Pesquisa no combate à greve?

Quantas vezes no nosso dia a dia nós paramos para reclamar do quanto o mundo está errado? É só observar o que está acontecendo no país nesse exato momento. Quem se sentiu prejudicado com essa greve dos caminhoneiros e quer que ela simplesmente termine? Mas quem está fazendo algo para mudar essa situação? Por que não parar de pensar em motivos e pensar em soluções? O que nós realmente podemos fazer? Muitas reportagens vêm mostrando que a principal reivindicação dos caminhoneiros nesse momento é a redução do preço combustível, o que gera escassez nos lucros do transporte de carga do país. E como isso poderia ser modificado? Com pesquisa… talvez?

Segundo um estudo publicado em 2015 o preço do diesel é composto por: 2% de frete, 5% de biodiesel, 20% das margens, 20% de tributos e 50% do diesel; enquanto a gasolina: 2% de frete, 11% do álcool anidro, 18% das margens, 34% de tributos e 35% da gasolina. O que poderia ser reduzido? Tributos, que incluem Imposto sobre Circulação de Mercadorias e serviços (ICMS), PIS/PASEP, COFINS e o CIDE; preço do diesel e gasolina que estão diretamente relacionados ao dólar; e talvez o frete, que entra exatamente no foco do protesto. E se for considerar os fatores que podem alterar a cotação do dólar, então, isso vira um ciclo sem fim!

E se tudo está um caos, por que, não considerar outras alternativas? Para a gasolina é fácil, visto que já existe uma alternativa implantada, o etanol, um biocombustível produzido principalmente a partir do caldo da cana-de-açúcar no Brasil e que tem dois tipos de produção: primeira geração e segunda geração. Se você nunca escutou falar sobre isso, fique tranquilo(a), pois eu também só tive conhecimento desses jargões ao entrar para área. E de uma forma bem simplificada, a primeira geração utiliza o caldo da cana, que pra quem já provou sente a quantidade de açúcar disponível ali; enquanto a segunda geração utiliza o que sobra depois da extração do caldo, o bagaço, ambas com muitas etapas a serem melhoradas para aumentar a produtividade do processo, barateando custos para o consumidor.

Quanto ao diesel, já existe o biodiesel que atualmente é adicionado ao combustível comercializado, produzido principalmente a partir de óleos vegetais, como soja e algodão. Porém, para que ele possa ser um substituto do diesel ainda há a necessidade de pesquisas para adaptação dos motores atuais, além de um aumento na produtividade do processo, como no caso do etanol.

Além dos combustíveis citados, também podemos listar o gás para abastecimento de automóveis e o querosene na aviação (que assim como o diesel apresenta uma pequena porcentagem de bioquerosene). Porém, há diversos outros combustíveis explorados até o momento: água, metanol e madeira, na lista dos renováveis; e xisto betuminoso, carvão e gás liquefeito de petróleo (GLP), como combustíveis fósseis.

E como a pesquisa pode ser utilizada para alterar esse cenário? Aumentando os esforços para tornar biocombustíveis competitivos e quebrar a dependência ao petróleo. Aqui entramos em inúmeras possibilidades de estudos: melhoramento de plantas para aumentar a produtividade (e considerando o distanciamento do ramo alimentício, transgênicos se tornam muito atraentes!), melhoramento de condições de plantio e solo, equipamentos para o campo e para usinas, estudos de eficiência de processos, e, para a segunda geração, o tratamento do bagaço para liberação dos açúcares.

Nesse contexto está inserida a linha de pesquisa do meu projeto de doutorado, que utiliza a bioinformática como ferramenta para identificar potenciais alvos para melhoramento de leveduras (organismos utilizados para converter açúcar em etanol) utilizadas na produção de bioetanol de segunda geração. Só para exemplificar, durante o meu doutorado estudamos uma levedura que pudesse ser utilizada para produção de etanol de segunda geração, que como já foi apresentado, utiliza o bagaço como matéria-prima. Para isso, ela foi modificada e passou por um processo de adaptação ao ambiente que seria inserida para que se tornar mais eficiente. Após essas etapas, ela teve seu genoma* sequenciado e analisado (por bioinformática) para identificar o que a tornava melhor, para que, no futuro, essas modificações pudessem ser inseridas em outro organismo.

Fazendo um comparativo, imagine que você tem dois carros, A e B. O carro A, por alguma razão física é mais rápido que o B, e para identificar o que causa esse efeito é necessário desmontar ambos e identificar quais peças são diferentes. Dessa forma, é possível substituir as peças do carro A no B e observar se ele apresenta alteração de velocidade. E é basicamente o que fazemos, inclusive correndo os riscos de que a “peça” não seja adaptável.

Dá pra ter uma ideia do quanto podemos ganhar investindo em pesquisas? Talvez realmente esteja na hora de reclamar, mas buscando soluções, buscando formas de contribuirmos para um mundo melhor, porque a responsabilidade não é só desses caminhoneiros que estão nas ruas, muito menos dos governantes, ela também é minha e sua. A única diferença entre nós e eles, é a quantidade de pessoas que conseguimos atingir com nossas ações.

 

*Material genético, código inserido em nossas células que definem tudo que somos fisicamente.

 

Referências:

  1. Impactos da contenção dos preços de combustíveis no Brasil e opções de mecanismos de precificação
  2. Em SP, etanol já está 44% mais barato que a gasolina
  3. Quem são e o que querem os caminhoneiros que estão parando o país?
  4. O aumento da produtividade e a busca pela excelência na produção do etanol brasileiro
  5. Substituição de combustíveis fósseis por etanol e biodiesel no Brasil e seus impactos econômicos
  6. Produção de biodiesel atinge recorde de 351 mil metros cúbicos
  7. Biodiesel: Vantagens e desvantagens numa comparação com o diesel convencional
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Sobre Sheila Tiemi Nagamatsu

Formada em Biotecnologia pela UFSCar, Dra. em Genética e Biologia Molecular com ênfase em Bioinformática na UNICAMP, apaixonada por desenvolvimento pessoal e, atualmente, pós-doutoranda em YALE na área de psiquiatria.

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