A outra caixa de Skinner

Deborah Skinner em seu aircrib.

Após o nascimento de sua segunda filha, Deborah, em 1944, o psicólogo behaviorista B.F. Skinner (1904-1990) teve o que para uns foi sua ideia mais brilhante e para outros, a mais infame. Para aliviar a barra de sua esposa, Yvonne, Skinner desenvolveu um inovador dispositivo para cuidadados infantis (isso cheira a patente patética, mas não é).

Originalmente batizada de aircrib ou air-crib (lit. aeroberço), a invenção de Skinner era uma caixa com controles de temperatura e umidade e um painel de vidro na qual o bebê — sem qualquer fralda ou lençol — poderia ser posto por algumas horas para dormir. Em suma, era um chiqueirinho (ou cercadinho) high-tech e com ar-condicionado. O objetivo era permitir grande liberdade de movimento para o bebê e encorajar-lhe a independência literalmente desde o berço. O colchão havia sido especialmente projetado para ser facilmente removível e lavável. Como era de se esperar, D. Yvonne ficou interessada e acabou atuando como co-inventora. Durante boa parte de seus primeiros anos, Deborah Skinner passaria a maior parte de suas horas de sono no aeroberço. Mas ao contrário de relatos posteriores, ela não foi “criada numa caixa”.

Os problemas começaram quando Mr. Skinner ficou tão entusiasmado com o próprio sucesso doméstico que decidiu escrever um artigo para o Ladies’ Home Journal. “Baby Care Can Be Modernized” [“Cuidados com o Bebê podem ser Modernizados”] foi o título que Skinner deu ao artigo. Infelizmente, os editores (em sua santa sabedoria) alteraram o título — sem avisar o autor — e o artigo saiu como “Baby in a Box” [“Bebê numa Caixa”]. B.F. não pareceu se incomodar, afinal ele apenas descrevia detalhadamente e apresentava o aircrib com a intenção de aliviar alguns percalços que a chegada de um bebê sempre trazia.

Mas não era apenas mais um bebê que estava chegando e sim um babyboom. Por isso, as revistas sempre publicavam novas ideias sobre o tema, muitas vezes de forma acrítica. Seguiram-se numerosos outros artigos sobre a “baby box” que saíram até em publicações como a Life e a Time. Os Skinners logo se viram embaixo de uma chuva de pedidos de instruções de inúmeros pais de primeira viagem que desejavam seu próprio aeroberço ou que simplesmente escreviam cartas de apoio entusiásticas.

Bagunça atrás de bagunça

Evidentemente, nem todo mundo gostaria da ideia. Ainda mais porque havia grande confusão entre o aircrib de Skinner e sua famosa caixa, usada em experimentos sobre comportamento animal. Assim, não houve surpresa quando Skinner passou a receber correspondências iradas, afirmando que ele estava criando sua filha da mesma forma como conduzia uma experiência. Uma carta foi enviada ao procurador-geral local exigindo que o casal Skinner fosse processado pela forma como cuidava de Deborah. Outra carta anônima, datada de 1945, denunciava o aeroberço como “a mais louca e ridícula invenção de que ouvimos falar: enjaular um bebê como um animal só para aliviar a mãe de um pouco de trabalho.”

Ok, o aircrib não acabava com todo trabalho...

Apesar de toda oposição, os Skinner fizeram o que qualquer outro casal americano teria feito: eles resolveram testar a viabilidade comercial do aircrib. Pouco depois da atrapalhada publicação do artigo, por volta de outubro de 1945, Mr. Skinner foi contatado por um empresário de Cleveland, J. Weston Judd, que propôs a abertura de um novo negócio para fabricar e vender os polêmicos mamilos berços. Mr. Judd também propôs o uso de Heir Conditioner [Condicionador de Herdeiro e também um trocadilho infame com condicionador de ar] como nome comercial. B.F. gostou da ideia e os dois assinaram um contrato.

Mas Skinner não tardaria a se arrepender — e não só pelo trocadilho engraçadinho. Cada vez que recebia uma nova carta pedindo instruções sobre o aeroberço, ele passou a recomendar os serviços da firma de Judd. Este, por sua vez, acabou recebendo tantos pedidos que passou a exigir pagamentos adiantados para garantir a entrega. Só que, depois da onda de pedidos, veio uma de reclamações.

Os poucos aeroberços fabricados por Judd tinham sérias falhas de projeto. Judd, aparentemente, construiu-os e vendeu-os às pressas, sem sequer submetê-los a aprovação de Skinner. Pra piorar (sempre pode piorar), começaram a aparecer cartas raivosas, exigindo a entrega de berços que não chegavam nunca, nem com parcelas adiantadas.

Caindo feito um pombo

B. F. Skinner nos anos 1940. Não riam, mas B. é de "Burrhus".

A ficha de Skinner levou meses para cair. Só em 1946 é que ele descobriu que Judd havia dado um golpe: o empresário desapareceu depois de receber o máximo de dinheiro possível. Quando chegou a Cleveland para maiores investigações, Skinner deu com a oficina de Judd em caos, sem o menor sinal do sistema de produção em massa que Judd havia prometido no contrato. Embora não tenha sido legalmente responsabilizado (ele era apenas um colaborador e não sócio da empresa criada por Judd), Skinner sentiu-se culpado e fez o possível para pagar algumas restituições.

Apesar de tudo, ele ainda insistiria na ideia como um pombo teimoso (ou talvez treinado): associou-se com um engenheiro, John Grey, e fundou a Aircrib Corporation. Obviamente, o estrago já estava feito e não havia mais mercado para berços high-tech. Mesmo assim a fábrica de Aircrib Corporation só fechou as portas em 1957, mais de uma década depois do escândalo (ou, se preferir, da ideia original).

Dado que o tal berço não passava de uma associação simples entre um ar-condicionado, um colchão e uma caixa de metal e vidro, era praticamente impossível patenteá-lo. Os planos do aircrib cairam rapidamente em domínio público, tornando-se disponíveis para qualquer casal interessado (veja algumas dicas, em inglês, aqui). Até mesmo a irmã mais velha de Deborah, Julie, criaria dois filhos usando a invenção do pai. Não há, entretanto, qualquer estatística sobre quantos bebês foram criados assim. Por isso mesmo, é praticamente impossível conduzir qualquer estudo sobre os efeitos da geringonça na formação das crianças.

Presa ao berço

Apesar de tudo, Deborah Skinner (Buzan, após se casar) teve, de certo modo, que arrastar seu berço pelo resto da vida. Embora sempre tenha mantido boas relações com o pai, ela teve que suportar inúmeros rumores de supostos efeitos que o aircrib teria sobre ela. Um dos rumores dizia que Deborah havia crescido com sérios danos psicológicos. Outro, que ela processara seu pai por ter recebido um tratamento “cruel”. Houve até relatos de que Deborah teria se suicidado graças ao aircrib.

Os rumores voltaram à tona em 2004, quando Lauren Slater repetiu muitas das velhas fofocas sobre o aircrib e sobre Deborah em seu livro Opening Skinner’s Box: Great Psychological Experiments in the 20th Century [Abrindo a Caixa de Skinner: Grandes Experimentos Psicológicos do Século XX]. Ainda que alertasse para a fragilidade dos rumores, Slater tanto fez que Deborah escreveu sua resposta no The Guardian (apropriadamente intitulada “I was not a lab rat”). Mrs. Skinner Buzan critica Slater por ser capaz de levantar velhos rumores mas ser incapaz de entrevistar gente diretamente envolvida no caso antes de apresentar suas conclusões. Mas a filha de Skinner também culpa o pai. Não pelo berço especial, mas por torná-lo público de modo inadequado.

Parecia uma ideia tão boa em 1944!

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