A dificuldade de Taeko Okajima com divisão de frações: parte 3
Nos posts anteriores narrei um pouco sobre a relação da personagem Taeko Okajima do anime Omoide Poro Poro (Memórias de Ontem) de 1991 (você pode acessá-lo clicando aqui parte 1) e da importância das definições matemáticas no processo de esquiva da ambiguidade e subjetividade presentes na língua comum (parte 2). Continuaremos essa discussão sobre a dúvida de Taeko relacionada ao sentido de dividir por (1/4).
A personagem (Taeko) após ouvir de sua irmã sobre como usar a “regra para dividir frações”, questiona-a sobre o sentido de dividir duas partes de uma maçã fracionada em 3 partes, para (1/4).
Taeko em uma confusão de sentidos, interpreta que (1/4) seja equivalente à dividir por 4, e acaba mesclando a operação de dividir com a ideia de que estaria dividindo por 4, realizando a divisão de (2/3) por 4, em vez de (2/3) por (1/4).
A dificuldade de Taeko é mal interpretada pela sua irmã Yaeko, que considera-a incapaz de entender que deveria “inverter a fração” antes de “multiplicar”, dado que os resultados apresentados por Taeko eram equivalentes à multiplicar frações, e não dividir frações.
Se a cena do anime tivesse parado ai, já teria sido um prato cheio para a discussão, mas ela continua, ao mostrar Yaeko em uma tentativa inicial de mostrar para Taeko no exemplo da maçã, como ocorre aquela “divisão”. Yaeko toma o papel e o lápis, mas ao se deparar com a tarefa de “dividir” aqueles (2/3) da maçã para (1/4), ela hesita e se vê sem saber como proceder, dizendo para Taeko esquecer as maçãs, e apenas fazer a regra que havia ensinado.
O fato de Yaeko ter hesitado na hora de mostrar como se divide a 2/3 da maçã para 1/4, revela um cenário muito comum nas aulas de Matemática, o foco em encontrar as respostas certas sem uma real preocupação de compreender o caminho que levou até essa resposta. Yaeko no anime é mais velha que Taeko, assim, para ela esse conteúdo já era tido como “ultrapassado”, pois viu em anos anteriores, inclusive conseguindo realizar facilmente as operações. Contudo, ao ser questionada sobre o sentido daquela operação, Yaeko mostra que haviam lacunas na sua aprendizagem, revelando que de fato ela, apesar de ter sido considerada naquele sistema de ensino, como bem-sucedida na disciplina de matemática e por assim dizer, capaz de dividir frações. Yaeko realmente não entendia o que aquela operação significava.
Para ilustrar uma explicação a esse problema, vamos começar imaginando um pouco a fisiologia de pessoas fracionadas.
Para começar pense numa 1/2 pessoa. Quando 1/2 pessoa recebe 1 conjunto (para pessoas inteiras, um par) de meias, ela sente que na verdade recebeu 2 conjuntos de meias. Então nesse caso, temos nosso um conjunto de meias (1/1) dividido para (1/2) pessoa, logo, a 1/2 pessoa recebe dois conjuntos de meias.
Se essa meia pessoa, recebe 2 conjuntos de meias (para pessoas inteiras, dois pares), então a meia pessoa na verdade recebeu 4 conjuntos de meias. (2/1) dividido por (1/2).
O mesmo vale para conjuntos de brincos (para pessoas inteiras, pares), se uma meia pessoa recebe um conjunto de brincos, ela sente que na verdade recebeu 2 conjuntos de brincos.
É como se cada meia pessoa, enxergasse as unidades do mundo inteiro, como dobradas! Assim, quando uma meia pessoa, enxerga uma pessoa inteira. Na verdade ela acha que está vendo duas meia pessoas.
Desse modo, se dividirmos 2/3 de uma maçã para uma meia pessoa, ela achará estar recebendo 4/3 de uma maçã (pois na visão de mundo dela, nossas maçãs inteiras, na verdade são duas meia maçãs).
O mesmo raciocínio segue para 1/4 de pessoas. Cada 1/4 de pessoas, enxerga o mundo inteiro como unidades do universo 1/4 quadriplicadas.
Assim, quando dividimos 2/3 de uma maçã para 1/4 de pessoa. Primeiro, vamos pensar em como essa 1/4 de pessoa enxerga a maçã original. Ela nesse caso, vê uma maçã inteira, como na verdade 4 maçãs do universo 1/4. E quando essa pessoa recebe seus 2/3 de uma maçã, ela na verdade percebe estar recebendo 2 maçãs inteiras (do universo 1/4) mais 2/3 de uma maçã (do universo 1/4).
Em termos de operações, é como se as pessoas fracionárias 1/n, enxergassem o mundo inteiro como um conjunto de n unidades desses mesmos elementos do universo 1/n.
Nesse sentido, quando Taeko pergunta como se divide 2/3 de uma maçã para 1/4 de pessoas, poderíamos explicar para ela a partir do exemplo dos pares de meias para pessoas do universo 1/2. Então, seguir a comparação para pessoas do universo 1/4, e continuar com outros universos fracionários para generalizar o conceito
Vamos parando por aqui, mas a discussão continua no próximo post: A dificuldade de Taeko Okajima com divisão de frações: parte 4
Imagem de capa extraída do anime Omoide Poro Poro (Memórias de Ontem).
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. A dificuldade de Taeko Okajima com divisão de frações: parte 3. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 5. Ed. 1. 1º semestre de 2021. Campinas, 4 jun. 2021. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/2994/. Acesso em: <data-de-hoje>.