Por uma “imprensa” melhor.

Se eu pudesse ser Deputado Federal, uma das minhas primeiras ações seria entrar com uma indicação no Ministério da Saúde para que fosse retirada de circulação a cerveja da marca Brahma. A nova latinha vermelha não foi uma boa idéia. Um absurdo, na verdade! Ouvi dizer que a cor vermelha aumenta a circulação sanguínea, fazendo com que as pessoas ajam de maneira mais impulsiva. E como o Brasil já é um país muito violento, onde as pessoas não se respeitam e onde a educação é precária, eu votaria para que as latinhas fossem tiradas de circulação. E meu argumento seria exatamente esse, poxa! Devemos contribuir para que o Brasil não se torne um país mais violento.

Certamente eu teria o apoio da imprensa brasileira. Óbvio. Vermelho é a cor do PT, lembra? Qualquer coisa contra o vermelho vale! E é claro que nenhum repórter da Globo, da Veja e cia se preocuparia em checar a fonte da minha informação. Pra que? Vamos repercutir! A notícia sairia na primeira página do jornal O Globo: “Deputado desvenda mensagem subliminar em marca de cerveja e veta sua comercialização“. Depois seria capa da Veja: “PT e Brahma nos deixam vermelhos de vergonha“. Seria um sucesso no Facebook. Pessoas indignadas postando fotos da Dilma com uma latinha de Brahma na mão (aliás, todo petista gosta de tomar uma, né?). Um ou outro especialista (acadêmico) iria ser contrário à idéia, tendo como respaldo um grupo de pesquisas e evidências científicas, mas seria obviamente ignorado (who cares?) e o veto continuaria. “Não sei o que esse povo acadêmico quer.” Até o Alexandre Garcia daria o seu depoimento exaltado no Bom Dia Brasil da Rede Globo: “o que nos diferencia dos animais é a nossa capacidade de agir com cautela. E a cor vemelha das latinhas nos tira essa liberdade. Estamos propagando a violência no Brasil.

O leitor mais atento já deve ter percebido que isso parece piada, né? E é piada! Deixe-me agora contar uma história que não é piada. Qualquer semelhança com a piada anterior é mera coincidência, eu juro!

O vereador da Câmara Municipal de Porto Alegre, João Carlos Nedel (PP) disse que está entrando com indicação junto ao Ministério da Educação para que seja retirado de circulação o livro Por uma Vida Melhor, distribuído nas Escolas do Brasil. Ele disse que o livro vem sofrendo críticas por parte de humoristas e intelectuais do país (…). O vereador disse ainda que houve manifestação favorável em relação à publicação, “mas deve ser de pessoas ligadas ao governo“, disse o parlamentar. O vereador afirma que o Brasil está na posição 123 no ranking mundial de educação em levantamento feito pela Unesco“.

Para quem mora em Marte, quero contextualizar. O livro didático Por uma Vida Melhor, publicado pela editora Global está sendo acusado pela imprensa brasileira de ensinar erro de concordância. Segundo a nossa imprensa super bem informada e respaldada, o livro afirma ser correto dizer “nós pega”, e isso é simplesmente um absurdo! Um crime!

A indicação junto ao Ministério da Educação movida pelo vereador de Porto Alegre está sendo bem apoiada pela imprensa (ooooooohhhhhhhh). Clóvis Rossi da Folha de São Paulo, por exemplo, acha que o livro comete um “crime linguístico“. Alexandre Garcia da Rede Globo disse que “a linguagem escrita que transmite, difunde o conhecimento e o pensamento diferencia o animal homem dos outros animais“. O escritor Deonísio Silva diz que “o professor é pago pelo estado pra ensinar Língua Portuguesa para aqueles que não sabem“. Alberto Dines da TV Brasil disse que em Portugal a coisa é diferente, “pois até um taxista fala a norma culta“. E Evanildo Bechara disse que a língua culta “é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências“. Pronto. O vereador tem um time de peso que o apóia na indicação junto ao Ministério.

Um pessoal aí — uns tal de linguista — (acadêmicos) se opuseram à toda essa bagunça. Marcos Bagno, professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (Doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela USP) disse ao Alberto Dines que “em Portugal se fala uma língua diferente da nossa. A nossa só se chama Português por razões históricas mas quinhentos anos depois o Português brasileiro já é muito diferente do Português de Portugal”. O professor Marcos Bagno diz ainda que “não existe esse abismo entre linguagem escrita e linguagem falada”. Pesquisas mostram que elas são muito mais híbridas do que a gente pensa. Alberto Dines contesta o professor, pois ele continua “achando” que Português de Portugual e Português Brasileiro são a mesma língua (A próxima vez que meu médico disser que estou com febre, vou dizer “eu acho que não, doutor!“). Pedro Perini, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (doutor em Linguística pela UFMG/University of California) defende o tratamento da variação linguística no livro didático (o que, segundo os especialistas, não é nenhuma novidade). Beto Vianna, também doutor em Linguística pela UFMG/Instituto Max Planck, também apóia a abordagem do livro da editora Global. Pedro e Beto dizem “considerar a fala espontânea, as variações regionais e pessoais é o melhor caminho para amadurecer o uso do texto escrito e do texto oral“. Infelizmente meus caros Marcos, Pedro e Beto, a pergunta é who cares? Quem quer saber da opinião dos acadêmicos, especialistas e que dedicam a vida para estudar Lingüística? A gente não sabe “bulhufas“.

Bom mesmo é o Alexandre Garcia e o Clóvis Rossi. Eles sim sabem do que estão falando. Afinal de contas, eles dominam a norma culta, o que os diferencia dos outros animais!

No fundo, no fundo, tenho que concordar com o vereador João Carlos Nedel quando ele diz que “o livro vem sofrendo críticas por parte de humoristas e intelectuais do país“. Só ainda não consegui distinguir quem são os humoristas e quem são os intelectuais!!!!

Referência:

Bagno, Marcos (2009). NÃO É ERRADO FALAR ASSIM! Em defesa do português brasileiro Livro

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Uma resposta para Por uma “imprensa” melhor.

  1. Roberto disse:

    Muito interessante este "comportamento de massa".
    Evidencía-se que as crucificações prescindem de conspirações. São apenas um "estouro da boiada" seguindo os mais fortes e assustados à frente "mostrando o caminho".
    Patético.

    Excelente Texto. Parabéns.

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