Já leu seu horóscopo hoje?

Certos amigos incomodam quando ficam muito tempo distantes da gente. Eu tenho uma amiga assim. Toda vez que ela fica mais de uma ou duas semanas sem falar comigo (geralmente via Skype), eu encho a paciência dela. Faço a maior pressão psicológica. Escrevo dizendo que ela não gosta mais de mim, que ela dá mais atenção aos outros amigos dela, que ela nunca tem tempo pra mim, e que nem se eu morresse ela sentiria minha falta. Dramático, não? Pois é. Ela também acha. Ela diz que eu sou muito dramático. Na verdade, para ser mais exato, ela diz que pessoas do signo de Peixes, em geral, são muito dramáticas. Pessoas de Peixes são dramáticas, depressivas, pegajosas e têm a síndrome da tempestade em copo d’água: todo problema é do tamanho do mundo.

Ainda nesse clima de zodíaco, recentemente, uma outra amiga postou o seguinte texto no mural do Facebook dela:

NUNCA acreditar em três pessoas: Sagitário, Áries e Peixes: Eles são egoístas e mesquinhos.
NUNCA perder três pessoas: Touro, Câncer e Capricórnio: São os amantes mais sinceros e verdadeiros.
NUNCA deixe três pessoas: Virgem, Libra e Escorpião: Eles podem manter segredos, amizade e eles podem ver suas lágrimas.
NUNCA rejeite três pessoas: Leão, Gêmeos e Aquário: Eles são verdadeiros e amigos honestos.

A coisa deu a maior polêmica. Pessoas do signo de Peixes, Áries e Sagitário se manifestaram. Outras não gostaram da manifestação e, como diz minha mãe: “foi o maior fuzuê” no Facebook. Eu achei super engraçado!

Dramas e fuzuês à parte, eu acho simplesmente fascinante o impacto que as crenças e os estereótipos disseminados pela astrologia ocidental (e oriental em certa medida) tem no dia-a-dia das pessoas. Utilizamos o horóscopo para entender certos comportamentos das pessoas (egoístas, mesquinhos, verdadeiros, etc.), para saber quem é a nossa cara-metade (Sagitário combina com Escorpião), para saber como será nosso dia, nosso ano, etc. A maioria dos jornais de grande circulação traz uma seção especialmente dedicada ao horóscopo. Mas é óbvio que meu fascínio vai muito além do impacto que isso causa nas pessoas. Eu gosto mesmo é de entender por que acreditamos nessas coisas. Por que cargas d’água acreditamos que a posição dos planetas no dia em que a gente nasce influencia nossa personalidade?

Já comentei aqui, em várias postagens do Cognando, que o nosso sistema cognitivo se perturba com qualquer tipo de falta de controle. Por exemplo, quando uma pessoa que você acha que conhece bem age de uma maneira inesperada, o seu sistema cognitivo começa a buscar as “causas” para entender essa ação inesperada. A sensação de não entender o porquê da atitude da pessoa é entendida pelo nosso sistema cognitivo como falta de controle. Outros exemplos de falta de controle cognitivo são: (1) quando não sabemos como vai ser nosso futuro, ou (2) quando não entendemos como lidar com a nossa situação presente para obter resultados desejáveis no futuro. Uma vez que nosso sistema cognitivo se “perturba” com a falta de controle, ela utiliza algumas estratégias que têm como principal função restabelecer o controle (ou pelo menos a sensação de controle).

Dentre as estratégias que o sistema cognitivo utiliza está a crença no sobrenatural ou em agentes sobrenaturais que controlam nossas atitudes e ações. Várias pesquisas têm mostrado que a religião, por exemplo, serve muito bem essa função (veja a postagem do dia 24/02/2011). Outro mecanismo que serve essa função é a crença nas previsões e características ditadas pelo horóscopo. Jennifer Whitson da Universidade do Texas em Austin, Cynthia Wang da Universidade Nacional de Singapura e Tanya Menon da Universidade de Chicago apresentaram uma pesquisa muito interessante no Conferência Anual da Associação Internacional de Administração de Conflitos realizada em Boston em junho de 2010. Elas estavam interessadas em saber se falta de controle cognitivo faz com que as pessoas acreditem mais nas características dos signos delas contidas no horóscopo.

Para testar isso, metade dos participantes da pesquisa foram induzidos a ter falta de controle cognitivo enquanto a outra metade foi induzida a ter controle cognitivo. Após a indução inicial, os participantes tinham que ler o horóscopo do signo deles e dizer, em uma escala de 1 a 7, o grau de concordância deles com a descrição.

Como era esperado, os resultados mostraram que as pessoas induzidas a ter falta de controle cognitivo concordaram muito mais com a descrição do horóscopo do que as pessoas que foram induzidas a ter controle cognitivo. Semelhante ao resultado das outras pesquisas da mesma natureza, esse resultado sugere que, assim como a religião e a crença em Deus ou em outros seres sobrenaturais que controlam nossas atitudes, o horóscopo é também um mecanismo compensatório poderoso que nos dá uma sensação de controle cognitivo.

No final das contas, por mais absurda que seja a idéia de que os planetas do nosso sistema solar e o universo como um todo controlam a nossa personalidade, essa é uma maneira eficiente que algumas pessoas encontram para compreender a complexidade das atitudes dos seres humanos. A verdade é que algumas outras pessoas são mais tolerantes às incertezas da vida e à falta de controle cognitivo — algumas culturas até mais que outras. É interessante notar que as pessoas mais tolerantes à falta de controle são geralmente menos supersticiosas, menos religiosas e menos aptas à correlacionar fatos claramente desconexos (por exemplo, atribuir a culpa da morte de alguém à alguma coisa que a pessoa disse antes de morrer).

Sem querer ser dramático (coisa de gente de Peixes), acho que você nem gosta do blog Cognando, pois até hoje não começou seguí-lo no Twitter e no Facebook. 🙂

Referência:

Whitson, Jennifer, Wang, Cynthia, & Menon, Tanya (2010). Cross-cultural differences in sense-making after losing control McCombs Research Paper Series

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9 respostas para Já leu seu horóscopo hoje?

  1. Anônima disse:

    >ADOREI!!! Excelente, André! Parabéns pelo texto, científico, dramático e cômico, muito bem temperado....Em defesa do meu signo: "Geralmente elegante, bonita, a ariana tem traços marcantes, orgulhando-se da própria beleza e do seu porte altivo. Quando ama, é sincera, apaixonada e leal. Orgulhosa, não admite recusa de amor. Que me desculpe, as mulheres de outros signos, mas a ariana é um ser privilegiado da criação." hahahaha!!!

  2. Anonymous disse:

    >acho que tinha que ter na referencia meu nome e entre parenteses "skype"

  3. André L. Souza disse:

    >Natielle Brant (skype conversation)! 🙂

  4. Felipe Beijamini disse:

    >Achei bem pisciano o teu texto.Deixando as brincadeiras de lado, de que maneira os indivíduos foram colocados em uma situação de falta de controle cognitivo?[]'s Felipe.

  5. André L. Souza disse:

    >Oi Felipe,Existem várias maneiras em psicologia cognitiva de induzir falta (ou não) de controle. Algumas dessas técnicas são mais robustas que outras. Todas elas utilizam a idéia básica de "priming cognitivo", ou seja, quando fazemos com que a nossa memória implícita afete a nossa resposta a algum estímulo. Eis algumas dessas técnicas (todas elas com resultados bem comprovados):1) pedir ao participante que descreva (geralmente em forma escrita) uma situação em que sentiu que não tinha controle da situação -- em oposição à descrição de uma situação em que a pessoa teve a sensação de total controle. Foi essa a técnica que os pesquisadores do estudo acima utilizaram.2) Sentence Scramble - nessa técnica, damos ao participante uma série de palavras e pedimos a ele que forme frases com essas palavras. Para as pessoas que queremos induzir falta de controle, as palavras são relacionadas com "descontrole" ou "randomness". São palavras do tipo: "acaso", "incerto", "desordenado", etc. Para o grupo que queremos induzir controle, as palavras são relacionadas com controle. Eu fiz um estudo recentemente em que utilizei essa técnica. Eu estava interessado em ver se falta de controle afetava o grau de crença em simpatias.3) Essa terceira técnica é mais "física". Pedimos às pessoas que atirem algumas bolas de tenis em uma cesta. Quanto mais bolas eles acertarem, mais pontos eles ganham. Para o grupo que queremos induzir controle, a cesta é bem fácil de acertar e eles conseguem vê-la. Para o grupo que queremos induzir falta de controle, a cesta está localizada atrás de uma barreira (eles não conseguem ver a cesta). Supostamente o segundo grupo sente uma falta de controle maior, uma vez que acertar ou não na cesta fica a critério do acaso.Gifford Weary (acho q ele está em Ohio) tem desenvolvido várias técnicas que têm como objetivo induzir controle ou falta dele. Ele organizou um livro chamado "Personal Control in Action", e nesse livro ele descreve algumas dessas técnicas... Mas basicamente a idéia de todas elas é a mesma. :-)Valeu pela visita, Felipe!A.

  6. Anonymous disse:

    >cheguei aqui ao acaso pelo twitter e já favoritei o blog. um errinho que me incomoda e que vi você usando em vários posts é usar 'haver' quando deveria ser 'a ver'.

  7. André L. Souza disse:

    >Obrigado! Vou ficar mais atento a isso!!! :-)Valeu pela visita!A.

  8. Mauro Garcia disse:

    Muito bom o texto. Parabéns 😀

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