Um prato de macarrão costuma ser uma coisa bagunçada e relativamente densa. Embora cada fio de espaguete, cada parafuso de massa ou cada bolinha de nhoque sejam independentes, eles se juntam e se entrelaçam facilmente. No planeta Terra, o resultado disso costuma ser manchas de molho de tomate naquela roupa recém-lavada. Em estrelas de nêutrons, a combinação de massas e molhos pode ter efeitos um pouco mais catastróficos.
Elas têm uma massa solar concentrada em uns poucos quilômetros de diâmetro. Na zoologia astrofísica, as estrelas de nêutrons são o segundo animal mais denso que existem — perdem apenas para os buracos-negros em termos de paquidermice cósmica. Apesar disso, essas ex-estrelas massivas compactadas giram absurdamente rápido: até 700 rotações por segundo.
Essa giração toda tem a ver com o campo magnético da estrela de nêutrons. Nascidos no interior da estrela neutrônica, esse intensíssimo campo magnético pode ser detectado pelas radiações que emite — geralmente na forma de raios X. Assim, apesar da densidade impenetrável e da rodopiosidade extrema, é possível dar uma espiadinha no interior das estrelas-nêutron.
Embora se diga que uma estrela de nêutrons é um nêutron gigantesco e maciço, isso não é verdade. Enquanto os nêutrons são mantidos colados nos átomos pela força nuclear forte, nas estrelas de nêutrons é a banal gravidade que força a matéria, comprimindo tudo numa massa capaz de formar núcleos de nêutrons gigantes. Ou quase isso.
Fig. 1: Estrutura esquemática de uma estrela de nêutron: entre a camada externa e o núcleo, situa-se uma crosta macarrônica.
O que as observações desse tipo de estrela por raios X têm revelado é que o interior desses astros não é homogêneo. Em suas camadas mais profundas e no núcleo, forma-se o chamado plasma de quark-glúon ultradenso. Isso já seria estranho o bastante mas como uma boa lasanha recheada, a surpresa está entre as camadas mais profundas e as mais superficiais.
Enquanto há matéria ultradensa no núcleo, as camadas exteriores têm matéria mais comum, inclusive com prótons e elétrons. Não tão comum a ponto de haver restaurantes italianos entre as camadas externas e internas, mas há massa, muita massa. E muita, muita pressão. É tanta massa e pressão dentro de uma estrela de nêutrons que ela toma formas regulares curiosas: placas planas, bastões, bolinhas, espirais.
Fig. 2: Astrofísica gourmet: Macarronada de nêutrons ao molho de prótons e elétrons. [Imagem: William G. Newton (Nature Physics, 09/06/2013)]
Por isso mesmo, essa matéria é conhecida como pasta (ou macarrão) nuclear. Ela se forma em meio aos rolos compressores de forças atrativas e repulsivas de magnitudes próximas. Nessa massa intermediária entram até alguns prótons e elétrons. Dependendo da forma, a pasta nuclear é descrita como fase espaguete, fase nhoque, fase lasanha ou fase penne.
Mas como é, exatamente, essa macarronada nuclear? Uma equipe de físicos das Universidades de Indiana (EUA) e McGill (Canadá) estudaram dados do telescópio espacial Chandra (especializado em raios X) e realizaram simulações computadorizadas. C. J. Horowitz e seus colaboradores descobriram que a macarronada nuclear é regular ma non troppo. “Nós descobrimos possíveis defeitos que podem existir em formas de pasta nuclear que, de resto, são regulares. Esses defeitos podem diminuir a condutividade elétrica e termal das estrelas de nêutrons”, explicou Horowitz ao Phys.org.
Fig. 3: Pasta nuclear simulada por Horowitz et. al.: (a) espaguetes; (b) lasanhas; (c) e (d): parafusos. Note que em (b), há um plano irregular quase vertical, atravessando as placas. Em (c), a hélice do parafuso não é regular, conforme ressaltado pelo zoom em (d). [Imagem: C. J. Horowitz, et al. ©2015 American Physical Society]
No paper recém-publicado na Physical Review Letters, Horowitz et al. relatam como simulações de dinâmica molecular revelam a formação de irregularidades topológicas na pasta nuclear a partir de configurações aleatórias de prótons, nêutrons e elétrons. Comparáveis a minúsculas manchas de molho sobre macarrão parafuso, essas irregularidades em estruturas helicais formam-se rapidamente e mantém-se estáveis ao longo do tempo.
Os rápidos rodopios das estrelas de nêutron não duram pra sempre. O intenso campo magnético age como uma espécie de freio, reduzindo as revoluções de centenas por segundo para menos de uma por segundo. Por exemplo, há uma estrela de nêutron que dá apenas uma volta a cada 12 segundos. É lerda, para uma estrela de nêutron. Até agora, não se sabia exatamente como funciona esse freio magnético.
Nas roupas dos terráqueos, as manchas de molho podem se acumular e envelhecer formando uma verdadeira crosta. A coisa não é muito diferente nas estrelas de nêutrons. Com base em cálculos sobre a pasta nuclear, os físicos americanos os físicos americanos postularam variações nas curvas de raio-X que indicariam a formação de crosta na estrela de nêutron MXB 1659-29. Eles descobriram que essas previsões batem com observações feitas desde 1999 pelo telescópio espacial Chandra.
Assim, para Horowitz et al. essas manchas de molho, que vão se acumulando na pasta nuclear a ponto de reduzir a vertiginosa rotação da estrela neutrônica. A pasta nuclear acaba atuando como uma camada de impurezas, diminuindo as condutividades elétrica e termal das estrelas de nêutron. Isso acaba levando a um decaimento do campo magnético e a um consequente declínio das rotações. Malditas manchas de molho!
Referência
HOROWITZ, C. J. et al. "Disordered Nuclear Pasta, Magnetic Field Decay, and Crust Cooling in Neutron Stars." [Pasta Nuclear Desordenada, Deacaimento do Campo Magnético e Resfriamento de Crosta em Estrelas de Nêutron]. Physical Review Letters. 114, 031102 – Published 22 January 2015. DOI: 10.1103/PhysRevLett.114.031102
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