Patentes Patéticas (nº. 53)

sem-fumaça

Pouca gente hoje sente saudade das locomotivas a vapor, com sua fumaça, seu barulho e sua relativa lentidão. Embora já esteja virtualmente extinta há mais de meio século, não foi por falta de inovação que a tecnologia a vapor morreu — já vimos, por exemplo, um sistema termo-hidráulico para tirar animais dos trilhos. Uma invenção mais útil, que tentava aumentar a eficiência e reduzir a poluição das Marias-Fumaça, apareceu já no fim do século XIX. Era a “Locomotiva Consumidora de Fumaça” de Frank Charles McNally:

Essa invenção relaciona-se a locomotivas que consomem seus próprios produtos de combustão (chamadas às vezes de “locomotivas sem-fumaça”), de um tipo que é equipado com um ventilador/compressor giratório para criar uma corrente de ar forçada e retornar a fumaça e as cinzas da caixa de fumaça para a caixa de fogo, em vez de permitir seu escape para o ar livre. Meu aperfeiçoamento consiste em uma inovadora construção e combinação da caixa de fogo, da caixa de fumaça ou cinzas, do ventilador, do sistema de exaustão, da chaminé e de uma válvula para regulagem da corrente através da mesma.

Como fica implícito na patente, a ideia de Mr. McNally (de Kansas City, Missouri), não era exatamente original. Na edição de 10 de outubro de 1888, o jornal Deseret News traz uma nota intitulada “Uma Locomotiva sem ruído e sem fumaça”, mas sem dar detalhes técnicos. Já a patente nº. 531.555, que foi emitida em 25 de dezembro de 1894, é bastante detalhada.

Simplificando a patente de McNally, os gases e cinzas são liberados apenas durante o aquecimento do sistema — o que, em parte, explica porque ainda há uma chaminé. Uma vez alcançada certa pressão, a chaminé é fechada (com uma sofisticada cordinha). Acionado pelo vapor da locomotiva ou por uma correia ligada a uma das rodas, o compressor passa, então, a redirecionar a fumaça para um tubo que termina numa espécie de gaveta de cinzas, onde os gases (re)combustíveis elevam-se e retornam à câmara de combustão. As partículas mais finas também sobem, mas as mais pesadas ficam nessa gaveta. Caso o compressor entre em pane, não há problemas: uma válvula força a abertura da chaminé e os gases de exaustão são lançados na atmosfera normalmente.

No entanto, uma série de problemas torna uma locomotiva sem fumaça tecnicamente impraticável. Não fica claro, por exemplo, com que frequência a gaveta de cinzas deve ser esvaziada. Seria preciso interromper viagens para isso? Talvez sim. Aparentemente, o sistema McNally é um sistema fechado (desde que a chaminé seja fechada). Para não haver acúmulo de gases e riscos de explosão seria necessário abrir a chaminé de vez em quando (é verdade que basta puxar uma cordinha para resolver isso, mas uma “Maria-sem-Fumaça” que solta fumaça certamente seria vista como propaganda enganosa pelo público). Nem todos os gases de exaustão seriam combustíveis — o gás carbônico é o exemplo mais óbvio — e portanto a economia talvez fosse pequena demais para o investimento. Além disso, o sistema McNally seria até anti-econômico. Mais peças, ainda que sejam poucas e bem simples, necessitam de mais manutenção. A opção mais poluidora sempre foi a mais barata.

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  • João Carlos

    Pouca gente hoje sente saudade das locomotivas a vapor, com sua fumaça, seu barulho e sua relativa lentidão.

    Pois está falando comigo mesmo!... Eu sinto saudades das Marias-Fumaças. No primeiro mundo, foram substituídas por locomotivas elétricas que "terceirizam" a poluição para as usinas geradoras, ou pelas Diesel-Elétricas que poluem tanto ou mais.
    Nunca se chegou a empregar a tecnologia de turbinas a vapor em substituição às engrenagens alternativas nas locomotivas, portanto jamais saberemos se a tecnologia a vapor morreu nas ferrovias (porque nos navios continua a ser largamente usada – a grande novidade é a "caldeira nuclear") por inútil ou por falta de visão dos engenheiros.
    Quanto às limitações de velocidade, existem fartos exemplos de locomotivas a vapor bastante rápidas e eficientes... o maior problema delas era a má qualidade dos trilhos.

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