Patentes Patéticas (nº. 112)

Ser fumante hoje em dia não é fácil. Quando você não é convidado a se retirar para aquele gueto de fumantes cinicamente chamado de fumódromo, você não pode fumar. Quase sempre você não é compreendido. Seria muito melhor se fumar fosse um ato individual, mas — a não ser que você use um capacete-exaustor — você vai acabar poluindo o ambiente de seus colegas fumantes. E, pensando bem, mesmo quando pode fumar, você mais desperdiça do que aproveita sua dose de tabaco em forma de fumaça. Como proceder?

Xuam M. Pham pode ter a solução. Na virada do século ele inventou um Portable cigarette smoking apparatus [Aparelho portátil para fumar cigarro]. Ao contrário do que pode parecer, não é um troço que fuma o cigarro no seu lugar:

Um aparato fumador de cigarro, trago sob demanda [puff-on-demand] para diminuir a queima desnecessária de tabaco bem como diminuir a corrente lateral de fumo. O aparato portátil para fumar cigarro pode ser usado para fumar cigarros tradicionais e inclui um isqueiro-caixa reutilizável que inclui uma abertura na qual uma extremidade do cigarro a ser fumado é adaptado para ser inserido dentro [sic]. Após o cigarro ser inserido através da abertura, o cigarro é direcionado a uma bucha extintora. O sistema de fumo de cigarro inclui um gatilho atuável que é operacionalmente ligado a um mecanismo de avanço do cigarro para avançar o cigarro dentro da caixa do isqueiro sob a atuação do gatilho até uma distância pré-estabelecida ao longo da bucha extintora. Como resultado, uma porção do cigarro é puxada além da bucha extintora. A ativação do gatilho também ativa uma fonte de calor para que temporariamente dê calor à porção exposta do cigarro, acendendo assim o cigarro e permitindo ao fumando inalar um trago da ponta do cigarro saliente da caixa do isqueiro. Ao fim do trago, a bucha extintora é capaz de apagar o cigarro. A ativação do gatilho pode ser repetida por uma pluralidade de vezes até que não haja mais bastão de tabaco disponível para fumar. Após a conclusão do fumo, o que restar do cigarro pode ser removido da caixa do isqueiro e descartado.

Resumindo o resumo, Mr. Pham acha que seria melhor que os fumantes fumassem aos pouquinhos. O que ele propõe no resumo um tanto rocambólico da patente nº. 6.349.728 [pdf] é que os fumantes usem um isqueiro-cinzeiro e acendam e apaguem seus cigarros a cada tragada. O inventor, de Glen Allen, Virginia, justifica-se:

Geralmente, quando um fumante acende e fuma um cigarro, o cigarro é queimado continuamente e o fumante consome apenas uma porção relativamente pequena do cigarro. De fato, muitos cigarros são tratados [quimicamente] de modo a assegurar uma queima contínua e uniforme quando o cigarro não está sendo tragado. Como resultado, uma grande quantia de tabaco é desnecessariamente queimada e desperdiçada durante o fumar de um cigarro tradicional. Adicionalmente, pela queima contínua do cigarro, uma grande quantia de fumaça é gerada sem necessidade, expondo ainda mais o público não-fumante à fumaça do cigarro, bem como poluindo o ambiente.

A descrição técnica do funcionamento do aparelho é muito mais clara que o resumo já apresentado. Destacamos os seguintes parágrafos, que têm por referência a Fig. 1, que abre este artigo:

Sempre que o fumante estiver pronto para tomar um trago, o gatilho 10 é momentaneamente pressionado e uma porção do cigarro é combustada, com ou sem a liberação do gatilho. A depressão do gatilho 10 ativa assim um mecanismo de avanço do cigarro 20 bem como a fonte de calor 12 de maneira a ser descrita. O mecanismo de avanço do cigarro 20 avança [i.e., puxa] o cigarro a uma distância pré-estabelecida no interior da caixa do isqueiro 6. A distância pré-estabelecida pode ser, por exemplo, de aproximadamente 8mm, como medido da extremidade distal da bucha extintora 14 até a extremidade distal do cigarro 4. A extremidade distal do cigarro 4 é assim movida até uma posição na qual uma porção exposta do cigarro pode receber diretamente um pulso de calor da fonte de calor 12.

Após o avanço do cigarro, a fonte de calor 12 é ativada para combustar a porção exposta do cigarro 4, permitindo assim que o fumante tome um trago do cigarro aceso. Após o fim do trago, a porção combustada do cigarro auto-extingue-se na ponta da seção da bucha extintora 14, i.e., a bucha 14 aperta o cigarro e evita que a combustão continue ao longo do cigarro por falta de oxigênio. A bucha 14 é ilustrada como tendo forma genericamente cilíndrica. Entretanto, deve-se entender que a bucha 14 pode possuir outras formas e configurações de modo que a bucha 14 seja apropriadamente configurada para auto-extinguir o cigarro. Neste ponto, ao ser puxado por nova pressão do gatilho 10, o restante do cigarro 4 está pronto para o próximo trago.

Quem ainda não entendeu, pode dar uma olhada nas figuras 3, 4 e 5:

Pode parecer que é um invento de engenhosidade louvável. Agrada a gregos fumante e troianos não-fumantes. Para os fumantes, garante que seu cigarro (e seu dinheiro) não seja desperdiçado em fumaça que não é inalada. Para os não-fumantes, diminui a fumaça e o cheiro do cigarro no ar. Esse isqueiro-cinzeiro parece algo econômico e até ecológico, mas não é.

A boa intenção de Mr. Pham é posta em suspeita ao verificar certos detalhes desta patente. Um inventor pode, por exemplo, ceder sua patente a uma empresa, que pode explorá-la comercialmente. Pois bem: ao ser aprovada em 26 de fevereiro de 2002, a patente de Mr. Pham foi logo cedida para a Phillip Morris!

Mesmo que Mr. Pham seja um funcionário da Phillip Morris e não um inventor ingênuo cooptado por uma grande corporação do fumo, isso ainda é muito grave. Será que uma indústria do fumo se preocuparia em criar algo capaz de minorar os efeitos do cigarro? Como um dos objetivos principais do invento é “diminuir a queima desnecessária de tabaco”, isso significa que o aparelho expõe o fumante a doses mais concentradas de nicotina e de todas as demais substâncias tóxicas encontradas na fumaça do cigarro.

Na prática, portanto, esse aparelho portátil para fumar cigarro representa um risco a mais para quem fuma. É claro que uma empresa que vende cigarros não inventaria (ou permitiria que se inventasse) algo que permite o consumo fracionado de cigarros a troco de nada.

Para os fumantes, é provável que ser obrigado a fumar com um isqueiro-cinzeiro acoplado pareça desconfortável ou mesmo deselegante. Se você é fumante, pode ser que sempre precisar usar as duas mãos a cada trago com esse sistema. Se você já é fumante e já acha que desperdiça muito dinheiro com isqueiros (mas não com cigarros), com este desperdiçaria mais. Como o isqueiro seria acionado com mais frequência, seu combustível acabaria mais rápido. Até porque, com um isqueiro acoplado, haveria menos espaço para o combustível. Como é um isqueiro especial, seria necessário comprar um novo. Ou seja, além de pagar à Phillips Morris pelo maço de cigarros, nosso hipotético fumante que aderisse a esse sistema, ainda pagaria pelo isqueiro!

Evidentemente, o nobre objetivo de minimizar a emissão de fumaça no ambiente não pode ser alcançado se o fumante deixar este isqueiro de lado. Como este isqueiro não é indispensável para fumar (qualquer isqueiro vagabundo ou mesmo um fósforo serve), o plano todo é mais ingênuo que engenhoso.

Até onde sei, tal isqueiro-cinzeiro não foi comercializado até agora. É provável que a Phillips Morris só tenha conseguido tal patente justamente para impedir a comercialização do invento. Mesmo com os lucros possíveis da venda de isqueiros (convenhamos, um isqueiro pode valer mais que um cigarro), tal aparelho seria um risco à indústria do fumo. Afinal, para esta indústria, quanto mais cigarros queimados, continuamente ou não, melhor.

Aspectos industriais e paranoia à parte, embora o texto da patente deixe bem claro que o invento registrado destina-se somente para cigarros industrializados de tabaco, há uma ressalva curiosa no fim da patente. Em meio a termos como “tabaco reconstituído”, “blends de tabaco”, “tabaco cortado” e “tabaco expandido”, Mr. Pham afirma que “a presente invenção pode ser adaptada para uso com cigarros não-tradicionais ou com tabaco ou com substitutos não-tabaco que tenham sido moldados para a forma de um cigarro, como seria aparente para alguém com habilidades ordinárias na arte.”

Teoricamente, portanto, dá pra usar para apertar mas não acender o bagulho agora.

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