Como acontece uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional (PHEIC) e qual a relação com a varíola símia?

à esquerda há a representação do globo, com várias sinalizações de localização distribuídas. No centro está o desenho de um relatório (uma folha com uma lupa na frente). Escrito "monkeypox" no topo da folha. à direita uma pessoa, com mão na cintura e a mão esquerda voltada ao relatório, como se estivesse explicando algo. Um balão de diálogo acima dela escrito "O que é uma Emergência de SAúde Pública de Preocupaçaõ Internacional?"
Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Mariene Amorim e Maurílio Bonora Junior

Estamos nos deparando com uma emergência pública de saúde de preocupação internacional. Assim, mais uma vez nos deparamos com inúmeras notícias, informações desencontradas e comunicações que podem ser assustadoras.

Desde que a monkeypox aterrissou no Brasil, parece que notícias desencontradas que vão surgindo: ela não é motivo de preocupação, depois parece que mudam de ideia, cada hora aparece alguém falando algo diferente!

O que mesmo está acontecendo?

Primeiramente, é importante falar que o monitoramento internacional de doenças acontece deste modo. Conforme as notificações aparecem, comitês específicos na Organização Mundial de Saúde (OMS) analisam tudo o que precisa compreender sobre o que está acontecendo, para elaborar diretrizes de ação.

E quando são doenças endêmicas que aparecem em transmissão maior do que o esperado, apenas o tempo dirá se realmente existe a necessidade de medidas internacionais ou não, para diminuir a incidência dessas doenças.

Antes de seguir, no Especial Covid-19 nós falamos sobre endemia e apresentamos a definição:

“Seria uma infecção em que a quantidade de pessoas que adoece e eventualmente morre nem aumentam, nem diminuem. Ou seja, o número de pessoas que pode se infectar, a partir de um indivíduo infectado, está equilibrado dentro de uma população em que qualquer pessoa pode se infectar. Veja que isto não quer dizer que a doença diminuiu sua gravidade, nem que a mortalidade não causa prejuízos a uma população. Apenas quer dizer – e somente isto – que há um equilíbrio.”

Voltando à OMS e comunicações sobre doenças, hoje nós vamos falar um pouco sobre algumas definições, para entender melhor cenários de doenças que vão tomando espaço nos noticiários internacionais e nacionais.

PHEIC, a sigla da vez

Em inglês Public Health Emergency of International Concern (PHEIC). O que isso quer dizer?

Segundo a Organização Mundial de Saúde, PHEIC é

“um evento extraordinário que se constitui em um risco para a saúde pública de outros países através da propagação internacional de doenças e exige potencialmente uma resposta internacional coordenada”.

Existe um Comitê de Emergências, na OMS, para avaliar doenças notificadas no mundo, que estejam se espalhando e corram o risco de virar uma doença de preocupação internacional. E é este comitê, integrado por especialistas em saúde, que acompanham e analisam casos de saúde, para elaborar diretrizes técnicas e científicas, a fim de sugerir ações coordenadas, a partir da OMS.

Para decretar-se como PHEIC uma doença “precisa cumprir” alguns requisitos: ser grave, inesperada e repentina, ter implicações para a saúde pública para além de fronteiras nacionais e deve requerer ações internacionais coordenadas (Tradução livre adaptada do site da OMS).

A Regulamentação de Saúde Internacional e a PHEIC

A definição da PHEIC foi dada pela Regulamentação de Saúde Internacional (International Health Regulations, IHR, em inglês). Esta regulamentação é um acordo jurídico internacional, feito por vários países, incluindo todos os países que são membros da OMS. Este acordo visa organizar medidas de saúde pública que ultrapassem fronteiras nacionais e se tornem questões de saúde internacional, coordenando ações de forma global.

o IHR inclui várias medidas importantes, acordadas por 196 países, a fim de minimizar ao máximo o impacto de doenças que estejam circulando, no mundo. Neste sentido, algumas medidas se vinculam a transportes (portos, aeroportos e travessias terrestres) que possam ser espaços de propagação de riscos à saúde, entre países. Além disso, este aparato também possibilita que se tenha o menor impacto possível para que se mantenha o tráfego e a interrupção do comércio, dentro de parâmetros seguros.

Quais doenças já foram designadas como preocupações internacionais?

O IHR existe desde 2005 e desde então o Comitê de Emergências em Saúde já anunciou algumas doenças como de preocupação internacional:

  • H1N1, em 2009
  • Poliomielite, em 2014
  • Ebola, em 2014
  • Zika, em 2016
  • Ebola, em 2019
  • Covid-19, em 2020
  • Monkeypox, em 2022.

Quando uma doença é definida como de preocupação, pelo comitê, ela será reavaliada se a situação se mantém, ou não, em um período de 3 meses. Isto é, as notificações acontecem com período definido para seguirem avaliando a situação internacional.

As notificações se modificam mesmo, pois é o resultado de um processo de análise, que leva em conta muitos fatores (transmissão endêmica, nacional, internacional, quantidade de casos, gravidade destes casos, necessidade de interferência imediata e coordenada, etc.).

Por exemplo, comunicou-se hoje, dia 23 de Julho, que a Monkeypox ou varíola símia é uma doença de preocupação de saúde pública internacional. Por outro lado, há um mês atrás foi noticiado que ela não era uma PHEIC.

Estas reuniões, em casos assim, são feitas a partir de notificações de vários países, que vão apresentando dados de saúde pública à OMS, debatidas dentro do Comitê de Emergências, para a tomada de decisões.

Questões importantes sobre o IHR e o PHEIC

É claro que estas regulamentações e notificações do comitê são importantes para compreendermos o cenário mundial e as doenças que estão circulando. No entanto, o IHR não é uma obrigatoriedade. Ou seja, relacionam-se mais a recomendações que deveriam guiar o controle de doenças, promover vigilância (epidemiológica, genômica, sanitária, etc.). Dessa forma, uma doença ser notificada como preocupante ajuda na tomada de decisões fundamentais.

Ainda assim, é preciso que os governos dos países estejam atentos e invistam tanto em notificações, quanto no aparato para combater a transmissão. Como? Investigar a transmissão da doença, promovendo testagens e, claro, pesquisas científicas que promovam conhecimento técnico e científico para também combater estas doenças. Seja com tratamento, seja com vacinas ou medidas não farmacológicas.

Mas é preciso mais, também é fundamental a comunicação científica e jornalística sobre as doenças informarem com cuidado e acurácia, sem alarmismos que podem levar à tomada de decisões exageradas ou descabidas, em níveis locais.

E a Monkeypox (ou varíola símia)?

Hoje saiu a comunicação oficial da varíola símia como PHEIC. Dessa maneira, o Comitê apresentou linhas de ação a partir de quatro possibilidades, vinculadas ao modo como situação da varíola símia aparece nos países:

  • Grupo 1: Países sem histórico de varíola símia na população humana ou sem ter detectado um caso de varíola símia por mais de 21 dias;
  • Grupo 2: Países com casos de varíola símia importados recentemente na população humana e/ou com transmissão entre humanos do vírus da varíola símia, inclusive em grupos-chave da população e comunidades com alto risco de exposição;
  • Grupo 3: países com transmissão zoonótica conhecida ou suspeita de transmissão da varíola símia, incluindo aqueles onde a transmissão zoonótica da varíola símia é conhecida ou foi relatada no passado, aqueles onde a presença do vírus da varíola símia foi documentada em qualquer espécie animal, e aqueles onde a infecção de países de espécies animais pode ser suspeita, inclusive em países recentemente afetados;
  • Grupo 4: países com condições de fabricação de medidas ou contrapartidas médicas

Em suma, cada um destes grupos classificados possuem diretrizes específicas, com políticas públicas indicadas para a contenção da varíola símia.

Além disso, segundo o relatório da OMS, a situação epidemiológica global entre 1 de janeiro de 2022 e 20 de julho de 2022, apresentada foi de 14.533 casos prováveis e confirmados em laboratório. Os casos relatados são de 72 países em todas as seis regiões da OMS. Desde o início de maio de 2022, registrados mais de 3 mil casos em 47 países.

Finalizando

Por fim, o texto de hoje buscou apresentar um pouco sobre o que é uma doença de preocupação internacional e quais foram as notificações recentes. A partir desta declaração de hoje, da varíola símia, organizaremos uma série de textos que tratem desde a biologia da doença (como é o vírus, como ele é transmitido, que tratamentos ou vacinas existem, cuidados não farmacológicos, sintomas, etc.), até questões sociais, políticas públicas e acompanhar estas notificações internacionais também. 

Mas ainda há bastantes informações sobre o tema. Assim, ainda falaremos mais sobre a PHEIC e as recomendações internacionais, em próximos textos, mais detalhados.

Acompanhe mais informações em breve, aqui no EMRC e no Blogs Unicamp!

Para Saber Mais

WHO (2019) Emergencies: International health regulations and emergency committees

___ (2022) Second meeting of the International Health Regulations (2005) (IHR) Emergency Committee regarding the multi-country outbreak of monkeypox 

___ (2022) Meeting of the International Health Regulations (2005) Emergency Committee regarding the multi-country monkeypox outbreak

Wilder-Smith A, Osman S (2020) Public health emergencies of international concern: a historic overview, J Travel Med, Dec 23;27(8):taaa227.

Parcerias do Blogs

Mellanie Fontes-Dutra A Monkeypox/Varíola Símia foi declarada como Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional pela @WHO

Rede Análise (2022) Painéis Monkeypox; análise sobre a monkeypox

Os autores

Ana de Medeiros Arnt, licenciada em biologia, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora do Instituto de Biologia e pesquisadora do EMRC, PEmCie e CEDiCiências, coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e é comitê científico do Especial Covid-19 e blog do EMRC.

Maurílio Bonora Junior, Biólogo formado pela UNICAMP e mestre e doutorando em Genética e Biologia Molecular e divulgador científico na área de saúde. Atualmente, Trabalha com divulgação científica sobre Covid-19 desde 2020 e atualmente é parte do comitê científico e administrativo do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial Covid-19. Pesquisador, nerd, amante de cultura pop, música, ficção científica, fantasia e, claro, ciência.

Mariene Amorim Natural de Salvador, Bahia, e biomédica formada pela Universidade Tiradentes – Aracaju, Sergipe. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, na área de Virologia. Trabalha com vírus emergentes desde 2015. Atualmente é doutoranda em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, e participa de um estudo genômico-epidemiológico e de multi ômicas do novo coronavírus (SARS-CoV-2), a fim de acompanhar a evolução molecular do vírus, entender o desenvolvimento da COVID-19 e acompanhar o avanço da pandemia na cidade de Campinas e região metropolitana. Mariene também é membro da Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp.

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