Classes e classificações

Logo no início do segundo semestre de 2018 haverá um relevante evento no IFCH/Unicamp: a Semana de Ciências Sociais (SemanaCS). As atividades começaram hoje e a programação completa já foi divulgada no Facebook.  Além de recomendar todo mundo a participar como ouvinte da SemanaCS, esta postagem serve para panfletar o minicurso “As classes e as classificações” do Grupo de Estudos em Bourdieu (GEBU). Três integrantes do GEBU serão responsáveis pelas apresentações desse minicurso: Michel Nicolau Netto, Juliana Miraldi e Mariana Martinelli. Aproveito o espaço do blog “Vértice  Sociológico” para postar uma imagem com o tema central da edição de 2018 da SemanaCS e o programa do minicurso. Quem quiser conferir as ementas dos demais minicursos, é só clicar aqui.

Programa do minicurso “As classes e as classificações”

As reflexões sobre as formas de classificação nas ciências sociais estão vinculadas aos pilares das tradições disciplinares. É recorrente, tanto na Antropologia quanto na Sociologia, o retorno aos textos fundamentais escritos por Émile Durkheim e Marcel Mauss, sobretudo “Algumas formas primitivas de classificação. Contribuição ao estudo das representações coletivas”, publicado pelos autores no periódico LAnnée Sociologique em 1903. Das leituras marxistas às weberianas, vasta bibliografia também pode ser encontrada a respeito das classes sociais e dos grupos de status. O entrelaçamento dessas duas problemáticas parece pertinente para abordar questões como consumo, estilos de vida e estratificação social na contemporaneidade. Um elemento axial, neste minicurso, será a análise do poder do Estado como construtor de todos os campos, ou seja, um estruturador de espaços. Dessa forma, miraremos para os esquemas de percepção internalizados pelos indivíduos nos processos de socialização, mas também analisaremos as instâncias de consagração definidoras da legitimidade das práticas. Esta proposta de minicurso, elaborada pelo Grupo de Estudos em Bourdieu do IFCH/Unicamp, será organizada em três blocos:

1 – No primeiro bloco, com “As formulações teóricas de Bourdieu como régua e compasso”, serão apresentadas considerações teóricas sobre campo, habitus, illusio e doxa a partir das obras A Distinção: crítica social do julgamento e As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário, além de outros textos do autor. Embora pareça um desfile meramente teórico de palavras rebuscadas, tal introdução terá como objetivo explicar como cada conceito pode ser operacionalizado em pesquisas cuja preocupação central é a análise da economia das práticas. Tendo em vista que os conceitos carregam a história dos seus usos, é necessário ressaltar que os sentidos atribuídos pelo próprio Bourdieu foram alterados conforme seu amadurecimento intelectual. Compreender essas alterações contribui para uma análise mais precisa desse arsenal teórico;

2 – O bloco seguinte abordará duas operações sociais: “Classificar e estratificar”. Para Mauss e Durkheim, classificar é ordenar em grupos distintos entre si, separar de acordo com linhas de demarcação que constituem hierarquias. Se nos apropriarmos dessa formulação em outros contextos, veremos como essa chave interpretativa pode ser conjugada às proposições teóricas de Thorstein Veblen, no livro A teoria da classe ociosa (1899), de Weber, no texto “Classe, estamento e partido” (publicação póstuma de 1922), ou de Edmond Goblot, em A barreira e o nível: estudo sociológico sobre a burguesia francesa moderna (1925). O segundo bloco propiciará o debate a respeito das opções teóricas possíveis para deslindar os mecanismos sociais de classificação, desclassificação e reclassificação que implicam diferenciação e estratificação. O ponto final deste momento do minicurso será a definição de Bourdieu, segundo o exame das práticas, para classe social;

3 – Por fim, no bloco “Entre a possibilidade de democratização e a reprodução simbólica: o campo acadêmico na perspectiva dos não herdeiros”, será retomada mais uma palavra-chave atrelada à perspectiva de Bourdieu: violência simbólica. O sistema de ensino e, mais especificamente, o campo acadêmico parecem balizar as opiniões sobre a qualidade democrática de acesso à cultura ou sobre mecanismos de reprodução das posições sociais e simbólicas. No que tange aos estudantes, essas diferentes perspectivas podem ressaltar, sobretudo no acesso às universidades mais elitizadas, o sucesso escolar fundamentado no mérito individual ou em sua relação com a herança cultural transmitida pelas famílias. A proposta é apresentar esse debate em uma perspectiva teórica concebida por Bourdieu para entender os mecanismos e as condições de possibilidade do sistema de ensino se colocar como instituição que se legitima a partir do desconhecimento e da crença em suas práticas e regras. A partir desse fundamento teórico, poderemos refletir sobre as diferentes concepções sociais que o debate sobre o sistema de ensino provoca, assim como a questão do acesso e da permanência no interior do campo acadêmico.

– Bibliografia:

BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico”. In: O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

________________.“Introdução”, “O espaço social e suas transformações” e “Conclusão. Classes e classificações”. In: A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.
________________. “Prólogo”. In: As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras; 2005.

________________. “Reprodução cultural e reprodução social”. In: A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

________________; Jean-Claude Passeron. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.

 

 

Sobre Luã Leal 31 Artigos
Luã Leal é o responsável pelo blog Vértice Sociológico. Mestre e doutorando em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Bacharel em Ciências Sociais pela Escola de Ciências Sociais/CPDOC da Fundação Getulio Vargas (FGV). Meus interesses de pesquisa estão relacionados à sociologia da cultura e ao pensamento social.

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