Leve a Ciência para Tomar Sorvete com a Criançada

Um dos segredos de todo país desenvolvido não é necessariamente um segredo: um exército de jovens e crianças que desde cedo têm contato e oportunidades de se divertirem com as áreas STEM, sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática.*

Tais países enxergam que o contato com a ciência desde a mais tenra idade, promove oportunidades de aprendizado que são duradouras, independentemente do futuro profissional que o jovem perseguirá. Isto porque a educação científica promove o desenvolvimento de habilidades como:

  • comunicação;
  • paciência e perseverança na resolução de problemas;
  • pensamento crítico;
  • conhecimento sobre o mundo;
  • e, não menos importante, a educação científica pode despertar paixões e revelar mentes brilhantes que, no futuro, ajudarão a resolver grandes problemas da humanidade e do planeta.

No Brasil, ainda estamos trabalhando para alcançar esse objetivo mas a boa notícia é que todos podem fazer parte da revolução que propõe mudar radicalmente nossa situação atual (leia um pouco mais sobre isso, nesse post).

Se você é mãe, pai, professor ou professora, tio ou tia, primo mais velho ou vizinha de uma criança ou adolescente, segue um plano prático de ação.

Elogie sempre as atitudes de exploração e o esforço de conseguir fazer algo novo

Crianças são cientistas por natureza.

O próprio processo de aquisição da linguagem ou de aprender a andar é um ciclo de hipóteses, testes, fracassos e retestes até que, enfim, EUREKA! O bebê dá os primeiros e todos aplaudem!

Conforme as crianças crescem, elas continuam repetindo este mesmo ciclo, com hipóteses e testes cada vez elaborados e também mais sujos e ousados. Esse é o momento em que a ciência praticada por crianças tipicamente passa a ser chamada de BAGUNÇA. É o momento em que  elas deixam de receber aplausos e passam a receber sonoras broncas.

Foto: Hypnotica Studios Infinite
Foto: Hypnotica Studios Infinite

Sei por experiência própria que não é fácil conviver com potinhos de shampoo espalhados pela casa com misturas inusitadas como sabonete com grãos de feijão, água e terra. Sei que não fácil abrir o congelador e encontrar insetos congelados. Testes com ventiladores podem ser perigosos também, eu sei… Mas, que tal transformarmos brincadeiras saudáveis em “experimentos controlados”?

Antes de fazer a criança refletir e limpar a própria bagunça, dê voz a ela. Pergunte qual era sua ideia ao colocar seu batom favorito no congelador. Faça ela defender sua “tese”, perguntando coisas como: “Como você achou que o batom ficaria depois de congelado?”. Continue a conversa encorajando a atitude exploratória “Que ideia interessante! Você é muito criativo! Mas por favor, não mexa nos meus pertences pessoais. Da próxima vez, converse comigo.”. Aplauda com palavras e, só então, volte ao seu papel de adulto responsável, orientando como novos experimentos devem ser realizados com supervisão ou de maneira mais “organizada”.

Diga mais vezes: “Não sei, vamos pesquisar?”

Crianças podem se tornar impertinentes quando habilitam seu modo “canhão de perguntas”. Não é fácil ser o “Google” em forma de mãe, pai ou professora. Por isso, é importante estimulá-las a buscarem diferentes fontes de informação, fazendo-as perceberem que diferentes fontes trazem diferentes visões sobre o mesmo assunto.

Por isso, antes que você chegue no seu limite de cansaço e responda simplesmente: “Porque SIM!”, experimente: “Não sei, será que o vovô sabe?”, “Não sei, vamos procurar na Internet?”, “Não sei, será que tem no dicionário?”, “Não sei bem, mas vi uma revista aqui em casa que tinha uma reportagem sobre isso, vamos ler juntos?”.

Note que, no início, essa será uma atividade até mais cansativa do que simplesmente responder a uma rajada de perguntas enquanto você tenta assistir televisão. Será importante, nas primeiras vezes, que você de fato participe do processo de busca de respostas junto com a criança. Enxergue isso como uma oportunidade de passar um tempo de qualidade com ela. Ela sairá deste processo com uma ótima lembrança afetiva, se sentirá encorajada a repetir o processo das próximas vezes e, de repente, você perceberá que ela fará isso de maneira independente, pois terá se tornado um bom hábito.

Leve a Ciência para tomar Sorvete com a Criançada

A observação do mundo à nossa volta tem sido a faísca essencial que incendiou as mentes mais brilhantes da humanidade. Mostre isso para as crianças e adolescentes à sua volta, fazendo perguntas que elas não saberão responder. Esta técnica não exige nenhum contexto especial e qualquer pessoa pode aplicá-la não sendo necessário nem mesmo saber a resposta da pergunta feita, bastando dar o exemplo de como funciona a curiosidade.

Se estiver num ponto de ônibus e uma ambulância passar, diga para a criança: “Você viu que engraçado? Quando a ambulância estava passando perto da gente, o som estava bem alto e agora que ela está longe, parece que mudou…”

Se vir um arco-irís, pergunte quais cores ele está enxergando. Provoque: “Será que as cores que enxergo são iguais às suas?”

Se estiver tomando um sorvete no parque, pergunte algo como: “Por que será que o sorvete derrete de fora para dentro?” “Por que ele fica líquido?”

É possível que a resposta de várias perguntas sejam extremamente complexas.

Mas lembre-se, nossa função nessa revolução não é tanto fornecer respostas, mas contribuir para a  criação de um exércitos de jovens que não tenham medo de fazer perguntas, mesmo quando não há certeza de respostas!

Ouse dizer: “Matemática é legal, né?!”

Sei que você pode ser alguma daquelas pessoas que sofreu horrores com Matemática, Física ou Química nos tempos de colégio.

Em primeiro lugar, quero dizer: eu te entendo.

Mas peço que reflita: você costuma passar seu trauma adiante?

Tais matérias são matérias abstratas, o que significa que nosso cérebro exige amadurecimento antes que ele seja capaz de compreender muitos dos conceitos que são abordados nessas disciplinas. Até que esse amadurecimento aconteça é importante que o jovem seja ENCORAJADO a PERSISTIR.

Por isso, mesmo que você não pense assim, sempre que possível, fale coisas positivas sobre Matemática, Física ou Química. Mostre que essas ciências estão no nosso mundo, no remédio que tomamos, dentro da máquina de lavar, no troco da padaria…

Quando o jovem estiver reclamando de uma dificuldade nessas disciplinas, ouse dizer coisas como: Calma… às vezes leva um tempo para a gente entender, mas já, já, você vai ver que isso é muito legal!

Promova Oportunidades de Brincar com Ciência

Nossa revolução já está nas ruas. Com uma frequência cada vez maior é possível encontrar nas nossas cidades oportunidades de fazerem as crianças (e também os adultos) interagirem com ciência. Se você ligar seu radar (e voltar ao blogue de tempos em tempos), certamente você detectará oportunidades como essa.

Estou me referindo a exposições científicas, planetários, observatórios astronômicos, feiras de ciências, museus científicos, filmes, livros e brinquedos que exploram o pensamento científico de uma maneira divertida para jovens.

Se cada adulto proporcionar uma experiência desse tipo para cada criança, uma única vez no mês, tenho convicção em afirmar que teremos revolucionado o país em algumas décadas.

Museu Catavento Cultural, Sala da Física Foto: Marcio Okabe -
Museu Catavento Cultural, Sala da Física Foto: Marcio Okabe –

Não esqueça das meninas!

Nossa sociedade ainda carrega fortemente a ideia que as meninas não precisam ser boas nas ciências exatas. Exige-se menos delas nessas áreas pois, afinal, ser boa em matemática talvez não seja um atributo considerado tão importante quanto ser “comportada” ou “bem arrumada”.

Nunca poderemos avaliar quanto a Ciência já deixou de evoluir, simplesmente porque não incluímos metade da diversidade humana de inteligência na solução de problemas científicos.

Em particular, quero chamar à responsabilidade os homens.

Os homens, na figura de pais, irmãos, professores, tios ou amigos, são seres muito especiais na vida de qualquer menina. Com grande frequência, mulheres bem sucedidas em suas profissões e nas carreiras de ciência relatam o apoio e o encorajamento que tiveram de uma figura masculina em momentos cruciais de sua vida. Homens que foram determinantes para que seguissem o caminho que seguiram.

Quando falamos de iniciativas de inclusão de mais mulheres nas áreas de ciência e tecnologia, as vozes de apoio masculinas são retumbantes. Fico verdadeiramente grata e emocionada, quando vejo um homem lúcido defendendo e encorajando uma pequena menina a perseguir seus sonhos.

Compartilhemos experiências

Parte da minha motivação ao incluir em minha rotina caótica a manutenção de um blogue, é poder divulgar eventos e conhecer novas experiências na área de educação STEM, aprendizagem criativa, pensamento computacional e uma série de iniciativas excitantes que fazem parte desta revolução. Participe da discussão e compartilhe sua experiência! Conte nos suas dúvidas, as perguntas que as crianças à sua volta gostam de fazer, as boas e as más experiências. Estou ansiosa para ouví-los.


* A sigla STEM (Science, Technology, Engineeringe, Mathematics) vem sendo utilizada há vários anos como um acrônimo para designar as carreiras de ciência e tecnologia. No entanto, tem sido cada vez mais frequente encontrar a versão alternativa da sigla, ou STEAM (Science, Technology, Engineering, ARTS and Mathematics). Essa é realmente uma mudança conceitual muito interessante, mas é assunto para um outro post. Fique sintonizado!

Paula D. Paro Costa

Cientista desde o nascimento, Engenheira e Professora da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, na Unicamp. Atua nas áreas de processamento digital de imagens, aprendizado de máquina, ciência dos dados e computação afetiva. Nas horas vagas, trabalha para que crianças e jovens tenham contato com as áreas de ciências, engenharia e tecnologia.

8 thoughts on “Leve a Ciência para Tomar Sorvete com a Criançada

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  • 24 de junho de 2016 em 18:56
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    Parabéns pelos excelente texto Paula, muito pertinente, criativo e envolvente. Adorei!!!

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    • 24 de junho de 2016 em 23:55
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      Puxa Vanessa, obrigada pelas palavras. Obrigada pela leitura.

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  • 12 de outubro de 2016 em 04:30
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    Boa noite, Paula.

    No subitem Não esqueça das meninas, você pede atenção especial do interlocutor homem para que este incentive as meninas a trilhar os caminhos das ciências (Físicas, acho eu). Gostaria que você comentasse o motivo pelo qual escolheu focar nos homens para incentivarem as meninas e não em mulheres.
    Fiquei pensando e tive mil ideias: Seria por ter mais homens na ciência? Pelos próprios homens desacreditarem na força da mulher nessas áreas? Por ter sido você desestimulada por algum homem: pai, tio, orientador? As meninas não ficariam igualmente motivadas fosse uma mulher as chamando para tais atividades? Para as meninas, os homens possuem mais valor? Estamos falando em termos freudianos? Enfim, muitos pensamentos me ocorreram.
    Aproveito para agradecer por ter escrito esse texto por eu acreditar também que é de criança que se deve inicar muitos aprendizados. É de pequeno que se aprende...ciência também.

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    • 14 de outubro de 2016 em 14:30
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      Olá Andressa, obrigada pelo comentário. A resposta ao seu questionamento está no próprio "post". Há mais de 6 anos venho trabalhando em iniciativas para incentivar que mais meninas persigam as carreiras STEM e sim, nosso papel nessa divulgação é muito importante porque mulheres nas carreiras científicas servem de "role models" para estas meninas. Quantas mulheres cientistas você conheceu quando era criança? Quantas cientistas brasileiras você estudou nos livros? Talvez até pelo menor número histórico das mulheres das carreiras científicas, como eu cito no post, ouço com frequência relatos de colegas sobre uma figura masculina que foi importante na sua carreira profissional na área de ciências. Além disso, muitas também relatam que seus pais as tratavam de maneira igualitária com irmãos homens, por exemplo, nunca fazendo observações como "isso é coisa de menino" ou, "menina não brinca disso". Estes pais também apresentavam grande respeito pelas carreiras de suas esposas. Por crescerem em ambientes mais igualitários elas relatam que cresceram acreditando que poderiam perseguir seus sonhos em qualquer área profissional.

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