Quanto mais difícil de ler, melhor!

Já tem bastante tempo que leciono estatística e análise quantitativa de dados. Lembro uma vez que estava falando com meus alunos sobre processos estocásticos, Cadeia de Markov (MCMC), etc. e, depois de alguns minutos de explicação e exemplos no quadro, perguntei a eles quem tinha alguma pergunta e/ou comentário. Uma aluna levanta a mão e diz: “Esse trem já é muito complicado e, pra dificultar mais, sua letra é muito feia. Não consigo entender nada que você escreve“. Achei digno! Mas será que letra feia de professor realmente atrapalha o aprendizado do aluno?

Geralmente a dificuldade associada à forma como percebemos certos estímulos influencia diretamente a forma como processamos o conteúdo desse estímulo. Tá bom, eu explico: imagine um texto impresso em uma fonte super difícil de ler. A dificuldade associada a leitura dessa fonte vai fazer com que você goste menos do texto, independentemente do assunto dele. Outro exemplo: se alguém tenta te convencer que o Atlético Mineiro é o melhor time do Brasil e para isso usa um texto escrito em uma fonte mais difícil de ler, as chances de você acreditar nesse fato são bem pequenas, ao passo que se a mesma informação for oferecida em uma fonte mais clara e fácil de ler, as chances de você “comprar” a ideia são bem maiores. Então, apesar de saber que aluno sempre culpa o professor pelo péssimo desempenho, é possível sim que letra feia do professor faça com que gostemos menos da disciplina (ou do assunto) que ele ensina.

No entanto, existem algumas pesquisas mostrando que informações oferecidas com algum nível de dificuldade perceptual — uma fonte mais difícil de ler, por exemplo — são processadas de maneira menos intuitiva, ou seja, são processadas de forma mais analítica e menos superficial. Imagine o seguinte problema: uma bala e um pirulito custam juntos R$ 1,10. O pirulito custa R$ 1,00 a mais que a bala. Quanto custa a bala? Quando utilizamos a intuição para resolver tal problema, temos a tendência de responder que a bala custa R$ 0,10. No entanto, se engajamos em um pensamento mais analítico, percebemos que, na verdade, a bala custa R$ 0,05. O que as pesquisas mostram é que, quando um problema desse tipo é apresentando com uma fonte mais difícil de ler, as pessoas pensam mais analiticamente e acertam mais, ao passo que quando o mesmo problema é apresentado com uma fonte mais fácil, as pessoas pensam mais intuitivamente e erram mais.

Todos sabemos que para aprender alguma coisa precisamos engajar em pensamentos mais analíticos, ou seja, precisamos processar informação de maneira mais profunda e menos superficial. E se uma fonte mais difícil influencia essa forma de pensar, fontes mais difíceis de ler devem fazer com que as pessoas aprendam mais do que fontes mais claras e fáceis. Para testar essa hipótese louca, Connor Diemand-Yauman (Universidade de Princeton), Danny Oppenheimer (agora na Escola de Negócios da UCLA) e Erikka Vaughan (da Universidade de Indiana) testaram o aprendizado e a memória de pessoas quando expostas a fontes fáceis e difíceis de ler.

No primeiro experimento, eles apresentaram aos participantes descrições de uma série de “animais” desconhecidos. Cada um desses animais possuía certas características que os participantes tinham que ler e lembrar mais tarde. Metade dos participantes viram as descrições em uma fonte clara e fácil de ler. A outra metade viu as mesmas descrições, mas com uma fonte mais difícil e menos clara. Os resultados mostraram que, após 15 minutos da leitura das descrições, os participantes que leram a fonte mais difícil lembraram mais características do que os participantes que leram as descrições na fonte mais fácil.

Para replicar esse efeito em um ambiente mais naturalístico, os pesquisadores testaram alunos de um colégio em Ohio. Eles pediram aos professores que enviassem para eles os materiais que utilizariam para ensinar certos conteúdos (química, inglês, história, etc.). Os pesquisadores então modificaram a fonte desses materias, colocando uma fonte mais difícil de ler. Metade dos alunos receberam o material no original —  com uma fonte mais clara — e a outra metade recebeu o material com a fonte mais difícil. Ao final do ano letivo, os pesquisadores compararam o desempenho dos alunos nos dois grupos. Os alunos que receberam o material com fonte mais difícil tiveram um desempenho significativamente superior aos alunos que receberam o mesmo material escrito com uma fonte mais fácil. Intrigante, não?

O que esses estudos sugerem é que se seu professor tiver a letra feia, isso na verdade pode ajudar você a aprender melhor a matéria que ele ensina — ou pelo menos vai fazer com que você processe a informação de maneira mais analítica e menos superficial. Obviamente, isso só vai acontecer desde que o material possa ser lido para começo de conversa. E dando uma olhada nas notas daquela minha turma, a aluna que disse que minha letra era feia ficou entre os alunos com melhor desempenho na turma (top 10%).

Sigam o Cognando no Twitter, Facebook e Google+

Referência:

Diemand-Yauman C, Oppenheimer DM, & Vaughan EB (2011). Fortune favors the bold (and the Italicized): effects of disfluency on educational outcomes. Cognition, 118 (1), 111-5 PMID: 21040910

Esta entrada foi publicada em Psicologia Cognitiva. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

4 respostas para Quanto mais difícil de ler, melhor!

  1. Souza,

    Tem a ver só com pensamento analítico vs intuitivo ou também com o fato de uma fonte mais difícil de ler fazer as pessoas lerem mais de uma vez a mesma passagem?

    []s,

    Roberto Takata

  2. Oi Takata,

    No experimento de laboratório, esse fator geralmente é diretamente controlado, uma vez que o texto é mostrado apenas UMA vez pelo mesmo espaço de tempo. No entanto, esse controle se perde no experimento mais naturalístico. No entanto, o tamanho do efeito nos dois experimentos é bem robusto de maneira que esse pode ser um fator de pouca influência. Nos meus experimentos de fluência de processamento, geralmente tenho pelo menos uma condição em que utilizo self-paced reading onde o participante controla o próprio tempo de leitura e ainda assim esse fator influencia pouco os efeitos no processamento de alto nível.

    Valeu pela leitura e comentário,

    A.

  3. rafael disse:

    Tudo isso pra justificar a letra feia?

    não inventa desculpa e escreva melhor.

    abraços

  4. Odenilton Júnior disse:

    Saudações,
    Em primeiro lugar quero parabenizar os postes do Blog.
    Desde o início do ano quando conheci o site Jovem Nerd, descobri que também sou um nerd... "risos" E foi ouvindo o Nerdcast que cheguei até seu blog.
    Como perdi minha visão ficando totalmente cego há pouco mais de seis anos, tenho me interessado muito sobre como funciona a questão da visão e também da audição... Aos poucos tenho lido todos os postes do blog, mas se tiver conhecimento de outras fontes onde eu possa entender mais sobre estes assuntos fico grato por me indicar.
    Também estou aberto para contato em (off).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *