Patentes Patéticas (nº. 143)

Máquina Piramidal

Gamal Elfouly foi um visionário egípcio que inventou uma solução única para diversos problemas do século XXI, como geração de energia e tratamento de água — tudo da maneira mais limpa e ambientalmente correta possível. E da maneira mais egípcia também. Em quatro patentes, Elfouly clama ser nada mais nada menos que o inventor de uma Máquina Piramidal,

Uma máquina de conversão de energia (1) tendo a forma piramidal (7). A energia da água e do vento é utilizada pela máquina de conversão (1) para dessalinização e purificação da água, aquecimento, refrigeração ou como sistema de suporte para a vida subaquática. A máquina piramidal não causa poluição sonora ou auditiva, nem poluição do ar ou do ambiente.

Esse é o resumo dado por Elfouly para suas quatro patentes dessa mágica máquina-pirâmide. A primeira teve seu pedido registrado na WIPO (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) em 27 de agosto de 1998. Esse pedido foi publicado em 11 de março de 1999 sob número WO/1999/011925 A1. Sendo uma patente internacional ela teria validade em diversos países (inclusive o Brasil), além de render duas patentes europeias (EP1032763A1 e EP1032763A4) e uma canadense (CA2307893A1).

Mas que raios é essa Máquina Piramidal? Morador do Cairo possivelmente inspirado pela energia das pirâmides vizinhas, Elfouly explica:

A Máquina Piramidal contém uma quantidade de água que, uma vez alcançada o reservatório subsidiário de dissociação de água e a câmara da bateria ativada por água (4), produzirá uma quantidade de água usando uma bateria Zinco/Cobre ativada por água (48 & 49), por exemplo, e a eletricidade produzida será usada em seguida em sua aplicação que é amplificada pela forma piramidal e [por] sistemas como a câmara de concentração e sucção (2), a câmara do reservatório principal de água (5) e a câmara aérea do topo, com suas localizações no interior da pirâmide e entre si na dissociação da água nas células da torre (37) do separador de gás e dissociação de água (3).

Prolixidade à parte, Elfouly quer dizer que usa água e baterias dentro de uma pirâmide para gerar energia para eletrolisar a água. Vamos prosseguir: “Os gases Hidrogênio e Oxigênio da dissociação da água serão separados usando uma membrana especial (25) para esse propósito.”

Membranas para eletrólise não são novidade. Deve ser por isso que Elfouly não especifica que tipo de membrana deve ser utilizada nem qual tipo de eletrólise recomendável. O que parece ser indispensável é o formato piramidal da máquina. Vale a pena continuar vendo como ela funciona (ou não):

Os gases produzidos podem ser passados em células de combustível para produzir eletricidade ou pela câmara da chama de Oxihidrogênio piramídio (7) [sic: Oxyhydrogen flame pyramidion chamber] para aquecimento ou resfriamento usando uma unidade especial de resfriamento para tal propósito. Em ambos os casos, a molécula de água é formada de seus gases e retorna às células de dissociação na torre de dissociação para repetir o ciclo novamente.

E é aqui que o blablablá de Elfouly não consegue enganar mais ninguém: isso é um motocontínuo disfarçado de máquina piramidal! Isso fica bem claro no próprio texto da patente: “A Máquina Piramidal não usa qualquer combustível ou fonte externa de energia (exceto quando o vento é usado pela Máquina Piramidal para aumentar a produção geral de energia)”.

Nosso genial inventor egípcio simplesmente junta e separa moléculas de água com ajuda de baterias e “fios de ouro” no interior de uma pirâmide “de base quadrada”, cujos lados formam um ângulo de “52 graus com a base”, uma razão entre altura e comprimento da base de exatos “2 : 3,14” e com a “face norte da base perpendicular aos polos magnéticos e geográfico” — o que é complicado já que os polos magnéticos e geográfico não são coincidentes.

Apesar de recomendar o uso de materiais como “mármore vermelho” e “ouro”, Elfouly jura que, independente da escala, “o custo é bom uma vez que os materiais estão disponíveis a baixo custo”. A Máquina Piramidal “não causa poluição do ar ou do ambiente” nem “ruídos ou audição sonora”, uma vez que “funciona sem quaisquer partes móveis (somente a água se move em seu interior)”. O fato de efetivamente não ser produzida qualquer energia excedente e útil parece ser ignorado tanto pelo inventor quanto pela WIPO. Aliás, o mistério da aprovação dessa invenção é mais inexplicável que a técnica de construção de pirâmides dos antigos egípcios.

Foi diferente com as patentes europeias e a canadense. A do Canadá acabou anulada em 27 de agosto de 2001 após uma segunda avaliação. As patentes europeias foram “retiradas” [“withdrawn”] em 4 de outubro do mesmo ano. O status da patente internacional não está claro, mas é possível que também esteja inválida.

O que não deixa de ser uma pena. Combinada com a Antena Hiperlumínica de Strom, a Pirâmide de Elfouly estaria pronta pra resolver os maiores problemas do século XXI. Maldita Segunda Lei da Termodinâmica!

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  • Breno Souza

    Renato,
    o que vc fala que são patentes europeias e a canadense, são na verdade pedidos de patente. Eles não foram concedidos, com isso o titular não tem direito de excluir terceiros do uso do invento. Segundo, ela não teria validade no Brasil, pois o titular não entrou com a fase nacional brasileira. Só se ele tivesse feito isso e se a patente tivesse sido concedida é que ele teria os direitos garantidos aqui no Brasil também.

    Então, qualquer um pode depositar qualquer coisa como patente, mas não quer dizer que ele vai obter as benesses da patente. Isso só acontece se, depois do exame, o examinador concordar que o pedido atende os requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

    • Renato Pincelli

      Obrigado pelo esclarecimento, Breno. Como estou acostumado a tratar de patentes norte-americanas, não me atentei para esses detalhes.

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