De onde vem a falta de confiança?

ResearchBlogging.orgO ser humano é mesmo uma máquina fantástica. Apesar de termos a sensação de que sempre estamos no controle de nossas atitudes e ações, nem sempre isso é verdade. Para ser um pouco mais exato, grande parte do comportamento humano que presenciamos no dia-a-dia é altamente influenciado por processos cognitivos implícitos, ou seja, processos que não temos controle direto.

Pense, por exemplo, na idéia de “confiança”. Esse é um conceito importante no meio social. Estamos o tempo todo lidando com pessoas e informações que nem sempre sabemos se podemos ou não confiar. Ao mesmo tempo, temos a sensação clara de que temos total controle sobre o nosso sentimento de confiança. Temos a sensação de que sabemos por que confiamos ou não em alguém. Mas será?

Existe um conceito na Psicologia Cognitiva conhecido como “fluência de processamento”. Esse conceito está relacionado com a sensação de facilidade (ou dificuldade) que temos quando estamos processando algum tipo de informação. Várias pesquisas (veja os trabalhos do psicólogo Daniel Oppenheimer, por exemplo) têm mostrado que a fluência de processamento está diretamente relacionada com julgamentos que fazemos das coisas ao nosso redor. Deixa eu tentar explicar isso de maneira menos técnica: muitas pessoas dizem que odeiam a língua alemã pelo simples fato de que as palavras da língua são muito grandes (erfrischungsgetränk, por exemplo). Para um falante acostumado com o tamanho médio das palavras da língua portuguesa, palavras grandes podem ser assustadoras (e difícil de processar). A simples sensação de que a língua alemã é difícil de ser processada faz com que pessoas tenham a sensação de que não gostam da língua.

Com o sentimento de confiança acontece a mesma coisa. Quando temos a sensação de “facilidade” para processar certas informações, tendemos a confiar mais nessas informações, mesmo que elas não sejam corretas, ou não faça nenhum sentido racional acreditar nelas.

Um estudo muito bacana realizado na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos mostra isso muito bem. Shiri Lev-Ari e Boaz Keysar pediram aos participantes da pesquisa que escutassem umas frases que alguém os diria. Após escutarem as frases, eles teriam que marcar em uma escala de 1 a 7 se eles acreditavam ou não nas frases (1 – não acredito e 7 – acredito). As frases eram informações de conhecimento geral (por exemplo: uma girafa consegue ficar mais tempo sem água do que um camelo). As pessoas que falavam as frases ou eram falantes nativos da língua inglesa ou eram falantes não-nativos (falantes com sotaque estrangeiro).

O resultado foi o seguinte: os participantes acreditram mais nos falantes nativos do que nos falantes estrangeiros. Em outras palavras: o sotaque dos estrangeiros foi confundido com falta de confiança. No entanto, alguém pode pensar assim: ora, vai ver que eles acreditaram nos nativos não por causa da falta de sotaque, mas simplesmente por que norte-americano, em geral, só confia em norte-americano. Essa poderia ser uma explicação plausível. Porém, no experimento, os pesquisadores avisaram os participantes que as pessoas que falariam as frases estavam apenas repassando uma informação fornecida por um falante nativo (um norte-americano). Mas mesmo assim, os participantes confiaram mais nos falantes sem sotaque.

Bom, mas o resultado mais interessante foi outro. No segundo experimento, os pesquisadores avisaram aos participantes sobre o fato de que “o sotaque de alguém pode influenciar o nível de confiança deles na pessoa”. Em outras palavras, os participantes tinham agora consciência desse problema e “poderiam” então corrigir e procurar não “deixar de confiar” na pessoa só por causa do sotaque. No entanto, isso não aconteceu. Mesmo sabendo que o sotaque não tem nada haver com a veracidade da informação, os participantes confiaram mais nos falantes nativos do que nos falantes com sotaque.

Mas porque? Uma explicação é que a noção de fluência de processamento é menor quando estamos ouvindo alguém com sotaque e essa “falta” de fluência afeta nosso julgamento de confiança. E mais importante: afeta mesmo sem a nossa vontade.

Uma vez que sabemos que a fluência de processamento (nosso nível de facilidade ou dificuldade para entender certas informações) influencia julgamentos de confiança, o máximo que podemos tentar fazer é, obviamente, buscar o máximo de “fluência no processamento” possível. Uma forma de fazer isso, por exemplo, é buscar uma maior familiaridade com a informação que devemos processar. Certamente, existem outras formas de adquirir fluência no processamento. O importante é saber que, em se tratando de ser humano, várias coisas acontencem implicitamente no nosso sistema cognitivo, e saber um pouco mais dessas coisas, nos torna, no mínimo, seres mais tolerantes.

Referência:
Lev-Ari, S., & Keysar, B. (2010). Why don’t we believe non-native speakers? The influence of accent on credibility Journal of Experimental Social Psychology, 46 (6), 1093-1096 DOI: 10.1016/j.jesp.2010.05.025

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5 respostas para De onde vem a falta de confiança?

  1. Wesley J. Santos disse:

    >Muito interessante a matéria. Seria interessante verificar isso com outros povos, como por exemplo no Brasil. Com a cultura de que "o que vem de fora é melhor" talvez tenha algum peso no resultado da pesquisa. Um brasileiro ouvindo uma pessoa com sotaque de outro país nos mesmos moldes desse teste seria, no mínimo, interessante.Abraços...

  2. Andre L Souza disse:

    >Isso mesmo! Na verdade eu e alguns outros pesquisadores aqui da Universidade do Texas estamos montando uns experimentos que certamente tocarão nesse ponto!

  3. Anonymous disse:

    >Achei interessante esse texto a respeito da resistência que temos em relaçao à desconfiança. Estamos acostumados a aceitar coisas fáceis e criamos obstáculos ao que é desconhecido. É a famosa preguiça mental ou mesmo comodismo pelo acesso fácil. A internet é a prova disso. Para que pensar se ela pode solucionar nossas dúvidas? Márcia estudante de letras

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