Os novinhos não se lembram, mas houve uma época em que as motos — e até alguns carros, como o DKW — eram movidos pelos fumacentos e barulhentos motores de dois tempos. Mas esta velha tecnologia que remonta ao fim do século XIX acaba de ser miniaturizada e entrar no século XXI.
Para os novinhos (e velhinhos) que não se lembram dele, o motor de dois tempos é uma máquina de combustão interna formada basicamente por um pistão e uma câmara de combustão ou cilindro. Pode haver um ou mais cilindros, mas geralmente esses motores são monocilíndricos.
A diferença para o motor de quatro tempos é que os ciclos de admissão, compressão, explosão e exaustão não são bem delimitados por causa da ausência de válvulas. Na animação a seguir, é possível notar que a mistura ar/combustível (em verde) entra pelo cárter e é admitida por uma janela. A compressão é intensa e a explosão é instantânea. Os produtos da exaustão (cinza) são empurrados para fora do cilindro pela admissão de mais combustível. Como não há espaço para óleo no cárter, é preciso misturá-lo com o combustível para garantir a lubrificação.
Por sua simplicidade de construção — são poucas as peças móveis —, o motor de dois tempos ainda vive em aplicações portáteis, que precisam de motores pequenos e leves, como aeromodelos e cortadores de grama. Mas seria possível reduzir ainda mais um motor de dois tempos?
Em artigo recém-publicado na Nano Letters, um grupo de pesquisa do Graphene Research Center, da National University de Cingapura, relata a construção do primeiro motor de nanoescala similar a um motor de combustão interna. Liderado por Jong Hak Lee, o grupo criou um motorzinho minúsculo com uma camada de grafeno de um átomo de espessura.
Evidentemente, há diferenças em relação a um motor de dois tempos macroscópico. Não dá pra fazer uma câmara de combustão, um pistão e uma vela de ignição com uma camada tão tênue de grafeno. Embora não haja combustão alguma, há semelhanças. O próprio grafeno funciona tanto como um pistão quanto como “combustível” e um raio laser faz as vezes de vela. Como num motor de dois tempos clássico, é necessário misturar um “lubrificante” ao combustível/pistão para haver um bom funcionamento.
No caso do nanomotor, esse funcionamento também é simples: quando o laser atinge o grafeno, este se aquece e se expande, formando uma bolha; quando o laser apaga, a bolha murcha. Acendendo e apagando o laser ciclicamente, temos um movimento semelhante ao de um pistão. Nesse caso, os dois tempos são bem definidos: o tempo aceso e o apagado.
Mas se não tem atrito nem câmara de combustão, pra que serve o “lubrificante” nesse caso? Pra evitar que o motorzinho de grafeno funda — ou melhor, estoure. Apesar de minúsculo, o nanomotor de grafeno sofre pressões de até 1 milhão Pa, várias vezes maior que a pressão do interior de um pneu. Essa pressão varia de acordo com a potência do laser. Quanto mais potente o laser, mais cresce a bolha. Os pesquisadores de Cingapura observaram que um laser de 0,32mW [microWatt] resulta numa bolha de 550 nanômetros. Mas um laser com mais de 8,5mW gera uma pressão tão grande que a nanobolha estoura.
Para minimizar esse efeito, Lee e seus colegas adicionaram moléculas de trifluoreto de cloro (ClF3) à malha de grafeno. As moléculas de ClF3 são atraídas por átomos de carbono por ligações iônicas. Quando o laser é ligado, essas ligações são quebradas e o grafeno pode se expandir à vontade. Quando o laser é desligado, as moléculas de ClF3 são reabsorvidas pelo grafeno, diminuindo a pressão e fazendo a bolha murchar.
Nos testes feitos, ficou demonstrado que o motor de grafeno é bastante confiável: nenhum sinal de degradação foi observado após 10 mil ciclos. A eficiência energética também foi considerada bastante satisfatória. Segundo o professor Lee, uma aplicação simples para esse nanomotor de dois tempos seria como bomba para nanofluidos. Futuramente, ele poderia ser usado em nanorrobôs ou outras nanomáquinas.
Referência
Jong Hak Lee, et al. "Nanometer Thick Elastic Graphene Engine." Nano Letters, 2014, 14 (5), pp 2677–2680. DOI: 10.1021/nl500568d
[via Phys.org]
JOAO ARTUR GRAF
O MOTOR DOIS TEMPOS, USA O PISTÃO COMO VÁLVULA, DIRETA ENTRE A CAMARA E O CARTER, POR ISTO É SIMPLES.