“Não Quero Pensar Sobre Isso”. Evitar Pensamentos Tem Efeito Contrário.

ResearchBlogging.orgNunca gostei muito de ler livros de auto-ajuda. Por vários motivos. São altamente “positivos” (e.g. Psicologia Positiva) o que, na minha opinião, muitas vezes “mascara” a realidade do problema. No entanto, uma das minhas principais críticas é: muitas vezes esses livros espalham “conselhos” e práticas altamente infundadas em termos científicos. Em outras palavras, eles sugerem atitudes que simplesmente não têm relação alguma com o problema que pretende resolver.

Um dia desses, me perguntaram como fazer para evitar certos pensamentos. Que técnicas utilizar para evitar que pensemos nas coisas que não queremos pensar? A pessoa que me fez essa pergunta, disse que leu em um livro de auto-ajuda que, se alguém deseja evitar certos comportamentos, ela deve “ativamente” evitar pensar sobre coisas relacionadas a esse comportamento. Segundo o livro, se alguém deseja perder peso, essa pessoa deve evitar pensar em chocolates, pudins e tortas de morango com cobertura de chantilly.

Intuitivamente, isso parece ser uma ótima estratégia. No entanto, a ciência está aí justamente para nos mostrar que nem sempre o que parece ser “uma ótima estratégia” é na verdade “uma ótima estratégia”. Para ser ainda mais exato, pesquisas na área de Psicologia Cognitiva têm mostrado, desde a década de 80, que essa técnica de “supressão” de pensamento para evitar comportamentos relacionados é completamente errada. Evitar certos pensamentos, na verdade, causa o efeito contrário: ele aumenta seus pensamentos sobre aquilo que você não quer pensar e, principalmente, aumenta o comportamento que deseja evitar. O conselho do livro de auto-ajuda está errado e te ensina a “piorar” sua situação.

Um estudo publicado recentemente (Setembro/2010) no periódico Psychological Science mostrou esse efeito em fumantes. De acordo com o livro de auto-ajuda, se alguém deseja parar de fumar, esse alguém deveria simplesmente evitar (suprimir) pensamentos relacionados a cigarros. Será que funciona? Vamos ver o que o estudo mostrou.

O estudo ocorreu durante três semanas. Na Semana 1, os pesquisadores anotaram a quantidade de cigarros fumados por dia por cada participante. Eles também mediram o nível de estresse de cada participante. Na Semana 2, metade dos participantes foram instruídos a evitar pensamentos sobre cigarros e/ou fumar. Eles deveriam ativamente suprimir todo e qualquer pensamento sobre cigarros. A outra metade foi instruída a “expressar” todo e qualquer pensamento sobre cigarros. Os autores anotaram a quantidade de cigarros fumados por dia e o nível de estresse de cada participante. Na Semana 3, assim como na Semana 1, os pesquisadores apenas anotaram a quantidade de cigarros fumados por dia e o nível de estresse de cada participante.

Os resultados são bem interessantes. Primeiramente, o mais importante: os participantes que foram instruídos a evitar pensamentos sobre cigarros fumaram significativamente mais cigarros na Semana 3 em comparação às Semanas 1 e 2. Eles fumaram mais que os participantes que expressaram os pensamentos sobre cigarros. Já esses últimos fumaram virtualmente o mesmo tanto de cigarros nas Semanas 1, 2 e 3.

Duas coisas interessantes ocorreram: (1) durante a Semana 2, os participantes que evitaram pensamentos sobre cigarros fumaram significativamente menos cigarros do que os participantes que expressaram os pensamentos e (2) os participantes que evitaram os pensamentos sobre cigarro mostraram um nível de estresse significativamente alto durante a segunda semana. O fato de os participantes que evitaram os pensamentos terem fumado menos durante a Semana 2 pode explicar a sensação que temos de que “evitar pensamentos, evita atitudes”. A curto-prazo, evitar os pensamentos sobre cigarro, de fato, parece ter influenciado na diminuição da quantidade de cigarros fumados durante a semana de supressão dos pensamentos. No entanto, o efeito se reverteu totalmente na Semana 3, e esses participantes fumaram muito mais do que fumaram nas Semanas 1 e 2.

Apesar de terem fumado menos durante a Semana 2, os participantes que evitaram pensamentos sobre cigarros apresentaram um nível de estresse significativamente alto. O mesmo não ocorreu com o grupo que expressou os pensamentos sobre cigarros. Pode ser que a tarefa mental de ativamente evitar/suprimir certos pensamentos, na verdade, atua como um fator que agrega ao seu nível de estresse (resultado natural de uma sobre-carga cognitiva).

Os autores ainda fizeram outras análises relevantes, mostrando, por exemplo, que a supressão de pensamentos sobre cigarros está diretamente correlacionada com o insucesso na tentativa de parar de fumar, ou seja, quanto mais se evita pensar sobre cigarros, menos se consegue parar de fumar.

De uma maneira geral, o estudo demostra que “evitar pensamentos” para “evitar comportamentos” pode, na verdade, ter o efeito contrário — apesar do efeito desejado em um curto espaço de tempo. A mensagem que fica é: se deseja controlar ações indesejadas (e.g. vícios) já sabe que não deve tentar “não pensar” sobre a ação indesejável. A outra mensagem é: seja mais crítico quando estiver lendo um livro de auto-ajuda — principalmente se esse livro traz conselhos que parecem “intuitivamente” corretos.

Referência:

Erskine JA, Georgiou GJ, & Kvavilashvili L (2010). I suppress, therefore I smoke: effects of thought suppression on smoking behavior. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 21 (9), 1225-30 PMID: 20660892

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Uma resposta para “Não Quero Pensar Sobre Isso”. Evitar Pensamentos Tem Efeito Contrário.

  1. RABELO, Aline disse:

    >Ainda bem que entre os exemplos mencionados no texto, sobre coisas que se deve evitar pensar (pudins, tortas, chocolates, etc), não consta um suculento creme de açaí com granola... :-))))(dessa eu me salvei!!!)

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