“Isso é um assalto”: As metáforas da vida cotidiana

Toda vez que ocorre um crime hediondo no país — como o ocorrido em Realengo no Rio de Janeiro — a mídia traz à tona vários pontos de vista sobre políticas de prevenção e combate ao crime. Como sempre, as opiniões são bem variadas e, consequentemente, o que é visto como uma ação adequada para uma pessoa, não é para uma outra pessoa: algumas pessoas acham que os criminosos devem ser punidos severamente; outras acham que o problema deve ser “cortado pela raíz”; e outras acham que esse é um problema que não tem fim.

Mas a pergunta é: o que influencia nossa opinião sobre quais ações achamos adequadas ou não? É muito comum pensar que nossas opiniões (e consequentemente nossas ações) são formadas exclusivamente com base nas nossas experiências pessoais. Por exemplo, se uma pessoa está acostumada (tem experiência) com um ambiente onde erros são tratados com punição severa, essa pessoa terá uma tendência maior à propor políticas mais drásticas de combate ao crime (punição mais severa aos criminosos). Já uma outra pessoa com uma experiência diferente pode achar que a punição severa, na verdade, não ataca a origem do problema e não deve ser utilizada como ação adequada de combate ao crime.
Apesar de fazer um pouco de sentido, sabemos que a mente humana é muito mais complexa do que isso (ainda bem). Às vezes, simplesmente a formaque utilizamos para apresentar alguma situação e/ou problema muda toda a conceptualização que fazemos da situação e/ou do problema. Confuso? Ok, eu explico.

Quando eu estava na quinta série, eu era “chefe-de-turma”(nem sei se isso ainda existe). Basicamente eu era o “representante” da turma em reuniões, conselhos de classe, etc. Lembro uma vez que uma equipe de vendedores estava oferecendo um desconto para curso de informática na escola (isso mesmo: curso de informática). Para vender o curso, eles utilizaram a seguinte estratégia: cada representante de turma que conseguisse seis pessoas da sua turma para matricular no curso de informática, ganharia o curso de graça.
Minha tarefa era simples: eu precisaria convencer 6 pessoas a se matricularem no curso. Eu poderia apresentar o curso como uma proposta profissional bacana (“vamos ter um diferencial quando buscarmos nosso primeiro emprego“), mas sabia que éramos muito novos para pensar assim. Eu poderia apresentar o curso como uma proposta financeira bacana (“um curso desse é muito caro, devemos aproveitar que eles estão nos oferecendo o curso com desconto“) — uma vez que estávamos todos em escola pública e dinheiro ERA um problema para nós, utilizei essa estratégia (acompanhada de “é bom que temos uma desculpa para encontrar depois da aula“). Basicamente, a mesma informação (fazer o curso) poderia ser apresentada de duas maneiras diferentes e apresentar dois resultados diferentes. Consegui oito pessoas para fazer o curso.
Será que a mesma coisa funciona com crimes? Em outras palavras: será que a forma como falamos sobre crimes também influencia a maneira como as pessoas decidem quais ações são adequadas e quais ações não são? Paul Thibodeau e Lera Boroditsky da Universidade de Stanford, na Califórnia, investigaram exatamente essa pergunta.
Já existe uma sólida discussão em Linguística em relação à idéia de que metáforas não são apenas ferramentas poéticas e figura de linguagem. Metáforas linguísticas são, na verdade, reflexos de um processo cognitivo básico onde alinhamos estruturalmente dois domínios/áreas distintos. Quando dizemos à uma pessoa que nos ameaça: “Você não vai muito longe com isso“, não queremos dizer que a pessoa não vai “fisicamente” muito longe. Estamos, na verdade, conceptualizando a vida dela (um domínio) em termos de uma viagem (outro domínio). Isso é o que chamamos de Metáfora Conceitual.
O que Paul e Lera fizeram foi o seguinte: eles apresentaram dois tipos de descrição sobre crimes: em uma das descrições, a metáfora conceitual utilizada foi a de CRIME como um VÍRUS. Eles utilizaram linguagem do tipo: “o crime está cada vez mais infectando a nossa cidade“. Na outra descrição, a metáfora utilizada foi CRIME como um ANIMAL SELVAGEM. Para isso, eles utilizaram linguagem do tipo: “o crime está invadindo a nossa cidade“. Após a apresentação das descrições, as pessoas tinham que propor uma ação adequada de combate ao crime.
Como era de se esperar, a depender da descrição apresentada para a pessoa, a solução proposta variou. As pessoas que viram a metáfora do vírus propuseram políticas de caráter mais preventivo e social (programa de assistência à jovens, combate à pobreza, etc.). Essas pessoas sistematicamente concordaram que a ação mais adequada era o combate à origem da “epidemia” de crimes. Já as pessoas que viram a outra descrição (metáfora do animal) propuseram ações mais drásticas (tipo: capturar e prender os criminosos, divulgar a captura — como forma de educar as outras pessoas). Eles propuseram ações sociais que tinham como foco “juntar forças para encontrar os criminosos”.
O mais interessante é que as pessoas nem sequer perceberam a presença de algum tipo de metáfora na descrição apresentada, o que sugere que a influência da metáfora é um processo cognitivo implícito — e que tem consequências diretas em nossas ações. No final das contas, o estudo sugere que não só “a propaganda é a alma do negócio”, mas as metáforas também.
Referência:

Thibodeau PH, & Boroditsky L (2011). Metaphors we think with: the role of metaphor in reasoning. PloS one, 6 (2) PMID: 21373643

Esta entrada foi publicada em Psicologia Cognitiva. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *