mecanismo de segurança para problemas durante o lançamento, por exemplo, uma explosão”, explica Ogando.

As roupas dos astronautas também estampam as aspirações do feito, como comenta Ogando. “O visual é bem mais moderno e vistoso do que as roupas abóboras dos ônibus espaciais e foram desenhadas pelo figurinista Jose Fernandez dos filmes de Hollywood, como Mulher Maravilha. Além disso, resistem a despressurização em caso de emergência, mas não são preparadas para caminhadas espaciais.”

Até o momento, a missão foi bem-sucedida e representa o primeiro passo para a SpaceX obter a certificação necessária para o Programa de Tripulação Comercial da NASA. “A facilidade de acesso ao espaço pode permitir mais experimentos na ISS e mais satélites e sondas no céu para melhorar nossa comunicação e conhecimento do nosso planeta e do universo. Para a ciência brasileira, o feito pode inspirar gerações de novos cientistas. O lançamento foi coberto por diversos canais e acompanhado por milhões de pessoas no Brasil e no mundo”, relata.

Juntas, NASA, SpaceX e também a Boeing vão projetar, construir, testar e operar o transporte humano para a órbita baixa da Terra (2.000 Km). O sucesso vai além da exploração científica espacial e demonstra que parcerias público-privadas podem alavancar empreendimentos comerciais lucrativos. As próximas metas da SpaceX incluem aumentar a quantidade de carga e o número de tripulantes por voo.

“Não há necessidade de voos tripulados para a Lua ou Marte para aprendermos sobre eles. Esses voos tripulados são caros e perigosos. Sondas robóticas podem muito bem fazer esse trabalho. Além disso, corridas espaciais não são sustentáveis, por isso chegamos na Lua há 50 anos e nunca mais voltamos. Nosso planeta é o único que temos, aqui encontramos o modo fácil de sobreviver no universo. Cuidar dele é muito melhor e mais fácil do que tentar terraformar Marte”, finaliza Ogando.  

Lua e Marte podem vir a ser destinos turísticos possíveis para os círculos sociais de Musk. Para a maioria da população, na iminência de uma crise climática sem retorno, com extinção de grande parte da diversidade de flora e fauna, a sobrevivência e manutenção dos meios de vida ainda está na Terra. A esperança é que as novas tecnologias, desenvolvidas na conquista espacial comercial, possam resolver problemas mais urgentes – em solo firme.

Bibliografia

DREYER, L. Latest developments on SpaceX’s Falcon 1 and Falcon 9 launch vehicles and dragon spacegraft. IEEE Aerospace conference, 2009. doi: 10.1109/AERO.2009.4839555

Fonte entrevistado: Agência Bori

Crédito imagens: SpaceX no Pexels

Revisão de texto: Natália Flores


Texto publicado originalmente em 26 de junho de 2020

Diário de Israel #2 Diga pra Nazaré que eu não tardo em chegar

Para dar o tom: “As mil e uma aldeias”, de João Bosco

 

Aeroportos estão no topo da lista de risco durante uma pandemia. Antes da viagem para Israel, cenas do filme “Contágio“, de Steven Soderbergh (2011), disparam como flashes: me vejo no mesmo terminal de embarque de Elizabeth Emhoff com as infindáveis superfícies de contato – balcões, corrimões, maçanetas, touch screens – e as limitações do distanciamento físico. 

Em Guarulhos, a realidade se mostrou diferente. No saguão principal, havia transeuntes, aqui e acolá, e alguns poucos funcionários zumbis. No portão de embarque, os passageiros com destino a Londres se aglutinavam lentamente como elétrons, cada um em sua camada, e, mantendo a ordem, embarcaram no avião. Aconchegada em três poltronas, oscilei energeticamente entre o estado de repouso e de excitação, com as possibilidades de entretenimento fácil ao longo de todo o trajeto. 

Em Londres, o bilhete de conexão no aeroporto Heathrow indicava uma missão aparentemente simples – desembarcar no terminal 5 e embarcar no mesmo terminal – não fosse o aeroporto um labirinto. Um trem, três escadas rolantes, longos corredores e enormes painéis informativos depois, encontrei filas quilométricas.

O mundo parecia se reunir ali. Os funcionários estavam perdidos e exaustos. As filas se multiplicavam. As malas eram invariavelmente vasculhadas uma a uma, criando novas aglomerações no final das esteiras. Enquanto isso, eu me espremia para transpor a barreira de viajantes ansiosos e descalços que aguardavam a manipulação descuidada de seus objetos pessoais. 

Corri o mais rápido que pude, arrastando as malas e esbarrando em gente, para pegar o último ônibus até o avião. No Whatsapp, escrevi no grupo da família: “Em Londres. Um segundo e não embarco. Tremendo toda“. O avião decolou sem tempo para mais explicações. 

O relógio marcava 7:30 quando deixamos para trás um amanhecer de céu azul levemente frio. A bordo, judeus ultraortodoxos se preparavam para as orações matinais. Os homens jovens, reunidos de pé entre as poltronas, conversavam animados. Diferente da vestimenta religiosa, as máscaras pareciam intrusas e incômodas; ora descansando sob o queixo, ora cobrindo nariz e boca de forma displicente. 

Cada peça de roupa ou adereço tem um significado para o judaísmo. Pela manhã, os homens se livram dos casacos longos, pretos e quentes (os bekishes) e dos formais chapéus, mantendo o quipá e deixando à mostra o tzitzit. O único homem mais velho do grupo se arrumou lentamente. Posicionou um tefilin no braço esquerdo, enrolando a faixa de couro com cuidado pelo braço, e o outro na porção frontal da cabeça. Depois, cobriu a cabeça com um talit branco de seda e, em oração, percorreu todos os corredores do avião. Logo, os jovens se uniram a ele nas poltronas centrais vazias do avião. As preces prosseguiram e os corpos em movimento embalaram meu sono. Adormeci.

Acordei com o piloto anunciando a aterrissagem. Com o som das preces ainda ecoando na cabeça, piso em Israel.

Camila Pinto da Cunha, engenheira agrônoma, jornalista científica e pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.

Crédito imagem: DALLE*E
Revisão de texto: Natália Flores


Texto publicado originalmente em 11 de novembro de 2020

Louise May De Mio: O prazer de descobrir e questionar

Para Louise Larissa May De Mio, professora e pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR)  fazer ciência depende de curiosidade e boas ideias. O prazer de descobrir e questionar foram apreendidos com mestres entusiasmados ainda na graduação. Hoje é ela quem inspira jovens cientistas.

 

A curiosidade vinculada as boas ideias são elementos essenciais para a vida de cientista e podem ser potencializadas ao se trabalhar em equipes multidisciplinares.

Louise Larissa May De Mio

O que a influenciou a seguir carreira científica?

Minha carreira acadêmica iniciou com pequenas curiosidades, ideias e pensamentos ao longo do período escolar. No curso de agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a professora Maria Lúcia R. Z. Costa Lima (in memoriam) ministrava as aulas de fitopatologia com muito entusiasmo e dedicação e isso me despertou o interesse pela área, que todos os meus colegas achavam complexa. 

A partir daí ingressei em estágios de pesquisa e desenvolvimento de ciência como uma forma nova de pensar. A iniciação científica na UFPR foi o primeiro passo. Na sequência, mestrado e doutorado na Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) e pós-doutorado na Universidade da Califórnia Davis nos Estados Unidos. Durante o mestrado, o Prof. Dr. Hisoshi Kimati (in memoriam) me incentivou a desenvolver pensamento lógico com base na observação crítica e muita leitura de artigos científicos, o que também me proporcionou a base para entender aspectos da ciência aplicada. Nesta etapa eu já estava infectada pelo prazer de descobrir o novo e questionar tudo que se apresentava. O período de mestrado e doutorado que passei na ESALQ foi importante para o desenvolvimento da minha carreira de forma ética e aprofundada. Tive muita sorte de encontrar excelentes profissionais ao longo da minha jornada.

Qual a motivação que direciona o seu trabalho?

Sou professora na UFPR há mais de duas décadas e sempre que entro em uma sala de aula, da graduação ou da pós-graduação, vejo muitas possibilidades e universos a serem desvendados. Durante as aulas, muitas vezes, reconheço no brilho dos olhos dos alunos, aqueles que vão seguir carreira na mesma área que eu escolhi. Muito gratificante! Na pesquisa que desenvolvo com uma grande equipe de alunos, pós-graduandos, pesquisadores e produtores rurais ocorre o mesmo, a cada descoberta encontro uma nova motivação para continuar.

Quais as contribuições que você fez para a ciência?

No ensino, a formação de pessoas, profissionais bem qualificados e conscientes da importância do conhecimento adquirido. Pessoas que gostam do que fazem e realizam seu trabalho buscando novos desafios para a melhoria do agronegócio com base na ciência. Na graduação, leciono a parte básica dos fundamentos da fitopatologia e discuto o conteúdo relacionando-o ao manejo das doenças em plantas. Na pós-graduação atuo na área de epidemiologia e controle de doenças com foco no manejo integrado.

Na pesquisa, o desenvolvimento de conhecimentos em diferentes níveis, incluem desde técnicas para garantir sustentabilidade e alimentos seguros até estudos de básicos para explicar fenômenos biológicos que nos desafiam constantemente. Ao longo da minha carreira foram publicados alguns artigos e na maioria deles existe uma preocupação com a aplicabilidade do conhecimento para melhorar a vida dos produtores de alimentos. 

No início da carreira fui responsável pela implementação da produção integrada de algumas frutíferas de clima temperado no estado do Paraná, liderando e interagindo com um grupo grande de técnicos, pesquisadores e produtores. Desta etapa surgiram demandas de pesquisa ligadas a estratégias de controle de doenças para minimizar o uso de fungicidas químicos. Como resultado, foram propostas muitas alterações no manejo, considerando estudos epidemiológicos em campo, que hoje auxiliam produtores a produzir alimentos de forma mais ecológica. Também, estudamos de forma mais aprofundada patógenos (latentes ou quiescentes) em frutas que, muitas vezes, desenvolvem sintomas somente durante o processo de comercialização e, por isso, são importantes para o mercado de importação e exportação.

Além de estudos epidemiológicos, nos últimos 10 anos temos também monitorado a seleção de patógenos com resistência à fungicidas em frutíferas e em soja. Identificamos os mecanismos de ação e desenvolvemos estratégias de manejo para evitar que a eficiência de fungicidas no campo seja reduzida. Em paralelo, tenho uma linha de pesquisa com prospecção e desenvolvimento de produtos de origem biológica ou com base em óleos essenciais para controle de doenças em sistemas de produção orgânica ou para serem integrados ao manejo convencional.

Os trabalhos realizados pelo grupo são divulgados em teses, dissertações, artigos científicos, artigos técnicos, livros, manuais, palestras e treinamentos. Fazemos o possível para transformar a ciência produzida pela equipe para uma linguagem adequada, atendendo aos diferente públicos da sociedade.

Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?

Atingir o maior número de pessoas com as informações geradas e fazer pesquisa alinhada com as necessidades e participação da sociedade. Para isso, são necessários: financiamento para pesquisa de longo prazo, integração de dados coletados no laboratório e em experimentos de campo e desenvolvimento de pesquisas mais aplicadas. Estas pesquisas devem integrar pesquisadores de diferentes áreas e contar com apoio e discussões do setor produtivo.

O que mais a entusiasma na atividade de cientista?

A possibilidade de novas descobertas e as mudanças que podemos proporcionar ao integrar conhecimento, experiência e inovação. A curiosidade vinculada as boas ideias são elementos essenciais para vida de cientista e podem ser potencializadas ao se trabalhar com equipes multidisciplinares, com experiências em diferentes áreas.

Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?

Sim, que sempre busquem desafios e objetivos para facilitar a vidas das pessoas, trabalhem de forma colaborativa em equipe, integrando avanços tecnológicos com ambiente sustentável. Não se acomodem e não se limitem em situações de dificuldades. Em frente, avançando sempre! Além disso, repassem o conhecimento adquirido, trocando, incentivando e valorizando boas ideias.

Como está o andamento das pesquisas em meio a pandemia da COVID-19? Quais os desafios e as estratégias adotadas para superá-los?

A pandemia da COVID-19 nos impôs um desafio enorme de reorganizar metas e trabalhos em andamento. Temos um grupo de pesquisa chamado “LEMID – Laboratório de Epidemiologia para Manejo Integrado de Doenças” de plantas e nos organizamos em reuniões semanais ou quinzenais para acompanhamento dos trabalhos de cada pós-graduando. Nas reuniões decidimos priorizar o uso dos laboratórios para os trabalhos que não puderam ser interrompidos, em especial aqueles com patógenos biotróficos que precisam ser mantidos em planta, pois não podem ser cultivados in vitro, como o agente causal da ferrugem asiática da soja. 

Experimentos em campo continuam sendo realizados, por exemplo: na cultura da videira, estamos quantificando danos de doenças e prospectando agentes biológicos para controle; na macieira e na ameixeira estão sendo realizados estudos epidemiológicos em campo. Alguns dados precisam ser coletados para evitar interrupção nas pesquisas planejadas a longo prazo. Além desses trabalhos, temos acompanhado populações de patógenos ao longo das safras, para monitorar resistência à fungicidas. Essas pesquisas estão sendo conduzidas com o devido cuidado e com ajuda de produtores rurais e fruticultores parceiros.

Os alunos de pós-graduação, graduação, iniciação científica e tecnológica têm autorização para entrar no laboratório e continuar as pesquisas, desde que tomados todos os cuidados preconizados para evitar o contágio. Estamos em turnos de trabalho com no máximo dois alunos por dia no laboratório.

No restante, todos estão trabalhando remotamente na compilação de dados já coletados, análises de dados e leitura de artigos científicos. Alguns alunos em fase mais adiantada da pesquisa, assim como os pós-doutorandos, estão escrevendo artigos científicos ou corrigindo os que estão em trâmite nas revistas. Fazemos, para isso, reuniões periódicas envolvendo pesquisadores parceiros de outras instituições no Brasil e no mundo. Atualmente, tenho na equipe uma aluna em programa de doutorado sanduíche nos Estados Unidos. 

Estamos também elaborando um livro sobre análises epidemiológicas aplicadas para doenças de plantas em conjunto com pesquisadores da área da estatística da UFPR. Esse trabalho estará disponível em plataformas online de acesso livre. 

Enfim, não está fácil lidar com esta situação que assola o mundo, mas com todo esse planejamento estamos nos mantendo conectados e ajudando uns aos outros. A pesquisa científica é a grande esperança para superarmos este desafio.

Sobre a cientista convidada

Louise Larissa May De Mio é engenheira agrônoma pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e fez mestrado e doutorado em fitopatologia pela Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). O pós-doutorado em epidemiologia e manejo de doenças de plantas foi realizado na Califórnia nos Estados Unidos. Hoje é professora na UFPR e faz pesquisas multidisciplinares com foco na aplicação do conhecimento no agronegócio.

Entre as linhas de pesquisa que desenvolve destacam-se: a elaboração de novas formas de cultivar frutíferas e leguminosas sem ou com reduzido uso de agroquímicos; acompanhamento da evolução da resistência de pragas e doenças no campo aos químicos em uso; e desenvolvimento de químicos para combate de pragas e doenças menos poluentes ao meio ambiente e que possam ser usados no cultivo de alimentos orgânicos, por exemplo.

Já escreveu mais de 160 artigos em jornais científicos arbitrados, além de 26 livros e capítulos de livros de editoras nacionais e internacionais. Orientou mais de 140 alunos, entre iniciação científica, treinamento técnico, trabalho de conclusão de curso, especialização, pós-graduandos (mestrandos e doutorandos) e pós-doutorandos. Atualmente é professora no programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal, na área de Fitopatologia, e coordena o Laboratório de Epidemiologia para Manejo Integrado de Doenças (LEMID) e o Laboratório de Epidemiologia Molecular (LAEM).

 

Crédito de imagem: Bruno Scramgnon no Pexels

Entrevista publicada originalmente em 12 agosto de 2020.

Diário de Israel #1 Eu sou daqui, eu não sou de Marte

Para dar o tom: “Infinito particular”, de Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown

Israel não era um plano ou uma meta definidos a priori. Simplesmente aconteceu, com a grata surpresa de resgatar ideias iniciais de um projeto que rabisquei logo após terminar o doutorado, ainda com a cabeça cheia de dados coletados e teorias baseadas nas inúmeras referências que digeri ao escrever a tese (muito além das citadas!). “Pra tudo tem hora certa” é a frase favorita da minha mãe. A oportunidade de pesquisa no Instituto Weizmann de Ciências veio assim, na hora certa.

Em meio à pandemia da Covid-19, a viagem para Israel parecia turva, turbulenta e distante. Tão distante que, quando a data chegou, me senti no meio de um tsunami. Incrédula. Informativos lotavam a minha caixa de entrada. Os passo a passos eram vistos e revistos com base nos gráficos de progressão do contágio da doença. Tudo podia mudar de um dia para o outro. Definir a data da viagem, comprar a passagem aérea, fazer o seguro saúde, assegurar o local da quarentena e da moradia permanente estavam entre os itens prioritários e incertos.  

Inicialmente a viagem poderia ser realizada sem visto; depois, a orientação mudou e precisei correr para obtê-lo no consulado em São Paulo. No dia do agendamento da entrevista, a notícia: Israel entraria em lockdown durante as festividades: Rosh Hashaná, Yom Kippur e Sukkot. O consulado ficaria fechado por tempo indeterminado. Com sorte, a entrevista foi agendada seis dias antes da data da viagem. 

Com a restrição do turismo, o prédio e seu entorno estavam domingueiros. Foi fácil conseguir uma vaga no estacionamento, e o café da esquina parecia não oferecer riscos com as várias mesas de espaçamento entre um cliente e outro e os enormes frascos de álcool em gel sentados no centro das mesas. Nas ruas, poucas pessoas a pé. De vez em quando um carro perdido entrava na viela. Tudo parecia correr em ritmo lento na superfície da capital financeira do país.

A experiência no consulado de Israel foi interessante e única, prova da hospitalidade dos israelitas. O agente de segurança, em tom profissional, demandou respostas rápidas e olho no olho para cada pergunta de um questionário ainda no hall de entrada do prédio. Há um ano no Brasil, ele falava bem o português. Antes de subir para o andar onde seria realizada a entrevista, sorridente, ele previu que eu voltaria de Israel com o hebraico melhor que o português dele. Depois, fora do protocolo, conheci o cônsul pessoalmente. Entusiasta da ciência e ciente de sua importância, prontamente acolheu mais uma cientista no país.   

Com a papelada em mãos e burocracia em ordem, as malas se tornaram o grande obstáculo. O que levar? Ou melhor, o que não levar? Uma mala grande para ser despachada, uma mala pequena de bordo e uma mochila compacta para o laptop foram capazes de acolher todos os itens que julguei necessários, úteis ou inúteis. Abri e fechei as malas três vezes antes de conseguir organizar e distribuir de forma inteligente os poucos mais de 23 quilos permitidos.

Confinada no meu infinito particular e alienada dos contatos por quase seis meses, acabei esquecendo de avisar os mais distantes sobre a futura jornada. Os que souberam a tempo receberam a notícia com surpresa e alegria. Alguns descreveram a jornada como de uma astronauta com destino à Marte! 

Esquecemos que Israel é logo ali. O mundo é portátil, como descreve a música “Infinito particular”, qualquer que seja a definição de mundo. Os votos e desejos por uma boa viagem e experiência enriquecedora foram bálsamos. Agora, sem uma transmissão ao vivo da missão à altura das transmissões da NASA, resta estabelecer contato por aqui.

 

Camila Pinto da Cunha, engenheira agrônoma, jornalista científica e pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.

Crédito imagem: DALL*E
Revisão de texto: Natália Flores


Texto publicado originalmente em 04 de novembro de 2020