Eu acredito que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já discutiu com alguém sobre as origens do universo, por que estamos onde estamos e por que somos do jeito que somos. Isso por que somos naturalmente curiosos e sempre queremos entender a causa das coisas.
Basicamente, existem três maneiras de explicar essas coisas.
1) Uma delas é a teoria Darwiniana da Evolução. Segundo Darwin, a seleção natural das espécies é um processo aleatório e pouco estruturado. Pouco estruturado no sentido de que características do seu ambiente — nem sempre previsíveis — determinam a maneira como a vida evolui. É óbvio que estou simplificando a história toda aqui, mas a idéia principal é de que, para Darwin, não existe um agente (um ser) que coordena e controla as mudanças no mundo e não há como termos controle de tudo o tempo todo.
2) A segunda maneira de entender tudo que nos acontece é a crença em um agente controlador de tudo. É onde Deus surge, por exemplo. Uma teoria conhecida como Design Inteligente afirma que a forma como o mundo existe e a maneira como o universo funciona são controladas por uma força superior (Deus) que, não somente criou o universo da maneira que ele é, como também o controla permanentemente.
3) Uma terceira maneira (mais recente) de entender a evolução e o funcionamento do universo é através de uma versão modificada da teoria Darwinista. Segundo essa maneira (postulada por Conway Morris), a evolucão carrega uma ordem interna. O processo evolutivo não é aleatório, porém não existe um agente controlador. A evolução segue alguns caminhos naturais e previsíveis.
O mais interssante — pelo menos em termos psicológicos — é a idéia de que a crença em Deus (ou qualquer outra força sobrenatural controladora) é fruto de uma força compensatória que busca “controle” quando esse está em falta. Uma vez que a idéia de falta de controle e aleatoriedade é psicologicamente ruim para o ser humano, sempre que estamos em situações de falta de controle ou de aleatoriedade, buscamos restabelecer o controle de alguma maneira. A crença em agentes sobrenaturais é uma dessas maneiras.
Deixe-me tentar explicar essa idéia de falta de controle de uma maneira menos técnica. Imagine a seguinte situação: você chega um dia no seu trabalho e encontra um dos seus colegas de trabalho dizendo que está morto. Isso mesmo: ele está vivinho da Silva, mas continua dizendo, de maneira insistente, que está morto, que aquele não é o corpo dele e que, na verdade, nem órgãos internos ele tem. Essa é uma situação que, para o ser humano, pode ser cognitivamente perturbadora. E isso acontece pelo simples fato de que não entendemos (temos controle) o que está acontecendo. E consequentemente ficamos sem saber como agir. Essa é uma situação típica de “falta de controle”. É uma falta de controle cognitivo.
Uma forma de restabelecer o controle (e entender) o que está acontecendo é atribuir esse acontecimento à uma força superior controladora. Na verdade, muita gente iria acreditar que a situação descrita acima é um caso de possessão demoníaca, por exemplo. Essa crença é uma maneira de fazer com que seu sistema cognitivo retome o controle da situação e possa agir de maneira não-aleatória (indicar a pessoa à uma igreja, ou fazer uma oração para ela, por exemplo).
Mas será que se as pessoas tivessem algum outro tipo de explicação para a situação acima — uma explicação que também ajuda o sistema cognitivo retomar o controle — elas deixariam de acreditar em forças sobrenaturais ou forças superiores? Essa pergunta foi investigada por um grupo de pesquisadores na Holanda (Universidade de Amsterdã). Batiann Rutjens, Joop van der Pligt e Frenk van Harreveld induziram participantes a ter ou não “falta de controle”. Após essa indução, os participantes tinham que escolher qual das teorias apresentadas acima (Darwin, Deus ou Conway Morris) era a mais plausível para explicar os acontecimentos do mundo e das vidas das pessoas.
Os resultados confirmaram o que os outros estudos já haviam mostrado: as pessoas na situação de falta de controle preferiram Deus como explicaçao para os acontecimentos do universo, e depois a teoria de Conway (pois ela não postula nenhum tipo de aleatoriedade — sinal de falta de controle). Para as pessoas que foram induzidas a ter controle, não houve esse mesmo padrão. A parte mais interessante do estudo, no entanto, é a que mostra que as pessoas somente acreditaram numa explicação divina quando não havia uma outra explicação — não divina — que também restabelecia o controle cognitivo. Em outras palavras, as pessoas só escolhiam Deus como explicação quando a teoria de Conway (que também estabelece controle) não estava disponível. O estudo então sugere que Deus (ou qualquer força sobrenatural) não é a única força compensatória para buscar controle cognitivo.
Uma vez que religião e crenças em seres sobrenaturais são características pervasivas da nossa cultura, é muito importante entendermos — de uma maneira mais sistemática — como e por que nosso sistema cognitivo se engaja em tais práticas (e quais os benefícios e desvantagens disso).
E somente a título de curiosidade: a situação acima descreve um sintoma típico de um transtorno neuropsiquiátrico conhecido como Síndrome de Cotard.
Referência:
Rutjens, B., van der Pligt, J., & van Harreveld, F. (2010). Deus or Darwin: Randomness and belief in theories about the origin of life Journal of Experimental Social Psychology, 46 (6), 1078-1080 DOI: 10.1016/j.jesp.2010.07.009